segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Escravidão. Volume III. Da independência à Lei Áurea. Laurentino Gomes.

 Como Laurentino Gomes escreveu uma trilogia sobre a escravidão brasileira, antes de fazer a resenha do terceiro volume, apresento o link da resenha dos volumes I e II, já feitas nesse blog.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2020/03/escravidao-volume-1-laurentino-gomes.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2021/10/escravidao-volume-ii-laurentino-gomes.html

O terceiro volume da trilogia Escravidão. Globo Livros. 2022.

Apresento também os subtítulos dos três volumes. O título geral é Escravidão. O subtítulo do volume I é Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares, o do volume II é Da corrida do ouro em Minas Gerais até a chegada da corte de dom João ao Brasil e o do volume III é Da Independência do Brasil à Lei Áurea. O terceiro volume é o mais volumoso deles. São quase 600 páginas de muito conteúdo. Ao todo, a soma dos três volumes atinge praticamente 1500 páginas, passando pelo tráfico, pela análise do sistema da escravidão, até a abolição, que, de fato não existiu. A desigualdade pela qual o Brasil passa ainda nos dias de hoje é um reflexo de que no Brasil pode ter havido um processo de  abolição da escravidão, mas não a sua obra, usando uma afirmação de Joaquim Nabuco.

O terceiro volume está estruturado em 29 capítulos e, conforme o subtítulo nos indica, ele faz a abordagem desde os tempos da independência até a abolição, de 1822 a 1888, portanto. A proclamação da independência, nada significou para a população brasileira escravizada. José Bonifácio era praticamente uma voz solitária na abordagem dessa  questão nessa época. Como os títulos dos capítulos são curtos, eu os apresento. Depois vou me deter em alguns deles.

Cap. I. Folguedos da libertação (um panorama geral do período); cap. II. O comendador (Sousa Breves, um símbolo da escravidão nesse período, já dominado pela lavoura cafeeira no vale do rio Paraíba); cap. III. Os esquecidos (por óbvio, os escravizados, não atingidos pela independência); cap. IV. Para inglês ver (a lei de 1831 que aboliu o tráfico negreiro, assinado junto a Inglaterra); cap. V. Hipocrisia (as relações comerciais com a Inglaterra, sem levar em conta a lei de 1831); cap. VI. Honoráveis beneméritos (traficantes benfeitores da humanidade e cidadãos exemplares); cap. VII. Barões e fidalgos (a distribuição de comendas da nobreza no vale do Paraíba, o coração escravista ao longo do século XIX).

Capítulo VIII. O Império escravista (O cotidiano escravista nas fazendas de café do vale do Paraíba); cap. IX. Vende-se, compra-se, aluga-se (Trabalho desumanizante, as diferentes formas de escravidão. Escravos de ganho, de aluguel, amas de leite, além de outras formas ainda menos dignas. Aborda também a questão de uma linguagem escravista); cap. X. O Valongo (o centro de comercialização dos escravizados no Rio de Janeiro); cap. XI. A testemunha (A história da escravidão é contada por brancos); cap. XII. O amigo do rei (os traficantes africanos, amigos dos reis - enquanto houver comprador, nós venderemos); cap. XIII. Nã Agotimé (A escravização de nobres e de reis africanos).

Capítulo XIV. Angola, frente e verso (As dores de Angola - o comércio de escravos); cap. XV. Medo, morte e repressão (24 de janeiro de 1835, a rebelião dos malês); cap. XVI. Manual do cativeiro (sob o princípio de que - quem se diverte não conspira. Como lidar com os escravizados para não chicotear 24 horas por dia. A dosagem entre a severidade e a "brandura", para evitar as rebeliões); cap. XVII. Na mira dos canhões (dos canhões ingleses. Lei Eusébio de Queirós - abolição do tráfico - 1850);  cap. XVIII. No limbo (Como eram tratados os ex escravizados, os alforriados. O tratamento dado aos lanceiros negros na Revolução dos Farroupilha); cap. XIX. Apogeu e queda (depois de 1870, ao término da Guerra do Paraguai, os alicerces da monarquia começam a tremer. Lei do Ventre Livre e Sexagenários). 

