sábado, 24 de novembro de 2012

Diálogo com Paulo Freire. O Clube da Rúcula.

Já se passa mais de mês, da bela noite do lançamento do pequeno livrinho Diálogo com Paulo Freire. Quero hoje apresentá-lo. O que é esse Diálogo? No que ele consiste e qual é a sua finalidade? Vamos contextualizar. Farei  isso, a partir da apresentação que a direção do núcleo sindical de Umuarama, da APP-Sindicato, faz no próprio livrinho. Vejamos:
A capa do pequeno livro Diálogo com Paulo Freire.

Em 20 de junho de 1992, Umuarama - PR amanheceu em festa, recebia o educador Paulo Freire e alguns companheiros do "Clube da Rúcula", professores da Unicamp: Adriano Nogueira, Carlos Alberto Arguello e Eduardo Sebastiani, entre muitos convidados.

Entre esses convidados, para a composição da mesa de "provocadores", estava a professora Irma Lovato Ribeiro, professora da rede pública de ensino e o professor Manoel Jacó Garcia Gimenez, da Universidade Estadual de Maringá. O texto de apresentação continua:

Como o conteúdo tratado naquele dia continua atualíssimo e, sendo Paulo Freire uma figura imortal, a APP-Sindicato dos trabalhadores em Educação Pública do Paraná - Núcleo Sindical de Umuarama, em comemoração dos vinte anos da querida visita, decidiu socializar aquele encontro com a comunidade através deste material.

Como fui o presidente do núcleo àquela época e, por ter feito o trabalho de transcrição da fala, fui convidado para fazer parte da mesa - junto com a professora Irma Lovato Ribeiro - do lançamento do Diálogo. Foi uma noite maravilhosa. Tive intensas alegrias e a memória avivada com a presença de pessoas magníficas de uma bela época.

Antes de apresentar o Diálogo, quero destacar dois pensamentos da professora Irma, que dividiria comigo a mesa da apresentação e com quem trabalhei no início dos anos 80, na escola estadual professor Monteiro Lobato.

O primeiro é mais ou menos o seguinte: Vou provocar a turma para que leiam esse Diálogo. E lançou algumas das questões que cada "provocador" fez ao Paulo Freire, bem como algo das respostas do "provocado" ou "desafiado". É isso Irma! Em educação é impossível dar coisas prontas. Na pior das hipóteses, oe resultados serão questináveis. Provoque desafios e as respostas virão.

O segundo foi o de que, quem lê jamais sofrerá de solidão. Sempre terá companhias e, eu me permito acrescentar, as melhores companhias, as mais selecionadas e as mais referenciadas e com elas empreender  um mundo de aventuras. As melhores são, ao menos para mim, aquelas que mais profundamente expressam a angústia da condição humana.

Quanto ao livrinho, antes de mais nada quero apresentar uma questão de método. creio que já perceberam. Paulo Freire não faria uma palestra. Ele seria provocado. Dessas provocações sairiam os temas geradores em torno dos quais o mestre teceria considerações. Lembro bem o Paulo falando de que se sentia melhor, quando provocado.
 A mesa de provocadores e o provocado. Da esquerda para a direita. Adriano Nogueira, Carlos Alberto Arguello, Irma Lovato Ribeiro, Paulo Freire, Eduardo Sebastiani, Jacó Gimenez e eu, como apresentador.

Vou procurar fazer sínteses, levantar questões que provoquem a leitura. Vou apresentar mais a ideia em torno da qual as provocações foram feitas. A primeira ideia/provocação foi feita pela professora Irma. Mais ou menos o seguinte: Como, diante deste mundo se manter otimista e, ainda por cima manter com esse mesmo mundo uma relação prazerosa, de diálogo e de esperança? Na resposta vieram as questões da convicção que deve nortear o educador, da necessidade da briga histórica e crítica - não ingênua - na relação com esse mundo e da necessidade de, numa democracia você participar, militar e sempre dentro da diversidade. Consenso só é bom, na véspera de graves crises. Você necessita de referencial teórico que guie a tua prática.

Adriano, meu particular amigo e, creio que eterno presidente do clube da rúcula, aprofunda a questão da professora Irma sobre as mudanças, sobre as transformações. De sentir-se em mudança e de - dela fazer parte - no engendrar do novo. O provocado sente o desafio e capricha. É preciso apreender a razão de ser dos fatos e da vida e não meramente de maneira racional. Estamos envolvidos num processo de mudanças e simultaneamente sujeitos desses processos. Exemplifica de forma extremamente bem humorada com questões ligadas à sexualidade. Passa pela questão dos limites e da liberdade. Limites sempre existirão, mas quem se excede no direito de limitar, vira autoritário e o autoritarismo é o grande responsável por todo o caos. Fala do diálogo com a sua neta e mostra que nesse campo podem ser feitos os melhores testes sobre  o perceber-se como velho ou não. Se você é capaz de dialogar com o neto, você está bem. Se não, você é um velho, você é autoritário, mesmo que tenha apenas 20 anos de idade. É uma maravilha quando a tua prática educativa se torna como que a iluminação do tempo no teu mover-se entre contradições.

