segunda-feira, 8 de julho de 2024

A mente de Adolf Hitler. Walter C. Langer.

A curiosidade aguçada pelo "momento cultural" de O é da coisa, do Reinaldo de Azevedo, me levou a esse livro. Me parece óbvio que o tema que envolve a construção da personalidade de Hitler sempre foi, é e será revestido de enorme curiosidade. Como é que alguém conseguiu chegar ao ponto, ou ao grau de loucura, a que ele chegou. Estou falando do livro A mente de Adolf Hitler - o relatório secreto que investigou a psique do líder da Alemanha nazista. O autor é o psicanalista estadunidense Walter C. Langer. O seu trabalho foi uma encomenda do Escritório de Serviços Estratégicos (OSS) o órgão que antecedeu a CIA nos Estados Unidos. A encomenda é datada do ano de 1943.

A mente de Adolf Hitler. Walter C. Langer. LeYa, 2018. Tradução: Carlos Szlak.

Sem delongas vou à contracapa, para apresentar uma pequena síntese do livro: "Este livro que você tem em mãos é o histórico relatório feito durante a Segunda Guerra Mundial - enquanto Hitler ainda estava vivo -, fruto de profundas investigações para compreender quem era de fato o maior líder nazista que já existiu. Mantido como documento confidencial por quase um quarto de século, este estudo pioneiro apresenta uma das pesquisas mais fascinantes e reveladoras já feitas em relação aos conflitos inconscientes por trás da ascensão e da queda de Adolf Hitler, que ajuda a tecer a grande teia de eventos da história mundial e nos faz refletir como surgem mentes como essa". O seu autor, volto a repetir, é o psicanalista Walter Langer.

O que mais me impressionou? Os dados de sua infância, adolescência e juventude, basicamente passados na Áustria, que ele aprendeu a odiar, até a sua chegada em Munique, na Alemanha, a Mãe Pátria, que ele aprendeu a amar. Filho de uma família totalmente desestruturada, onde, para ele, foi fácil reviver ou viver o seu complexo de Édipo particular. O pai era bêbado e violento e a mãe sofredora protegia o filho. Flagrou-os em relação sexual. Na visão de criança, flagrara o pai violentando a mãe. Não seria a sua Mãe-Pátria sendo violentada? O Hitler que viveu na Áustria só colhera fracassos em sua vida. Era descuidado de si e se odiava. A sua vida posterior teria sido uma projeção desse ódio contra alguém ou a algum povo? Lembrando que Hitler nasceu em Branau am Inn, na Áustria, muito próximo da fronteira com a Alemanha (Munique), em 1889. 

Este Hitler alcança seus êxitos em Munique, onde participa da Primeira Guerra Mundial, da qual sai meio chamuscado (temporariamente mudo e cego - teriam sido gases ou distúrbios psíquicos?) mas que lhe proporciona os primeiros meios de exercer os seus dons de oratória junto a outros soldados. Aí começa a sua ascensão e a sua troca de personalidade, de quem pela força, violência e crueldade começa a se impor, em um caminho sem volta. E uma questão: Hitler construiu a Alemanha nazista ou a Alemanha destroçada pela Primeira Guerra e humilhada pelos seus vencedores é que proporcionou a ascensão de tão insólito personagem? Do fracassado Putsch de Munique (1923) segue para a prisão de Landsberg, onde escreve o Mein Kampf.

Com certeza, um personagem extremamente complexo e que, conforme é destacado por Eurípedes Alcântara, prefaciador da edição brasileira, é diagnosticado por Langer como "provavelmente psicopata neurótico, beirando a esquizofrenia". Numa rápida pesquisa Google procuramos um primeiro significado para essas palavras da psiquiatria. Psicopata: padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos do outro; neurótico: reações intensas e instabilidade emocional; esquizofrenia: delírios e alucinações, falas desordenadas e comportamento bizarro e inadequado. Psicoses. É grave.

O livro relatório, de 268 páginas, tem um prefácio de contextualização, escrito pelo jornalista Eurípedes Alcântara, seis partes, notas e referências bibliográficas. As partes são: Parte I. Como ele acredita ser; Parte II. Como o povo alemão o conhece; Parte III. Como seus colaboradores o conhecem; Parte IV. Como ele se conhece; Parte V. Análise e reconstrução psicológica; Parte VI. Seu possível comportamento no futuro. Dessas partes a mais longa e a mais importante é, sem dúvida, a parte V, a de análise e reconstrução psicológica. Muitos dados biográficos coletados no Mein Kampf, em biografias e entrevistas são as fontes do relatório de Langer.

Como demandaria um espaço maior para a resenha de cada capítulo, me atenho a apresentar a síntese das orelhas do livro: "Este relatório é uma fascinante reconstrução psico-histórica que, além de esmiuçar a mente de Adolf Hitler - trazendo desde fatos de seus primeiros anos de vida, das conturbadas relações familiares e amorosas até suas manias, perversões e comportamentos durante a guerra -, nos leva a um grande questionamento: a história é feita por pessoas ou elas são meras personagens dentro de sua força avassaladora? Será que o grande responsável pelo terror do nazismo foi Hitler e sem ele nada daquilo teria acontecido? Ou de qualquer forma a história mundial teria tido esse triste episódio? 

É justamente isso que Walter Langer procura compreender ao longo destas páginas. Sua profunda análise detalha os desvios da complexa personalidade de Hitler capazes de levar milhares de pessoas a colaborarem na execução de planos atrozes contra o ser humano e a criarem um dos períodos mais cruéis da história da humanidade. Afinal, de acordo com a avaliação do psicanalista, com base em seus estudos e nos depoimentos colhidos, não foi só Hitler, o louco, que criou a loucura alemã: a loucura alemã também criou Hitler".

Nesse mesmo sentido, Eurípedes Alcântara também encerra o seu prefácio, com destaque para o insólito personagem: "Sem Hitler, o nazismo poderia muito bem ter alcançado posição política relevante na Alemanha. Mas é impossível imaginar o louco Rudolf Hess, o arrogante Hermann Göring ou mesmo o fanático Joseph Goebels mesmerizando as massas com a mesma eficiência de Adolf Hitler, cuja mente este livro nos oferece na bandeja". 

Como estamos numa fase de recrudescimento da extrema direita fascista, tanto no mundo quanto no Brasil, deixo o essencial do discurso nazista, quando Hitler condena toda a passividade, vista como hostil à vida  e a troca por um ser absolutamente impiedoso como revelam as frases de sua pregação:

"Se um povo quiser se tornar livre, precisará de orgulho, força de vontade, provocação, ódio, ódio e de novo, ódio".

"A brutalidade é respeitada. A brutalidade e a força física. O homem comum só respeita a força bruta e a brutalidade".

"Queremos ser os defensores da ditadura da razão nacional, da energia nacional, da brutalidade e determinação nacionais".

É. A direita fascista não cria, ela apenas copia. Um perigo para o já tão abalado processo civilizatório. Auschwitz já está apagado da memória dos povos. Já não mais apavora ninguém.  



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.