sexta-feira, 6 de maio de 2016

Cem anos de solidão. Gabriel Garcia Marquez.

Um enigma? Com certeza que Cem anos de solidão é um livro exclusivamente para leitores. A sua força está na linguagem e na descrição do psicológico dos personagens e não na história que conduz a sempre repetida história dos Buendía, no povoado, na progressista e decadente Macondo. Se existe um enigma a ser decifrado, ele está quase ao final do longo romance: "O primeiro da estirpe está amarrado a uma árvore e o último está sendo comido pelas formigas".
O monumental livro de Gabriel Garcia Marquez.

O primeiro da estirpe é uma referência a Aureliano Buendía, o fundador da imaginária cidade de Macondo, que irá terminar os seus dias amarrado em um tronco de castanheiro e o último, que pela vontade da mãe seria Rodrigo, mas que também, se viesse a viver, seria, mais uma vez Aureliano, por imposição do pai.. "E então viu a criança. Era uma pelanca inchada  e ressecada que todas as formigas do mundo iam arrastando trabalhosamente para os seus canais pelo caminho das pedras do jardim".

A história da família Buendía se confunde com a história de Macondo. É uma eterna repetição, a começar pelo nome dos homens, pois todos se chamavam de Aureliano ou de José Arcádio e Remédios, todas as mulheres. "Não havia nenhum mistério no coração de um Buendía que fosse impenetrável para ela (Amaranta Úrsula), porque um século de cartas e de experiência lhe ensinara que a história da família era uma engrenagem de repetições irreparáveis, uma roda giratória que continuaria dando voltas até a eternidade, se não fosse pelo desgaste progressivo e irremediável do eixo".

É um desfilar de personagens se repetindo sem nenhum refinamento humano, beirando a selvageria da contaminação da violência das infindáveis revoluções e das injustiças contra os trabalhadores pela companhia bananeira, que veio se estabelecer na cidade, no auge de seu progresso. Aureliano Buendía participara de 32 revoluções e perdeu todas. Aureliano pertencia ao Partido Liberal, sempre em luta contra o Partido Conservador, o partido que estava no poder. Os momentos de paz eram os momentos de conchavos entre estes dois partidos, profundamente iguais, especialmente em suas práticas políticas.
Certamente que Cem anos de solidão contribuiu muito para Garcia Marquez ganhasse o Nobel de literatura.

Macondo desde a sua fundação vai conhecendo o progresso. No começo eram os fundadores, visitados de vez em quando pelos ciganos e os seus visionários ilusionismos. Mas aos poucos chega a luz, o trem, mas também o delegado, o médico, a igreja e o padre. O auge do progresso vem com os americanos, que se dedicam ao plantio da banana. É o auge do progresso. 

Mas os donos da companhia tratam tão mal os operários, que estão sempre em atos de rebeldia contra a companhia. Em vez de terem atendidas as suas reivindicações, são simplesmente trucidados, até uma matança final, em que três mil são mortos e levados de trem para serem jogados ao mar, para o desaparecimento, para dar guarida à história oficial, de que sempre viveram em perfeita ordem e harmonia. Governo e interesses econômicos agiam em consonância. Depois da terra arrasada a companhia simplesmente vai embora. Junto com a companhia vão também os moradores da cidade. Ficam alguns poucos, cumprindo a sina da solidão.

Mesmo entre as poucas pessoas que ficaram, mesmo as enredadas em casamentos, se isolam tanto, que nem sequer conseguem partilhar a sua solidão, preferindo um esvaimento doloroso até a consumação final. Até Fernanda, que fora educada para ser uma rainha, é contaminada pelo meio e é violentamente punida por sua recatada e pudenda castidade, e que também  por causa disto, perde o marido para a fogosa Petra Cotes. Fernanda sonhava em ver o seu filho seguindo a carreira eclesiástica e se tornar papa. Em Macondo também se sonhava.
Viver para contar. As memórias da infância e juventude.

Eu só me animei a retomar a leitura de Cem anos de solidão, a primeira fora inconclusa, depois de ter lido o Viver para contar, em que Garcia Marquez rememora seus anos de infância e juventude. Ali está vivamente presente o cenário de Macondo e os principais personagens do romance. Provavelmente os seus familiares mais longínquos estejam presentes, quem sabe seus avós. Lá estão as brigas entre os conservadores e os liberais, que transformaram a história da Colômbia numa permanente guerra civil e lá também está presente a atuação da United Fruit Company e a matança de três mil pessoas, numa greve ocorrida no ano de 1928.

No livro que eu li, uma edição da Biblioteca FOLHA, na contracapa se lê: "É possível interpretar o romance como uma metáfora do isolamento e da desesperança da América Latina". Será que sempre vamos ser engolidos pelas dissensões internas e pelos interesses externos, sem nunca conseguirmos a nossa autodeterminação? Se isto for verdade, a corrosiva engrenagem do eixo está simplesmente apavorante, como nos atesta a atual crise política brasileira.




2 comentários:

  1. Li esse livro em 1972 quando ganhei o de um amigo que achou a historia parecida com o COLONIA CECÍLIA de AFONSO schmidt a parte que mais lembro era o casal que todos os dias tinha 8 relações sexoais e o macho por ser avantajado tirava oito gritos da companheira kkkk

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  2. Será mesmo parecido com a história da Colônia Cecília? Talvez a questão do isolamento e a degradação humana. Em todos os casos, reconhecidamente uma das maiores obras da literatura universal. Um abraço seu Arnaldo.

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