Este livro eu ganhei de presente. Presente de uma pessoa muito querida e plena de significados em minha vida. Trata-se de O Infinito em um junco - A invenção dos livros no mundo antigo, da romancista e ensaísta espanhola Irene Vallejo. Sempre considerei muito o fato de os livros serem objetos para presentear. Acima de tudo eles referenciam a pessoa que as presenteia. Esta abertura do post é a minha forma de agradecer, publicamente, o presente recebido. Também, não o nego, um livro também referencia e reverencia a pessoa que o recebe. Vamos ao livro.
O Infinito em um junco. Irene Vallejo. Intrínseca. 2022. Tradução: Ari Roitman e Paulina Wacht.
O livro é um maravilhoso tributo à escrita, aos livros, à sua preservação, bem como à leitura e aos leitores. Somente uma pessoa muito apaixonada pela causa conseguiria escrevê-lo, e, escrevê-lo tão bem. É uma agradável viagem no tempo, um penetrar no mundo antigo, no seu tempo lento em avanços, como que, para absorver todos os seus profundos significados. E que belo título: O infinito em um junco. Tudo remete às origens.
O livro é longo. Ele contem 493 páginas e está dividido em duas partes: I. A Grécia imagina o futuro; 2. Os caminhos de Roma. A parte sobre a Grécia tem vários subtítulos e 87 tópicos, enquanto a que versa sobre Roma também tem seus subtítulos e 48 tópicos. É uma questão de organização. A organização e estruturação dos livros, ao longo da história, é também um dos temas do livro. Tem também Prólogo, epílogo, notas e agradecimentos. O epílogo tem por título: Os esquecidos, as anônimas. Tem também várias frases em epígrafe, das quais transcrevo as duas últimas:
"Ler é sempre uma translação, uma viagem, um ir embora para se encontrar. Ler, mesmo sendo normalmente um ato sedentário, leva-nos de volta à nossa condição de nômades". Antonio Basanta, Leer conta la nada. E,
"O livro é, acima de tudo, um recipiente onde o tempo repousa. Uma prodigiosa armadilha com a qual a inteligência e a sensibilidade humanas venceram a condição efêmera, fluida, que levava a experiência do viver para o vazio do esquecimento". Emilio Lledó, Los libros y la libertad.
O livro também se constitui numa belíssima aula de história e de literatura clássica. A primeira parte, a que versa sobre a Grécia é dedicada à cidade de Alexandria, à sua Biblioteca, ao seu Museu e ao seu Farol. O grande personagem é Alexandre, o Grande. Alexandre nunca, em sua breve vida de viagens e combates se desfez da Ilíada, livro no qual buscava inspiração. Fala de Ptolomeu e dos Ptolomeus, os artífices da biblioteca, da grandeza do Egito, do papiro e dos pergaminhos. E, como não poderia deixar de ser, da fusão cultural do helenismo, da Ilíada, da Odisseia, do teatro, das tragédias e de toda a literatura grega e de seus significados.
A parte dedicada a Roma, fala da má reputação inicial da cidade, nascida de um fratricídio e de, apesar de toda a grandeza de seu império, terem sido dominados pela cultura dos gregos. Fala da Magna Grécia e dos horrores da escravidão que rondava como possibilidade e ameaça para todos. Fala da separação de classes e dos privilégios dos dominantes, entre eles, a escrita e a leitura. Fala dos primeiros livreiros e de seu ofício de copistas. Fala de Herculano e de Pompeia, cidades de prazeres, banhos e salas de leitura e também dos fétidos pregadores contra os prazeres e os perigos dos banhos. Fala da perseguição aos livros e de suas queimas por temor de seus efeitos e de toda uma Idade Média, tempo de carência de livros. Apesar disso, não se consegue impedir o surgimento do Renascimento.
