terça-feira, 15 de julho de 2025

Minhas viagens com Heródoto. Ryszard Kapuscinski.

Depois de uma série de leituras que envolveram história, a busca por origens, me lembrei de um livro cuja leitura me impressionou muito quando o li. Isso foi lá no ano de 2007. Resolvi retomá-lo. Trata-se de Minhas viagens com Heródoto - Entre a história e o jornalismo. O autor é o polonês Ryszard Kapuscinski, um jornalista a recordar as suas primeiras reportagens, quando fora destacado pela sua agência, a fazer reportagens mundo afora, para muito além de sua pátria. Ele próprio conta que sempre fora movido pelo desejo de conhecer o outro lado, o lado de fora, o lado diferente. Uma curiosidade infinita.

Minhas viagens com Heródoto. Ryszard Kapuscinski. Companhia das Letras. 2006. Tradução: Tomasz Barcinski.

Na contracapa temos a explicação de sua situação, o contexto do surgimento de sua obra: "Criado numa Polônia ocupada primeiro pelos nazistas e depois pelos soviéticos, Ryszard Kapuscinski cresceu com a obsessão de conhecer o que havia 'do outro lado da fronteira'. Essa motivação, que o transformaria num dos mais importantes jornalistas internacionais de nosso tempo, foi confirmada e iluminada pela leitura do clássico História, escrito no século V antes de Cristo pelo grego Heródoto de Halincarnasso".

Ryszard ou Richard frequentava os bancos escolares da universidade quando tem os seus primeiros contatos com os gregos. Ele mesmo nos conta, logo no primeiro capítulo de seu livro: "A guerra terminara cinco anos antes (Devia ser então o ano de 1950), a cidade jazia em ruínas, as bibliotecas haviam sido consumidas pelo fogo. Diante disso, não tínhamos compêndios, faltavam-nos livros". Richard ainda nos informa que História começou a circular na Polônia apenas no ano de 1955, dois anos após a morte de Stálin. Foi também nesse período que Richard começou a trabalhar, num jornal chamado "Estandarte dos Jovens'. Seus primeiros trabalhos chamaram a atenção de sua diretora, da qual, num certo dia, recebeu a notícia para o seu primeiro grande trabalho: "Vamos enviá-lo para a Índia".

Richard nos informa a sequência daquela conversa: "Ao término daquela conversa, durante a qual fui informado de que partiria para o mundo, a senhora Tarlowska foi até um armário, tirou de lá um livro e, entregando-o a mim, disse: 'Um presente meu para a sua viagem'. Era um livro grosso, cuja capa dura estava coberta por um pano amarelado. Nela, em letras douradas, pude ler o nome do autor e o título: Heródoto. História". Assim começa a missão do grande repórter internacional que ele viria a ser. Parte para a Índia, para a China, para o Congo e outros países africanos convulsionados após a conquista de suas independências, para o Irã... Haja mundo diferente e, quantas diferenças. Ao longo da descrição dessas viagens, ele sempre as intercala com a leitura de Heródoto. Com o livro de Richard, você praticamente tem dois livros. O livro História de Heródoto e Minhas viagens com Heródoto, de Kapuscinski.

O livro tem 28 capítulos, tendo cada um em torno de dez páginas. Sempre, numa alternância entre os locais visitados e as histórias dos povos visitados por Heródoto e a sua forma de contar o diferente. Verdadeiras aulas, tanto de história, quanto de jornalismo, especialmente de reportagem. História é considerado como o primeiro grande livro reportagem, detalhando como Heródoto as fazia. Riquíssimo. São, ao todo, 305 páginas de um magistral aprendizado. Na contracapa temos a continuação da apresentação do livro:

"Em Minhas viagens com Heródoto, Kapuscinski relata de modo caloroso e bem humorado seus primeiros tempos de repórter, quando recém saído da universidade, foi enviado a países remotos e indecifráveis como a Índia, a China e o Congo para contar a seus compatriotas o que se passava por lá. Felizmente, o jovem aprendiz de jornalista levava na bagagem o livro de Heródoto, que ele considera 'a primeira grande reportagem da literatura mundial'. Ao ler sobre a expansão do império persa ou a batalha de Salamina, mais do que técnicas de coleta e organização de informações, Kapuscinski aprendeu a lição essencial de que conhecer e buscar compreender outras culturas é um exercício de tolerância e autocrítica".

Sublinhei muitas passagens. Entre elas esta, já ao final da obra: "Heródoto viaja para poder responder a uma pergunta formulada na infância: de onde vêm os navios que vemos no horizonte? Eles surgem de onde? Qual sua procedência? Quer dizer que o que vemos com nossos olhos ainda não é a fronteira do mundo? Existem outros mundos? Quais? Quando crescer, vai querer conhecê-los. Mas é melhor que não cresça por completo, que permaneça algo de criança em sua alma, pois só elas fazem perguntas importantes e querem, realmente, aprender.

E, com entusiasmo e encantamento infantis, Heródoto se lança à descoberta de seus mundos. Eis sua maior descoberta: eles são muitos, diferentes entre si, mas importantes cada um à sua maneira.

É preciso conhecê-los porque esses mundos e essas culturas são espelhos nos quais nos miramos - nós e a nossa cultura - e nos quais ela se reflete. Graças a eles, entendemos melhor a nós mesmos, já que não podemos definir a nossa singularidade se não a confrontarmos com outras.

Tendo feito essa descoberta - a descoberta de que as outras culturas são espelhos nos quais podemos nos olhar para compreender melhor quem somos -, Heródoto, a cada manhã, infatigavelmente, de novo e mais uma vez, parte em viagem" (Páginas 292- 3).Que lição maravilhosa. Compreensão de mundo. E também uma concepção de educação: trabalhar a curiosidade da criança. E, que vontade de viajar...

E para terminar, uma historinha. É sobre os trausos e sobre um costume seu: "[...] são em tudo semelhantes (os seus costumes) aos dos outros Trácios, exceto com relação aos recém nascidos e aos mortos. Quando nasce, entre eles uma criança, os parentes, sentados em torno dela, enumeram os males a que está sujeita a natureza humana e lamentam, com gemidos, a sorte ingrata que fatalmente a acompanhará enquanto viver; mas, quando morre um deles, enterram-no alegremente, regozijando-se com a felicidade desse que acaba de libertar-se de tantos males" (páginas 172-3).

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