Arguello provoca sobre a indignação. Mais precisamente sobre o poder de transformação que a indignação tem e do proveito pedagógico que dela os educadores podem tirar. Mais uma vez o desafiado capricha. A história se faz com saberes, com decisões, com gosto, com amor, mas também com raiva. A raiva se transforma num dever. A indignação é isso. Depois passa a falar da porralouquice, um agir sem cientificidade. A minha cientificidade e o meu agir devem se relacionar. Me permitam uma pequena transcrição e a leiam sublinhada: Então, a minha cientificidade significa a minha forma de ser tão científica quanto possível de entender os mecanismos de poder da sociedade. A minha clareza política com relação ao meu sonho político, a minha lealdade ao sonho, ao povão com quem eu trabalho, e em favor de quem eu trabalho e não para quem eu trabalho. E, nunca, sobre quem eu trabalho.

A provocação do Sebastiani é linda. Ele foca na mudança como uma nova percepção de mundo. Se Descartes via sob a ótica do penso, logo existo, hoje isso poderia ser colocado como amo, logo existo. O foco hoje está muito além do mero pensar. Existe hoje uma nova postura ética, em que o próprio espaço da vida se amplia. Imbrica assim as questões de ética com a ecologia. Uma frase domina o cenário da resposta. Eu sou eu e esta árvore. E isso traz uma nova dimensão de vida e expande o conceito de ética. O que fere a vida é crime. Faz um belo jogo de palavras ao dizer que a denúncia precede o anúncio e de que não existe anúncio sem denúncia e nem denúncia sem anúncio. É uma nova postura de vida, essa nova visão de ética, interligada com a ecologia. Fala do abalo das certezas e das universalidades, falando de universalidades mas não da universalidade das universalidades (vejam bem, estamos em 1992). Este texto deveria compor os currículos que versam sobre ecologia. Passa ainda pela questão da história e da ética como processos e quem nega esse princípio, afirmando a sua imobilidade está comprometido com uma ética colonialista e dominadora. Aborda também as questões culturais enraizadas como processo de dominação, como o machismo, contra o qual, afirma que a sua própria luta é diária.

O professor Jacó levanta o tema da alfabetização, já que Paulo Freire e e Alfabetização são, praticamente sinônimos. A pergunta vai direta para a questão do dispositivo constitucional que prevê a erradicação do analfabetismo no Brasil (art. 60 das disposições transitórias). Se podemos ter expectativas positivas a respeito. A resposta vem seca. Não e aí vem as análises, começando pela constatação de que a educação brasileira, ao longo de sua história, sempre foi de qualidade excelente, quando ela era apenas para uma elite. Esse processo, no entanto, se inverteu quando essa escola se abre para as camadas populares. Se já tivemos uma escola de boa qualidade, por que não a podemos ter hoje? É uma questão política. Alfabetização é coisa séria e passa por uma rigorosa formação do professor e, dá dicas: As escolas têm professoras mal preparadas, [...] até diria que não é possível tratar da questão da alfabetização sem uma séria e rigorosa formação científica, política e pedagógica.[...] em termos de compreensão científica do que significou o trabalho de um cara chamado Piaget, o que significou o trabalho de um outro sujeito, que em certo sentido, para mim, fez até mais do que Piaget tinha proposto e que se chamou Vigotski. Tem que estar mais ou menos informado com relação ao trabalho de uma extraordinária mulher argentina, chamada Emília Ferrero. Tem que estar convivendo com o trabalho, para mim também extraordinário de uma mulher brasileira chamada Madalena Freire, que por coincidência é filha de um sujeito chamado Paulo Freire e, tem que conhecer Paulo Freire também. Saber o que eu fiz, o que eu propus e o que eu faço.

Fala ainda de culpas e de evasão e deixa uma conclamação ao sindicato no sentido da formação permanente do professor. O educador da escola pública brasileira não tem culpa, inclusive, da sua incompetência, mesmo quando ele não é competente. A culpa é do Estado. Outra coisa, que eu queria também propor ao sindicato é que exigindo a formação permanente ao Estado, não reduzir o sindicato de ter em suas mãos uma parcela dessa formação permanente do professor. A categoria precisa ter em mãos a sua própria formação e não entregar a sua formação ao Estado burocrático.

Posso assegurar a todos que a leitura do Diálogo com Paulo Freire vale muito a pena de ser lido. Foi algo inédito levar Paulo Freire para Umuarama há vinte anos atrás e eu senti que esse trabalho precisaria ser complementado agora, com a publicação dessa fala. Quanto a sua importância, digo apenas, que publicamos um texto inédito de Paulo Freire. Fazer o trabalho de transcrição não foi uma tarefa fácil. Me sinto absolutamente recompensado, pois estou muito feliz com o que fiz. O livrinho pode ser obtido na sede da APP-Sindicato e nas sedes de seus núcleos. Em tempo. Acabo de receber do Adriano o livro Ambiência - Diálogos freirianos e Formação Docente. Vamos à leitura. Depois eu comento.
O time do Núcleo Sindical da APP-Sindicato de Umuarama. Da esquerda para a direita: Sérgio Marson, Marilza Ap. Dias Ferreira, Aparecida Joana Sarmento, Irma Lovato Ribeiro e eu.

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