Dessa segunda parte destaco um dos parágrafos finais, com destaque para beleza da escrita e do posicionamento da autora: "Devemos aos livros a sobrevivência das melhores ideias projetadas pela espécie humana. Sem eles, provavelmente teríamos nos esquecido daquele punhado de gregos temerários que decidiram entregar o poder ao povo e chamaram esse ousado experimento de 'democracia'; dos médicos hipocráticos, que criaram o primeiro código deontológico da história, no qual se comprometiam a cuidar também dos pobres e dos escravos: 'Leva em consideração os meios do seu paciente. Em determinadas ocasiões deves prestar teus serviços até gratuitamente; e, se tiveres oportunidade de atender um estrangeiro que se encontra em dificuldades econômicas, dá-lhe plena assistência'; de Aristóteles, que fundou uma das primeiras universidades e dizia aos alunos que a diferença entre o sábio e o ignorante é a mesma que entre o vivo e o morto; de Eratóstenes, que usou o poder do raciocínio para calcular a circunferência da Terra, com uma pequena margem de erro de oitenta quilômetros, utilizando apenas um pedaço de pau e um camelo; ou os códigos legais daqueles romanos doidos que um dia concederam a cidadania a todos os habitantes do seu enorme império; ou daquele grego cristão, Paulo de Tarso, que pronunciou o que possivelmente foi o primeiro discurso igualitário quando disse: 'Não há judeu nem grego, não há escravo nem homem livre, não há homem, nem há mulher'. Conhecer todos esses precedentes nos inspirou ideias tão extravagantes no reino animal, quanto direitos humanos, democracia, confiança na ciência, saúde universal, educação obrigatória, direito a um julgamento justo e preocupação social pelos mais fracos" (Páginas 434-435). E por aí vai. E, no mesmo tom, encerra o livro:
"Os livros legitimaram, é verdade, fatos terríveis, mas também sustentaram os melhores relatos, símbolos, saberes e invenções que a humanidade construiu no passado. Na Ilíada assistimos ao lancinante encontro entre um velho e o assassino do seu filho; nos versos de Safo descobrimos que o desejo é uma forma de rebeldia; em História, de Heródoto, aprendemos a buscar a versão do outro; em Antígona vislumbramos a existência da lei internacional; nas Troianas nos deparamos com a barbárie própria; numa epístola de Horácio encontramos a máxima iluminista 'atreva-se a saber'; na Arte de amar, de Ovídio, fizemos um curso intensivo de prazer; nos livros de Tácito compreendemos os mecanismos da ditadura; e na voz de Sêneca ouvimos o primeiro grito pacifista. Os livros nos legaram algumas ideias dos nossos antepassados que realmente não envelheceram de todo mal: a igualdade entre os seres humanos, a possibilidade de escolher os nossos dirigentes, a intuição de que talvez seja melhor para as crianças ficarem na escola do que trabalhando, a vontade de usar - e gastar - o erário para cuidar dos doentes, dos velhos e dos desvalidos. Sem os livros, as melhores coisas do nosso mundo teriam se dissipado no esquecimento" (Página 437).
Deixo ainda a apresentação da orelha da capa: "De fumaça, de pedra, de argila, de seda, de pele, de árvores, de plástico e de luz. O Infinito em um junco nos conduz pela vida do livro, em seus variados formatos, e pela vida daqueles que o preservaram há quase cinco milênios".
"Este é um livro sobre a evolução dos livros. Um passeio pela trajetória desse artefato fascinante que inventamos para que as palavras pudessem viajar no espaço e no tempo. É a história de sua fabricação e de todos os modelos e formatos ao longo da jornada humana.
É também um livro de viagem. Uma rota com paradas nos campos de batalha de Alexandre e na Vila dos Papiros sepultada pelas lavas do Vesúvio, nos palácios de Cleópatra e na cena do crime de Hipátia, nas primeiras livrarias e nas oficinas de cópia manuscrita, nas fogueiras em que eram queimados códices proibidos, no gulag, na Biblioteca de Sarajevo e no labirinto subterrâneo de Oxford no ano 2000. Um fio que une os clássicos ao vertiginoso mundo contemporâneo, conectando-os aos debates atuais: Aristófanes e os processos judiciais contra os humoristas, Safo e a voz literária das mulheres, Tito Lívio e o fenômeno dos fãs, Sêneca e a pós-verdade.
Mas, acima de tudo, esta é uma fabulosa aventura coletiva protagonizada por milhares de pessoas que, ao longo do tempo, tornaram o livro possível e o protegeram: contadores de histórias, escribas, iluminadores, tradutores, vendedores ambulantes, professores, sábios, espiões, rebeldes, freiras, aventureiros; leitores de todos os cantos, nas capitais onde se concentra o poder e nas regiões mais remotas, onde o conhecimento se refugia em tempos de caos. Pessoas comuns cujos nomes, muitas vezes, são apagados da história; gente que salva livros, os verdadeiros protagonistas desta história".
Enfim, um mergulho nas origens e mitos fundadores da cultura ocidental, nos fundamentos da cultura clássica, greco-romana, da qual Irene Vallejo é notória autoridade. E, se você, ao querer presentear alguém, se defrontar com dúvidas, eis aí uma bela sugestão. Com certeza você se dará muito bem. É impossível não agradar.
Deixo também a leitura anterior, em dois posts que versam sobre o tema.
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