quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Presente e Futuro da Universidade. Um Debate

A primeiríssima tarefa desse texto é cumprimentar o professor Christian Schwartz pelo empolgante tema trazido a público, no sábado passado (17.11.2012) no G-Idéias, da Gazeta do Povo, sobre o Presente e futuro da universidade. O posicionamento em torno do tema, as duas entrevistas e a sua visão pessoal,  efetivamente contribuem com este debate tão necessário.

Uma retrospectiva histórica me veio a tona, primeiramente com uma leitura mais superficial e, depois, com uma bem mais atenta. É fascinante estudar a Universidade e ver as suas mudanças. Dominar horizontes e mantê-los sob controle, ou abri-los - sempre marcou as discussões sobre as suas funções. A perspectiva do imaginário, que também foi abordada, é a sua perspectiva mais humana, lhe é sempre mais subliminar. Ela não é explicitada. Mas está aí o seu sabor maior. Esta perspectiva, creio que está ausente inclusive na cabeça de muitos de seus atuais dirigentes, obcecados na busca de resultados práticos. A educação nem sempre alcança os resultados almejados e buscados. Pelo contrário, muitas vezes estes lhe são inteiramente opostos. Com o professor Ferrari, um dos entreveistados do professor Christian, lemos o belo livro de Elizabeth Badinter, O Infante de Parma - a educação de um príncipe iluminista (Jorge Zahar - 2010). Nele está relatado que, embora o príncipe tenha sido educado dentro dos princípios do iluminismo e com os melhores mestres de seu tempo, os resultados obtidos foram, exatamente opostos aos desejados. Uma verdadeira lição sobre as ambiguidades humanas, assim o Le Figaro Litteraire, apresenta o livro.

Me vieram a tona os estudos sobre as teorias educacionais e dentro delas a função do professor, do aluno e dos meios, ou das tecnologias, como diríamos hoje em dia. Sempre aprendi que as teorias educacionais podem ser agrupadas em três grandes grupos: A pedagogia tradicional, a pedagogia da Escola Nova ou Escola Ativa e a Pedagogia Tecnicista. Todas elas tem as suas variantes.

Na pedagogia tradicional, a escola e a educação está centrada no professor. O aluno será o depositário do conhecimento e o mestre o seu detentor. O livro didático é muito importante. Procurava se seguir o método das ciências. O alemão Herbart foi o seu grande idelaizador. Salas com o tablado num nível superior, tarefas de casa, introdução, revisão e provas são familiares a esta teoria. Uma pedagogia bancária, de depósitos e saques, no dizer de Paulo Freire.

Na Escola Nova, idealizada especialmente por John Dewey, ou escola ativa, a posição se inverte. A escola está centrada no aluno, que ativamente buscará o conhecimento, sendo facilitado nessa tarefa pelo professor. O livro didático será substituído por bibliotecas e laboratórios. Trabalhos de pesquisa em grupo e apresentação de seus resultados integram este modo de ver a educação. Fez um bem extraordinário, especialmente à educação americana, dominada por fundamentalismos.

Já a pedagogia tecnicista, secundariza tanto o professor, quanto o aluno. A escola está centrada em seus meios. Uma parafernália tecnológica ditará o futuro da escola e da educação. O treinamento e a avaliação quantificável serão as grandes atribuições dessa escola. É por isso que existe tanta obsessão por avaliação nos dias de hoje e avaliações objetivas. Pedagogia das competências. Isso está muito presente hoje.

Mas voltando ao professor Christian e às suas entrevistas. O simples fato de entrevistar um professor da Universidade de Cambridge já mostra a sua formação aprimorada e diferenciada. O universo de suas relações, e isso é essencial, está muito além das relações mais comuns. Isso também está evidenciado no posicionamento de abertura da matéria. Ensinar a pensar, ou treinar? preparar para a vida ou para o mercado? Aulas ou acompanhamentos tutoriais? Ensino útil ou para, diria eu, para as deliciosas inutilidades? A relação professor/aluno ou o autodidatismo. Além disso, as perguntas aos entrevistados, foram no melhor sentido do termo, verdadeiras provocações.Tudo isso mostra as qualidades do mestre.

Quanto ao primeiro entrevistado,Steffan Collini, confesso que me senti um tanto orgulhoso de mim mesmo nas suas respostas. Temos afinidades. Uma concepção de formação nos identifica. Logo no começo, quando fala do resultado esperado, que se deseja por parte da universidade, a palavra compreensão foi brilhantemente colocada. Compreensão do mundo natural e do mundo humano e, a compreensão vai além da mera informação. A compreensão forma um olhar, uma visão de mundo. O conhecimento é informação, preto no branco, falso ou verdadeiro. Compreensão é se apropriar do conhecimento, é formação. Etnociência, foi a palavra que me veio à memória, além da palavra politecnia, quando se fala mais da formação profissional.

Outra questão sensacional foi a abordagem do método. O professor deve ir além da informação. Deve despertar para a curiosidade e isso se faz por perguntas e não por respostas. Um professor que desperta a curiosidade, esse é o bom professor. Isso é socrático. Isso é a maiêutica. O parto das idéias. É trazer a tona o potencial que existe na pessoa. Diálogo e provocação complementam esta atitude pedagógica. Provocar (pro + vocare) significa chamar para - desafiar. E quando você desafia, as respostas vem. E isso exige preparo cuidadoso. Alargar a compreensão. Esta é a função do professor. E este professor vale mais do que mil computadores, concluiu o entrevistado.