Capítulo XX. Os abolicionistas (Os radicais e os do interior do sistema); cap. XXI. O precursor (Luiz Gama, o famoso e temido Dr. Gama). cap. XXII. A conversão (Fatos marcantes que levaram ao abolicionismo: Luiz Gama, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e André Rebouças); cap. XXIII. Terra da luz (Ceará e Amazonas - os estados precursores da abolição. A lavoura cafeeira como polo de resistência); cap. XXIV. Reação (As resistências à abolição. A sedimentação de ódios e preconceitos); XXV. Aliança escravocrata (A vinda ao Brasil dos escravocratas confederados dos Estados Unidos); XXVI. Maré Branca (As teorias do branqueamento. O latifúndio permanece intocado. 1850 e a lei da terra no Brasil. 1862 e o Homestead Act nos USA).

Capítulo XXVII. Pânico (o clima pré emancipação. As rebeliões escravas e a aliança com os abolicionistas); cap. XXVIII. Isabel (Sua fragilidade. A agonia do império. José do Patrocínio e o título de Isabel - A Redentora. O 13 de maio X 20 de novembro); cap. XXIX. O dia seguinte (Da euforia à depressão. As favelas. A manutenção da brutal desigualdade).

Laurentino Gomes deu também três entrevistas ao Programa Roda Viva da TV Cultura de São Paulo. Recomendo muito assistir ao terceiro, sobre o terceiro volume. O ponto alto da entrevista é o relato sobre as transformações pessoais por ele sofridas ao longo da escrita da obra, transformações de vida, do modo de vê-la ao adquirir uma maior compreensão do nosso processo histórico. Quanto ao livro, ele é maravilhoso do começo ao fim, mas eu anotei alguns capítulos em particular, como os de número IX XV e XVI, XXII, XXV e XXVI.

Do capítulo IX, destaco a questão da linguagem. A linguagem é um importante passo para aquilo que hoje se chama de racismo estrutural. Do XV, o destaque se dá em função da revolta dos malês, na Bahia, em 1835, um capítulo pouco estudado em nossos livros escolares. Para mim o capítulo que mais me chamou a atenção foi o de número XVI. Os escravagistas chegaram a escrever um manual de como deveriam tratar os escravizados para que eles não se rebelassem. Tentaram construir uma espécie de hegemonia, para não usarem permanentemente a violência do chicote, o das chibatadas e açoites. Castigo em demasia, embrutece e o embrutecimento tem consequências imprevisíveis.

O destaque do capítulo XXIV é para a presença dos escravocratas confederados, que depois da Guerra da Secessão vieram se estabelecer aqui no Brasil, para continuarem a usufruir do sistema da escravização. Tentaram em vários lugares, mas os maiores êxitos estão relacionados à região de Americana em São Paulo. O destaque para o capítulo XXVI vai para a questão da terra, da reforma agrária. Que oportunidade perdida! Joaquim Nabuco e André Rebouças tiveram uma grande visão relativa a essa questão.

Enfim, a minha recomendação para a leitura do livro. Este terceiro volume vai para muito além da escravidão. Ele é um belo livro sobre o Segundo Reinado, a queda da monarquia e a instauração de uma República, nada republicana. Além disso é uma obra completa, não definitiva. Ele fornece as informações, os fatos históricos e os referenciais de análise também são excelentes, basta conferir a bibliografia usada  nesses seus livros. Super recomendo, especialmente quando completamos 200 anos de independência e o Brasil parece tentar não lembrar de sua história, ao não promover debates sobre a efeméride. Estaríamos praticando um historicídio, como denunciaram alguns historiadores, em texto do dia 03.09.2022 na Folha de S.Paulo.  

Deixo ainda o segundo parágrafo da orelha da capa do Livro: "A escravidão era, na definição de José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, 'um cancro que contaminava e roía as entranhas da sociedade brasileira'. Disseminado por todo o território, o escravismo perpassava todas as atividades e todas as classes sociais. Ricos e pobres, fazendeiros, comerciantes e profissionais urbanos, instituições públicas e privadas, ordens religiosas, bispos e padres, brancos, mestiços e mesmo negros libertos - todos, indistintamente, eram donos de escravos ou almejavam sê-lo. Maior território escravista da América em 1822, o Brasil assim se manteria até o final do século XIX, com sua rotina pautada pelo chicote e pela violência contra homens e mulheres escravizados".


2 comentários:

  1. excelente análise. Estou lendo o livro e me senti ainda mais estimulada à sua leitura.

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    1. Que bom minha amiga, que serviu de estímulo para a leitura. O Laurentino fez realmente um grande trabalho de pesquisa e o seu enfoque é ótimo. Eu o aprecio muito. Agradeço o seu gentil comentário.

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