quarta-feira, 9 de julho de 2025

História universal da destruição dos livros. Das tábuas sumérias à guerra do Iraque. Fernando Báez.

Uma série de leituras em sequência. Uma história da leitura, de Alberto Manguel, O infinito em um junco - A invenção dos livros no mundo antigo, livro maravilhoso de Irene Vallejo, e agora, História universal da destruição dos livros - Das tábuas sumérias à guerra do Iraque, do venezuelano Fernando Báez. Essas leituras proporcionam uma ampla visão sobre o tema dos livros, especialmente sobre a sua importância e muito mais ainda, sobre o verdadeiro pavor que eles provocam em determinadas mentes. Sobre este pavor, História universal da destruição dos livros é absolutamente insubstituível.

História universal da destruição dos livros. Fernando Báez. Ediouro. 2006. Tradução: Léo Schlafman.

Não houve um único momento ao longo da história em que não se tenha buscado a sua não chegada aos leitores, seja pela censura ou pela sua radical destruição. O fogo foi sempre o principal meio utilizado. Por outro lado, a censura e a destruição, também sempre provocaram a curiosidade e o aumento do desejo das chamadas leituras proibidas. Deixo inicialmente as duas frases em epígrafe do livro. Pelo seu poder de síntese, eu aprecio muito epígrafes bem postas. Vejamos:

"Onde queimam livros, acabam queimando homens". Heinrich Heine, Almansor, 1821.

"...cada livro queimado ilumina o mundo...". Ralf Waldo Emerson, Essays, First series, 1841. A realidade contida nessas epígrafes são facilmente constatadas ao longo do livro. Vejamos a  sua apresentação, contida na contracapa:

"Desde que surgiram as primeiras formas de livro na Suméria, o homem empreendeu uma verdadeira saga que reduziria em cinzas um número incalculável de obras. Medo, ódio, soberba, intolerância e sede de poder são o que sempre motivaram os biblioclastas, cuja intenção na verdade nunca foi simplesmente destruir o objeto em si, mas, o que este representava: o vínculo com a memória, o patrimônio de ideias de toda uma civilização.

História universal da destruição dos livros é o resultado de um estudo de 12 anos, em que Báez nos oferece uma visão aterradora da devastação sistemática, que se inicia no Mundo Antigo, passando pela Inquisição e tempo de conquistas, até a catástrofe mais recente: a destruição de um milhão de livros no Iraque como consequência de uma guerra absurda. Para o autor, trata-se de mais uma manifestação da inexorável necessidade de impor uma cultura sobre a outra.

Mais do que um levantamento minucioso dos prejuízos, esta obra denuncia os crimes cuja maior vítima é a própria humanidade, pois 'onde se queimam livros, acabam queimando homens', assim disse o poeta alemão Heinrich Heine". Na mesma contracapa se lê um elogio mais do que grandioso; pela sua origem; de Noam Chomsky: "Impressionante. O maior livro escrito sobre este tema". Báez nos conta sobre a origem, sobre os motivos que o levaram a esta escrita:

"E assim começou esta pesquisa, por um erro, como todas as coisas importantes. Munido com esse livro em ruínas como único amuleto, descobri que, além de centenas de milhares de mortos, a Guerra Civil Espanhola provocou um desastre cultural oculto durante décadas". Ele dá detalhes. Ele se encontrava num sebo em Madri, em busca de um livro de Unamuno. Não o encontrou, mas em compensação, encontrou um livro em frangalhos. Ele narra: "A duras penas, reconheci entre os fragmentos uma antologia de poemas de Federico García Lorca. Li, fascinado, um dos textos e, enquanto segurava as páginas, pedaços inteiros caíram no chão. O livro não tinha índice e faltavam as páginas finais, arrancadas com pouco cuidado. Havia uma nota oficial de algum censor: 'Livro proibido. Astúrias, El Infierno.'. Intrigado, corri para perguntar o preço e o implacável dono me pediu que o levasse, visivelmente incomodado. Diante de minha perturbação, o homem disse: 'Leve-o, não sei quem pôde trazer até aqui o livro desse comunista'". Eis a provocação da qual saiu este livro e um dos motivos - sempre entre os mais presentes - na obra da destruição.

O livro é relativamente longo e é também uma viagem na geografia, passando pelos mais diversos lugares do mundo, uma vez que o desejo da destruição dos livros é uma fenômeno universal. Ele tem 438 páginas, divididas em Introdução, três partes e notas com a indicação de suas preciosas fontes, além da bibliografia. As partes tem os seguintes títulos: Primeira parte: O mundo antigo; Segunda parte: Da era de Bizâncio ao século XIX; Terceira parte: O século XX e o início do século XXI.

