quinta-feira, 14 de novembro de 2024

AINDA ESTOU AQUI. O filme.

Dia 11 de novembro fui ao Shopping Barigui, para assistir a uma das maravilhas do cinema mundial, Ainda estou aqui, filme dirigido por Walter Salles e tendo como protagonistas Fernanda Torres, Fernanda Montenegro e Selton Mello. O roteiro do filme é uma adaptação do livro de Marcelo Rubens Paiva, do mesmo nome, e que foi publicado no ano de 2015. A adaptação do roteiro ficou a cargo de Murilo Hauser e Heitor Lorega. O filme é sobre Eunice Paiva, uma mulher monumental. O filme teve  sua pré estreia no Festival de Veneza, onde foi aplaudido de pé, por dez minutos.

Cartaz de divulgação do filme Ainda estou aqui.

Vou situar brevemente e, em primeiro lugar, Marcelo Rubens Paiva, o autor do livro. Ele se tornou conhecido pelo seu Feliz Ano Velho, livro em que relata seu acidente, ocorrido na cidade de Campinas no ano de 1995 e que o deixou tetraplégico. O Ainda estou aqui, é o seu livro do ano de 2015 e que eu li no ano de 2017, depois de ganhá-lo de presente do meu filho Iuri. O livro tem o foco em seus pais Rubens e Eunice Paiva. O que esta família tem de singular? Vamos então aos seus personagens. Antes, deixo a resenha do livro.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2017/04/ainda-estou-aqui-marcelo-rubens-paiva.html

Rubens Paiva foi um deputado federal, eleito pelo PTB de São Paulo, no ano de 1962. Já em 1964 teve o seu mandato cassado pela recém instaurada ditadura militar. Então, depois de inúmeros percalços e, na condição de engenheiro, se estabelece na construção civil, no Rio de Janeiro. Já Eunice Paiva cursou Letras na aristocrática e conservadora Universidade Mackenzie, onde conviveu com pessoas do mundo das letras. Fixaram residência no Rio de Janeiro, no bairro do Leblon. Talvez um dado interessante precise ser mencionado. A família de Rubens Paiva tinha propriedades no Vale do Ribeira, onde ocorreram as guerrilhas de Lamarca. Isso lhe atraiu uma constante vigilância. No Leblon viviam a típica vida de classe média alta, com cinco filhos, quatro meninas e o caçula Marcelo Rubens.

Em janeiro de 1971 a família recebe uma correspondência vinda do Chile e, a partir dela, a família passa a viver o verdadeiro estado de terror de um regime cruel e assassino. Rubens é detido (preso, como mais tarde será provado) e torturado até a morte, mas será dado como desaparecido. Eunice também foi presa, por 12 intermináveis dias de tortura psicológica. Uma das filhas, então com apenas 15 anos também passou pela prisão. Aí já entramos na narrativa ou no roteiro do filme, e Eunice passa a ser a grande protagonista. Imaginem a situação!

Sem marido, sem rendas, cinco filhos para criar (isso a obriga a disponibilizar patrimônio) e com o nome da família enlameado, uma vez que a mídia, além de outras instituições, transformaram o golpe militar na "Revolução Redentora", que livrara o Brasil dos "facínoras comunistas". Eunice assume o comando! Muda-se para São Paulo, volta para a Mackenzie, agora no curso de Direito, e se torna uma conceituada e prestigiada advogada. Além dos cuidados com os filhos, ela assume duas grandes causas: desvendar a morte do marido e assumir a defesa das causas indígenas. (Junto com Manuela Carneiro da Cunha, autora do livro Índios no Brasil: história, direitos e cidadania, conseguiram que figurasse na Constituição de 1988, o seu artigo 231).

Com relação ao marido, em 1996 (sob FHC) consegue, pela Lei dos Desaparecidos, o seu Atestado de Óbito, sem, no entanto saber sobre o paradeiro do corpo. Mais tarde, com a instituição da Comissão Nacional da Verdade (Dilma Rousseff), foi confirmada a sua morte no Doi-Codi, órgão submetido ao exército, sob tortura, bem como a identificação dos assassinos torturadores. Estes, no entanto, nunca sofreram qualquer tipo de punição, conforme depoimento de Marcelo Rubens, ao jornalista Juca Kfouri, no TVT. A impunidade favorece a repetição dos fatos, triste constatação.

Aos 72 anos Eunice é acometida pelo mal de Alzheimer, que a consumirá ao longo de 14 anos. Ela veio a falecer em dezembro de 2018, aos 86 anos. A interpretação de Eunice foi confiada a duas atrizes de primeira grandeza e - nem poderia ser diferente. Fernanda Torres representa a Eunice, como chefe da família e da grande batalhadora, cabendo a Fernanda Montenegro, por sete ou oito minutos memoráveis, sem uma única palavra, representar os seus momentos finais. Interpretações dignas da vida de lutas de uma grande mulher. A atuação de Selton Mello é destacada por Marcelo Rubens, na mesma entrevista concedida a Juca Kfouri, como a expressão fiel do caráter bondoso, gentil e brincalhão de seu pai. 

E o momento do filme! Não poderia haver melhor e mais oportuno. Após o golpe de 2016, a instável democracia brasileira vive sob o estado de cio dos remanescentes facínoras desse período triste de nossa história. Passamos por um governo horroroso e pela tentativa de golpe do 8 de janeiro e agora, pelo movimento de concessão de anistia para os bandidos depredadores desse mesmo 8 de janeiro (Escrevo no dia 14 de novembro, dia posterior a um novo ato terrorista em Brasília, que provavelmente sepultou esse movimento pela anistia). Foi lançado num momento em que precisamos brigar pela democracia. Walter Salles, com este seu filme, usa do cinema para cultivar a memória nacional e, pelo recurso da arte, nos provoca o horror diante dos fatos que tanto nos envergonham. O filme representa um grande movimento em favor da democracia, do horror às ditaduras com as suas costumeiras torturas, e da permanente luta em favor de um mundo que não perca a sua dimensão de alegria (o sorriso nas fotos), da riqueza das relações e dos ideais de humanidade. 

Um filme, que no dizer de Juca Kfouri, deveria ser passado em praça pública. É um dever de cidadania e humanidade assistir e divulgar este filme. Ele ainda dará muito o que falar por ocasião das festas do Oscar. E - juntos devemos bradar em alto e bom som - Ainda estou aqui. Mesmo porque eles (os facínoras) também ainda estão. E - precisam ser combatidos.

2 comentários:

  1. Muito legal ver que vc continua postando desde 2012! Li vários artigos seus! mt brat seu blog 💋💀

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    1. Opa! Você até me levou ao Google. Sim eu continuo teimosamente persistente na manutenção do blog. Modestamente, sei que ele faz bem a muita gente, por isso eu persisto. Muito obrigado por ser leitor e por se manifestar nessa grande qualidade de leitor. E o filme, que maravilha!

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