terça-feira, 5 de novembro de 2024

A condição humana (1933). André Malraux.

A minha próxima leitura seria um dos livros da coleção Os Imortais da Literatura Universal (Abril - 1972) que eu ainda não tivesse lido. Creio que ainda me sobra algo em torno de uma meia dúzia. Entre eles estava o livro de André Malraux (1901-1976), com o belo e provocativo título de A condição humana. Confesso que não é um livro de leitura fácil, pois se trata de um tema bem datado, como o é o da Revolução Chinesa de 1927. Na ocasião, ela implodiu dentro da aliança formada por nacionalistas e comunistas para combater os países europeus em busca de autonomia nacional. Essa implosão opôs os nacionalistas aos comunistas.

A condição humana. André Malraux. Abri. 1972. Tradução: Jorge de Sena

Os nacionalistas eram comandados por Chiang Kai-shek e os comunistas chineses, que obedeciam as ordens da Terceira Internacional, sob o comando da União Soviética. Os desentendimentos levaram ao golpe dos nacionalistas. A luta foi violenta e sangrenta e terminou com a vitimização dos comunistas e a implementação de uma ditadura por Chiang Kai-shek. Estes fatos ocorreram, como já vimos, no ano de 1927 e a narrativa de Malraux é de 1933. Este é o ano da publicação de seu mais importante livro. O local das rebeliões ocorre em Xangai e na cidade industrial de Hankow.

Para facilitar a leitura, passo alguns dos personagens que precisam ser atentamente observados para não se perder na narrativa. São eles: Tchen, um terrorista, sempre pronto a morrer pela causa; Katow, experiente revolucionário e um dos comandantes dos comunistas; Kyo e o seu pai Gisors, este um intelectual e professor de arte e aquele, junto com Katow, um dos chefes comunistas; Clappique, um divertido boêmio e traficante, especialmente de armas e de ópio; e mais Ferral, o representante de uma companhia francesa e os seus interesses econômicos.

A narrativa começa no dia 21 de março de 1927, meia-noite e meia, e se estende até meados de abril, quando os personagens diretamente envolvidos com a revolução já estão todos mortos. Essa narrativa ocupa seis capítulos e, um sétimo, se volta para Paris, já em julho, e para Kobe. Em Paris se encontra Ferral, negociando em nome da companhia e em Kobe, Gisors pai e May, sobreviventes aos acontecimentos. São 301 páginas com letras, quase de necessidade de lupa. É, com certeza, um romance de muita ação e profundamente entremeado de reflexões filosóficas sobre A condição humana: sentido da vida, valores éticos, perspectivas diante da morte, o abraçar e se dedicar cegamente a causas, obediência, lealdade, rebelião diante de injustiças e por aí vai.

Como se trata de um romance bem datado e com muitos dados históricos já distantes, eu recorro ao livro de mini biografias que acompanha a  coleção para, primeiramente, falar um pouco de Malraux, do seu gosto pelos temas do oriente, para onde viajou já em 1923, para observar de perto os acontecimentos que ali se desenvolveram e, em segundo, para dar a contextualização em que o livro foi escrito. Primeiro sobre a contextualização: 

"A maior parte do continente asiático achava-se então sob controle econômico e político de potências europeias. E em certos países começavam a tomar impulso os primeiros movimentos de revolta contra as metrópoles do Ocidente. Tal era o caso da China e da Indochina [...]. Revolucionários chineses de todas as tendências reuniram-se sob a bandeira do Kuomintang, partido nacionalista, dirigido por Chiang Kai-shek [...]. Em 1927, uma reviravolta nas alianças políticas leva a China a um banho de sangue: Chiang Kai-shek dá um golpe de Estado e inicia o massacre de seus ex-aliados, comunistas".

E, agora sobre o tema e as reflexões: "A tragédia profunda do homem encontraria novamente expressão política em A condição humana (1933).  O cenário é a China. O tema, a revolução fracassada de Xangai, à qual o escritor assistira em 1927. Por essa razão, nenhuma outra obra de Malraux é tão impregnada de realidade e vida.

Mais uma vez vem à tona a contradição insolúvel da revolução, levada a cabo simultaneamente pela burguesia nacionalista e pelos sindicatos comunistas. A fragilidade dessa aliança é ressentida, em toda a sua extensão, pelas personagens de Malraux, que, no entanto, obedecem às ordens da Internacional stalinista e caminham como bonecos até a morte. (Sobre essa Internacional, a terceira, segue o link: 

O drama dos revolucionários está no papel que representam: meras peças de um jogo político sobre o qual não possuem o direito de opinar. Apenas o fim importa. O homem não tem controle sobre o seu destino, não tem outra alternativa senão procurar realizar-se e encontrar a si mesmo dentro dos limites traçados pelos outros.

Assim, a personagem Kyo Gisors faz da revolução sua própria vida, e a ela cede corpo e alma. Tchen é um fanático, feito terrorista por um mecanismo de compensação, para lavar no sangue a sua própria humilhação e a das massas miseráveis. Hemmelrich é levado por sua impotência a participar da ação: para ele, o combate final aparece como uma porta aberta em direção à liberdade. E Ferral é o capitalista poderoso contra o qual virá chocar-se a revolução.

Seja qual for o campo em que combatem, as personagens são pessoas reais, descritas tal como o autor as conhecera na China. A coragem, mas também o medo, a revolta e a traição constituem sempre hipóteses possíveis para cada uma delas. Independentemente da capacidade e da fidelidade de um indivíduo, ele pode falhar e perder o caminho.

Não há nada mais elevado e ao mesmo tempo mais baixo que o homem, parece dizer Malraux em sua obra. Tudo se encontra em todos os homens: as grandezas e as misérias. Esse o sentido da 'condição humana'. Cada personagem se acha mergulhada na lama de sua condição: por mais que procure, não pode escapar a esse destino.

Verdadeiro centro da obra de Malraux, A condição humana nada mais é que uma etapa da busca apaixonada da liberdade, que parece constituir a razão de ser do escritor. Recebido com entusiasmo pelo público, aplaudido pela crítica e laureado com o Prêmio Goncourt, o livro projeta na cena literária internacional o nome de seu autor.

A França descobre, estupefata e ao mesmo tempo um tanto constrangida, um intelectual de 32 anos que pretende derrubar a ordem estabelecida. Durante alguns meses, Malraux é o herói festejado por toda a imprensa, da extrema-direita à extrema-esquerda. Independentemente das posições políticas, todos reconhecem seu prodigioso talento".

E, para situar historicamente. Em 1946 Mao Tsé-Tung inicia uma nova fase de combates e em 1949, na qualidade de vencedor, proclama a República Popular da China, sob o comando comunista. Chiang Kai-shek ainda fica no poder, mas em Taiwan. Coisas da geopolítica. Fundamental para se compreender a China de nossos dias.




 





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