Convido a uma viagem pelos capítulos das diferentes partes:

Primeira parte: O mundo antigo, com dez capítulos: 1. Oriente médio; 2. Egito; 3. Grécia; 4. Apogeu e fim da biblioteca de Alexandria; 5. Outras antigas bibliotecas destruídas; 6. Israel; 7. China; 8. Roma; 9. As origens radicais do cristianismo; 10. O esquecimento e a fragilidade dos livros.

Segunda parte: Da era de Bizâncio ao século XIX, com 14 capítulos: 1. Os livros perdidos de Constantinopla; 2. Entre monges e bárbaros; 3. O mundo árabe; 4. Um confuso fervor medieval; 5. Espanha muçulmana e outras histórias; 6. Os códices queimados no México; 7. Em pleno Renascimento; 8. A Inquisição; 9. A condenação dos astrólogos. 10. A censura inglesa; 11. Entre incêndios, guerras e erros; 12. De revoluções e provocações; 13. Em busca de pureza; 14. Alguns estudos sobre a destruição de livros.

Terceira parte: O século XX e o início do século XXI, com 11 capítulos: 1. Os livros destruídos durante a Guerra Civil Espanhola; 2. O bibliocausto nazista; 3. As bibliotecas bombardeadas na Segunda Guerra Mundial; 4. Censura e autocensura literárias modernas; 5. Um século de desastres; 6. Os regimes de terror; 7. O ódio étnico; 8. Religião, ideologia, sexo; 9. Entre inimigos naturais e legais; 10. O terrorismo e a guerra eletrônica; 11. Os livros destruídos no Iraque.

Por óbvio, também os clássicos da literatura universal são citados, assim como as maiores e mais famosas bibliotecas. Também os grandes inimigos dos livros são nominados. Da segunda parte o destaque vai para a Inquisição, enquanto que na terceira, o destaque vai para o bibliocausto (um paralelo com o holocausto) nazista e a Guerra Civil Espanhola. Do livro também pincei a minha frase preferida. É de Pascal. Ela data de 1657. Ocorreu em resposta à queima de suas Cartas provinciais, onde ele denunciou desvios morais de jesuítas. Pascal assim se expressou: "Os homens nunca agem mal de maneira tão perfeita e aplaudida como quando o fazem movidos pela convicção religiosa" (Página 202).

Vejamos ainda as orelhas do livro: "Incêndios, enchentes, terremotos, guerras e regimes autoritários causaram a morte de milhões de pessoas . Mas nesta notável obra temos a chance de conhecer uma história nunca antes contada de forma tão minuciosa: a da destruição dos livros. O autor venezuelano Fernando Báez nos leva de volta ao Mundo Antigo para acompanhar, desde o início, a trajetória dessa prática que teve entre seus adeptos não só homens ignorantes ou perversos, mas também grandes filósofos, eruditos e escritores, como Descartes, Platão e Heidegger. Alguns porque acreditavam que, eliminando os vestígios do pensamento de uma determinada época, estariam promovendo a superação do conhecimento humano. Outros, mais modestos, lançavam ao fogo suas obras simplesmente por vergonha do que haviam escrito. No entanto, os principais destruidores de livros sempre tiveram como maior motivação o desejo de aniquilar o pensamento livre. Os conquistadores atribuíam à queima da biblioteca do inimigo a consagração de sua vitória.

E assim o autor nos conduz através dos tempos e pelos mais diversos continentes para refazer o percurso dessa pesquisa dolorosa, mas que ironicamente ameniza o nosso sofrimento. Afinal, ao remontar à perda de incontáveis obras, ideias, conhecimentos e memórias, é possível reconstruir e desvendar muitas épocas, mentiras, lendas e mistérios que envolveram essa história de horror que parece não ter chegado ao fim.

Em 2003, a guerra levou à extinção mais de um milhão de livros e dez milhões de documentos da Biblioteca Nacional do Iraque, berço da civilização ocidental. Inertes, assistimos em tempo real a um verdadeiro genocídio cultural, cujas consequências para as próximas gerações serão irreparáveis". 

Deixo também os posts dos livros referenciados no início: 

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/06/uma-historia-da-leitura-alberto-manguel.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/06/leituras-proibidas-uma-historia-da.html 


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