Quando tomei em mãos O Morro dos Ventos Uivantes para a sua leitura, apareceu em meu facebook, uma resenha do livro e, em um comentário, alguém escreveu que, mal começara a sua leitura, já o largou após as primeiras páginas. Quando eu a comecei, logo me indaguei se não aconteceria o mesmo comigo. Eu explico. O livro é muito sombrio e isso ocorre já a partir das primeiras páginas. Senão vejamos o diálogo que se estabelece entre o sr. Lockwood, um locatário, com o sr. Heathcliff, o proprietário da locação. Depois de falar da beleza do local, se trava o seguinte diálogo:
O Morro dos Ventos Uivantes. Abril. 1971. Tradução: Oscar Mendes.
"- Sr. Heathcliff! - disse eu.
Respondeu com um aceno de cabeça.
- Sou Lockwood, seu novo inquilino. Dei-me a honra de visitá-lo, logo depois que cheguei, para exprimir-lhe a esperança de não me ter tornado impertinente, ao insistir em ocupar Thrushcross Grange. Ouvi dizer ontem que o senhor tinha certas intenções...
- Thrushcross Grange - interrompeu ele, retraindo-se - é propriedade minha. Não permito que ninguém me aborreça quando posso a isso me opor... Entre!
O "entre" foi dito de dentes cerrados e soava como se fosse um "vá para o diabo!" A própria porteira, sobre que se apoiava, não revelava nenhum movimento em acordo com o convite. Foi esta circunstância, creio, que me impeliu a aceitá-lo. Sentia-me interessado por um homem cuja reserva parecia mais exagerada do que a minha".
Essa péssima recepção é prenúncio do comportamento de Heathcliff, que, seguramente, eu apontaria como um dos mais sombrios personagens da literatura universal. Bem! Ao contrário do comentário lido, eu continuei persistente. E creio que esse diálogo inicial também nos dá a primeira abertura para situar o romance de Emily Brontè, datado de 1847. Nele aparece o sr. Heathcliff, o protagonista da obra. Aparece também o nome de uma das propriedades rurais, Thrushcross Grange, local dos acontecimentos, junto com a outra, que dá o nome ao romance O Morro dos Ventos Uivantes.
O Morro dos Ventos Uivantes, para continuar a apresentação do romance, pertence à família Earnshaw, composta pelo sr. e sra. Earnshaw e Hindley e Catarina, os filhos. Já a Thrushcross Grange pertence à família Linton, da qual são retirados como personagens os irmãos Edgar e Isabela. Da família Earnshaw surge outro personagem, Heathcliff, que, como já vimos, será o protagonista. Ele é trazido pelo patriarca da família, de uma viagem que ele fizera a Liverpool. Ele o recolheu na qualidade de um menino indigente, franzino, sujo e sobretudo faminto. Sua cor é um pouco mais escura, fato imediatamente percebido por todos. O senhor Earnshaw lhe dedica grandes afeições e atenções, logo sentidas por Hindley, que passa a hostilizá-lo. Já Catarina lhe lança olhares furtivos no começo, que logo a seguir, se tornaram afoitos. Tudo indica que nascera um grande amor! Será?
Esses são os ingredientes em que o leitor precisa ter atenção para não se perder nos labirintos da história. A narradora dessa história será Nelly Dean, uma empregada, meio governanta, que trabalhara nas duas propriedades. Essa história sinistra é contada ao longo de 34 capítulos, no decorrer de 313 páginas. Ela a conta para o sr. Lockwood, o locatário. Ela tem como mote principal a vingança de Heathcliff, pelos maus tratos recebidos por Hindley e pela pouca atenção de Catarina. Como resultado, todas as relações estabelecidas entre eles se tornam diabolicamente envenenadas, fechando todas as possibilidades de humanidade e de um final feliz. Todos são enlouquecidos por um ódio infernal. Heatcliff dominará a todos. Será rico, poderoso e proprietário das duas herdades, adquiridas ou por dinheiro, ou por herança. Dá para sentir o enredo!
Como vimos, o romance, que é a única obra da escritora, apareceu no ano de 1847, ano ainda pertencente ao romantismo. Dez anos depois, Gustave Flaubert inaugurará o realismo com o seu Madame Bovary. A escritora viveu apenas por 30 anos. Nasceu no Reino Unido em 1818 e, também nele, veio a falecer em 1848, um ano após o lançamento de seu livro.
A edição que eu li é da coleção Os Imortais da Literatura Universal (Abril, 1971) e, no livro de minibiografias que a acompanha, lemos o que segue sobre a obra:
"... O enredo gira em torno de Heathcliff, um coração livre que se endurece por ter sido vítima de maldades. Abandonado pela jovem que ele ama, emprega toda a sua força para se vingar das pessoas que provocaram a separação. Num clima de ódio e revolta, Heathcliff vai aniquilando, um por um, todos aqueles que considera seus inimigos. Ninguém é poupado, nem o próprio algoz. Pela primeira vez na literatura romântica, as personagens não são rigidamente classificadas como boas ou más. Vícios e virtudes nelas se mesclam, como nas criaturas reais. Entre os protagonistas - Heathcliff e Cathy - existe um amor torturado, levando antes à destruição que à felicidade. As personagens mais próximas dos tipos virtuosos são fracas e suscitam pena. A autora se abstém de apresentar juízos morais e, pela maneira que descreve as figuras principais, percebe-se que sua simpatia se volta para os que sofrem. A intensidade das paixões, a densidade das sombras que pairam sobre as personagens, a violência do amor e do ódio constituem os elementos característicos do livro e entremostram a riqueza de sentimentos que Emily guardava dentro de si. O clima tenso da obra não impede, todavia, a presença de um lirismo estranho e comovente, em que as misérias e as paixões humanas são tratadas de maneira incisiva".
Creio que O Morro dos Ventos Uivantes é a mais sombria das obras que eu já li. Todas as pessoas estão profundamente contaminadas pelo ódio, interessadas em fazer mal às pessoas e provocar mal-estar. E, como conseguem!... E como as relações fazem mal, muitas se refugiam na solidão e no isolamento, fatores que não são estranhos à biografia da escritora. Agora, o que é de estranhar é a força com que ela apresenta os personagens em sua complexidade psicológica. Em seus poucos anos de vida sempre fora uma leitora exímia, fato que expandiu enormemente a sua mente. Outro elemento extraordinário em sua obra é o panorama traçado da Inglaterra dos meados do século XIX, especialmente o de seu meio rural, interiorano. Grande obra!
Quero destacar ainda um fato. Ele é narrado nas páginas finais da obra. Nele Heathcliff está à beira da morte e ainda não elaborara o seu testamento. Para quem deixar a sua herança? Vejamos:
"Quando amanhecer, mandarei buscar Green (o homem da lei) - disse ele. - Gostaria de esclarecer com ele algumas questões jurídicas, enquanto estou em condições de emprestar um pensamento a esses negócios e agir com calma. Não fiz ainda meu testamento e não consegui chegar a uma decisão, a respeito da maneira de dispor de meus bens. Gostaria de suprimi-los da face da terra." (páginas 308-309). Talvez isso tenha me tocado particularmente porque conheço pessoas inconformadas por terem que deixar seus a bens a pessoas que eles julgam não merecedoras dos mesmos. Que horror!
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