domingo, 24 de outubro de 2021

Escravidão. Volume II. Laurentino Gomes.

Ler os livros de Laurentino Gomes é sempre uma certeza de que você terá muitas informações. E você as terá sempre de uma forma muito leve e fluente. A leitura nunca deixará de fluir, embora a aspereza dos temas abordados, como é o caso da escravidão. Estou me referindo especificamente ao segundo volume de Escravidão - Da corrida do ouro em Minas Gerais até a chegada de dom João ao Brasil. É um panorama do século XVIII, o chamado século das luzes, que tantos processos revolucionários causou. Esse século também provou que as verdades proclamadas pelos princípios do Iluminismo ou Esclarecimento não eram universais. Eles enfrentaram a barreira da cor. O tema é trabalhado no livro, no capítulo 28, sob o título de A liberdade é branca. O que se dirá então da igualdade? Deixo a resenha do volume I da trilogia: http://www.blogdopedroeloi.com.br/2020/03/escravidao-volume-1-laurentino-gomes.html

Escravidão. Volume II. Globo Livros. 2021.

O século XVIII. Um dos séculos mais conturbados da história. Um século de rebeldia e de afirmação de direitos. Grandes mudanças históricas. Destacaria duas datas que simbolizam essas mudanças: 1776 e 1789. A Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. Os dois fatos foram acompanhados de pomposas declarações de afirmação de direitos, proclamados como universais. Já na entrada do século XIX, em 1804 o Haiti proclama a sua independência e põe à prova a universalidade dos direitos afirmados. Até hoje o Haiti paga o preço de sua ousadia. A escravidão dos povos africanos permanecerá intacta ao longo de todo o século em questão e será um dos alicerces econômicos de todas as grandes nações europeias da época.

É este o panorama traçado no volume II da trilogia de Laurentino Gomes. Por óbvio, o principal foco do livro é o Brasil, mas a abordagem do tema é impossível sem voltar o olhar para o continente africano, donde, sob as bênçãos das autoridades, inclusive as eclesiásticas, saíam as "mercadorias" mais desejadas e valiosas desse triste período de nossa história. Um período de muitas violências e de violências que duravam uma vida inteira. Era todo um regime de escravidão.

O livro de Laurentino passa por uma exaustiva pesquisa bibliográfica, apontada no livro, tanto por citações, como  através de uma extensa lista dos livros utilizados, ao final do livro. Uma pesquisa que certamente consumiu anos de trabalho. Por isso mesmo o livro se transforma numa grande referência. O livro tem, ao todo 511 páginas, divididas em 31 capítulos. Como os títulos são curtos, eu os anuncio, com alguns entre parênteses explicativos: 1. A fronteira (sua expansão); 2. Esplendor e miséria; 3. Ouro! Ouro! Ouro!; 4. O herói invisível (o negro e a tecnologia da extração); 5. Fome, crime e cobiça; 6. Sertão adentro; 7. Escravismo piedoso; 8. Isolamento, censura e atraso; 9. Piratas; 10. Corruptos e ladrões; 11. Onda negra; 12. Os castelos (a partir daqui o livro se volta para a África); 13. Ajudá; 14. Agaja; 15. Conversa de reis. 16. Traficante escravizado; 17. Áfricas brasileiras (a herança cultural); 18. O sagrado; 19. Irmãos, reis e rainhas; 20. O trabalho; 21. A violência; 22. O sonho; 23. A família escrava; 24. As mulheres; 25. Chica na terra dos diamantes; 26. Fugitivos e rebeldes; 27. O medo (rebeliões); 28. A liberdade é branca; 29. Quebrando os grilhões; 30. O naufrágio; 31. O presente.

Na orelha do livro, uma síntese: "[...] Desta vez, o tema é a escravidão e seu profundo e definitivo impacto na formação do Brasil e da sociedade em que vivemos hoje. Composta por uma série de ensaios e reportagens de campo, a obra é resultado das leituras, pesquisas e observações feitas pelo autor ao longo de seis anos em viagens por doze países e três continentes. O volume inicial, lançado em 2019, cobriu um período de mais de 250 anos, desde o primeiro leilão de cativos africanos em Portugal, em 1444, até a morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. Este segundo livro concentra-se no século XVIII, auge do tráfico negreiro no Atlântico, motivado pela descoberta das minas de ouro e diamantes no Brasil e pela disseminação, em outras regiões da América, do cultivo da cana de açúcar, arroz, tabaco, algodão e outras lavouras marcadas pelo uso intensivo de mão de obra cativa.

Num período de apenas cem anos, mais de seis milhões de seres humanos foram traficados da África para o Novo Mundo. O Brasil sozinho recebeu um terço desse total, cerca de dois milhões de africanos escravizados. É também o período mais decisivo na construção da África brasileira, pela introdução de novos hábitos e costumes que teriam profundas influências na vida nacional, incluindo a culinária, o vestuário, as festas e danças, os rituais religiosos e o uso dos espaços públicos.

No século XVIII, essas transformações podiam ser observadas em variados aspectos, como a família escrava, as alforrias, a escravidão urbana, as festas, irmandades e práticas religiosas, a assimilação, as fugas, rebeliões e movimentos de resistência".

No último parágrafo do livro, na sua parte final, temos o anúncio do 3º e último volume da trilogia: "Ao longo de todo o século (XIX), senhores de engenho, barões do café, fazendeiros, donos e traficantes de escravos apoiaram o trono brasileiro. Em troca teriam dele a garantia de que tudo continuaria como antes. Em nome dos interesses da aristocracia escravista agrária e mercantil, o império resistiria até o limite do possível a todas as pressões e esforços para acabar com o tráfico de cativos e a própria escravidão. Até que o edifício inteiro, tornado insustentável, implodisse na sequência da lei Áurea, que pôs fim ao cativeiro em 13 de maio de 1888 e seria decisiva na queda da própria monarquia, no ano seguinte. Esses serão os temas do terceiro e último volume da trilogia".

Brasil! Pobre Brasil! Seria a herança da escravidão uma chaga irremovível para a construção de um país com efetiva justiça social e dos princípios de liberdade e igualdade proclamados desde o século aqui em questão? Temo que sim! Existe toda uma ideologia dominante para  que uma verdadeira lei de gravidade social, se imponha.  Trago as notícias desses dias, da diminuição das desigualdades no Brasil, entre os anos de 2003-2014, nos governos do Partidos dos trabalhadores, trazidas pelo Banco Mundial. No entanto, por essa e outras razões, as políticas desse período foram abortadas pelo golpe de estado de 2016, aplicado pelas eternas elites brasileiras, herdeiras de um espírito bandeirante e escravocrata. Esse caminho precisa ser retomado.

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