Quanto a outra entrevista, sou absolutamente suspeito em falar. Com o professor Ferrari, tenho uma amizade e tive uma convivência que sempre foi muito provocadora. Dividimos turmas de alunos, selecionamos textos comuns  e os trabalhamos em conjunto. Muito do que li foram indicações suas. Brilhante a sua colocação sobre o imaginário. Mil anos de distância luz, a frente de muitos administradores escolares de hoje. O Ferrari nos arranca do chão das certezas que tanto nos imobilizam. Ouse! o sapere aude, kantiano.
Quanto as conclusões do professor Christian, ele se colocou inteiro nelas. A maravilhosa influência materna, a bela influência do mestre Faraco e a sua postura pessoal com relação a ajuda no superar as deficiências de formação de origem dos alunos universitários de hoje. Até a escolha do quadro de apresentação da matéria é espetacular e está de acordo com que o professor Collini falou sobre a finalidade da educação, qual seja, a de penetrar na compreensão do mundo natural e no mundo humano. O quadro é de Rafael, mostrando os filósofos gregos, destacando entre eles Platão e Aristóteles. A mão de Aristóteles está em posição horizontal e a de Platão está apontando para cima. Eu arriscaria aqui uma interpretação; Aristóteles aponta para os problemas práticos do mundo, enquanto que Platão apontaria para o imaginário. Para não me complicar, afirmo a indissociação entre essas duas perspectivas.

O Christian também levanta uma questão com a qual eu, particularmente, muitas vezes me defrontei. Eu me punha na cabeça do aluno a perguntar; O que esse cara aí na minha frente quer de mim?

Para terminar quero externar a riqueza e a validade de treze anos de convivência na Universidade Positivo. Lá cheguei já mais maduro, após um mestrado bem feito na PUC de São Paulo. Me firmei nos cursos de publicidade e jornalismo, com rápidas passagens em outros cursos. Tivemos experiências maravilhosas. O professor Christian não cita o coordenador que o contratou, mas aqui, num espaço mais restrito, eu sei que posso fazê-lo. O professor André Tezza, que recebeu a coordenação da professora Eveline Lacerda, fizeram um trabalho extraordinário. Conceberam uma universidade, ou ao menos o curso, para muito além do cotidiano. Procuraram, pelo espírito que nele imprimiram, preparar os alunos para além das questões estritamente profissionais para penetrar naquilo que nessa matéria do Christian, está evidenciado na palavra compreensão e também pela outra palavra - imaginário.

Três questões muito minhas para terminar. Torna-te quem tu és. Não quero discípulos, aprendi com Nietzsche. Não impor uma visão de mundo para ter seguidores. Isso seria uma tarefa de pregador e não de educador. Ouse saber! esse é outro princípio fundamental que perpassa toda a filosofia iluminista, com o seu objetivo de emancipação e autonomia e de alçar todos para o mundo da maoridade. O texto de kant sobre a ilustração sempre me serviu de guia. E por fim, mesmo não querendo discípulos, no sentido de proselitismo, eu tenho que ter convicções, eu tenho que ter uma visão de mundo e isso torna o meu trabalho coerente e faz com que eu fuja de um trabalho meramente burocratizado. Com Jean Claude Furquin aprendi: ninguém pode ensinar verdadeiramente se não ensina alguma coisa que seja verdadeira ou válida a seus próprios olhos.

Viver é estabelecer relações com os outros. Com toda a certeza posso afirmar que ao longo de minha vida estabeleci relações com outros, e que esses outros foram realamente pessoas muito interessantes. Me construí em meio a essas relações.

6 comentários:

  1. Obrigado, mestre! Emocionante tua resposta ao meu esforço, no jornal, de trazer à tona toda a riqueza da nossa convivência -- minha e tua, nossa com todos os citados, e tantos mais, colegas de universidade, alunos e mestres, que passaram pela nossa vida e com quem, como você bem lembra, estabelecemos relações para nos construirmos em meio a elas. Tenho aqui à minha frente a lembrancinha que levamos da tua festa de despedida do grupo, aquele maravilhoso jantar de comida alemã regada a ótimo vinho. Aqui, nesta lembrancinha, além de convivência, tem outra palavra, e ela expressa meu sentimento por estar vivendo essa história: alegria. A "alegria da convivência", nas tua bela expressão de despedida, ou até logo, para os colegas professores. Muito bonito isso. Abraço.

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  2. É como se eu estivesse de volta àquela mesa da sala da UP, compartilhando das inquietações, aprendendo muito sobre o que é ser professora. Obrigada a vc, Christian e Ferrari. abraço, Simone Meucci

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  3. Pedro, ah, Pedro, você faz falta! Mais uma aula verdadeira neste texto. Obrigado pelas palavras, obrigado pelo texto. E que venham mais encontros como este último (que será o primeiro de muitos outros) - sabor e saber, não me esqueci da lição. Um grande abraço e um ótimo final de ano.

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  4. Só tenho a dizer que foi uma honra ser aluna do senhor e os aprendizados farão parte da caminhada que se inicia com o fim da universidade, mas esse não é o fim, pois a busca pelo conhecimento jamais poderá ser encerrar.

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  5. Mestre Eloy !
    Mtas saudades da época de UP
    Me sinto honrado em ter sido seu aluno, te agradeço por tudo!
    Forte abraço
    Leonardo Pedroso

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  6. Grande professor!

    Com certeza, suas aulas serão uma das maiores saudades que eu levarei desse período acadêmico.

    Orgulho de ter professores como estes fazendo parte da minha formação.

    abraços!

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