segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Marighella - Mário Magalhães.

Marighella é para vocês. Assim o jornalista Mário Magalhães termina o seu livro Marighella - o guerrilheiro que incendiou o mundo. A sua escrita consumiu nove anos de trabalho, dos quais cinco anos e nove meses, sob forma de dedicação exclusiva. Ele chegou a frequentar a lista de livros mais vendidos. O livro em muito ajuda a estabelecer a verdade sobre este triste período da história brasileira.
O livro de Mário Magalhães, Marighella - o guerrilheiro que incendiou o mundo, pela Companhia das Letras.

Para mim, o ponto alto do livro é atingido na sua terceira parte, quando é focado o período da ditadura militar, especialmente os seus anos de chumbo de 1968 e 1969. Marighella morreu no dia 4 de novembro de 1969, numa tocaia, na alameda Casa Branca, em São Paulo. Por muito tempo os frades dominicanos levaram a culpa pela morte do maior guerrilheiro brasileiro.

Apesar de já existir muita literatura sobre o período, o livro preenche muitas lacunas e veio para ser profundamente esclarecedor. Creio que a parte sobre o envolvimento dos frades dominicanos com a guerrilha ponha um ponto final na questão. O livro de Frei Betto, Batismo de Sangue - Guerrilha e Morte de Carlos Marighella, em muito já contribuíra para tal. As versões da ditadura, corroboradas pela imprensa, culpando os frades, devem estar desmanteladas em definitivo.

O livro mostra o caráter golpista dos militares na derrubada do governo Jango e os motivos que os levaram a tal, mas se detem mais na análise de outros motivos, aqueles que levaram inúmeros jovens para a luta armada, para a guerrilha, como única alternativa à ditadura que já mostrara que veio para durar um longo tempo. Um dos focos do livro é atuação do PCB, partido do qual emanaram as lideranças mais antigas, obviamente, em rupturas provocadas dentro do Partidão.

Aliás, o comportamento deste, passa por análises espetaculares, bem como a atuação de seu líder, o cavaleiro da esperança, Luís Carlos Prestes. Mostra bem o que significa estar atrelado ao stalinismo e aos comandos da terceira internancional, sem autonomia e, acima de tudo, inteiramente imobilizado pelos acordos internacionais estabelecidos a partir da geopolítica internacional, da convivência pacífica. Isso provocou as rupturas no partidão e esses rebelados promoveram as mais diversas facções que acreditaram ser a luta armada a única alternativa para o enfrentamento com os militares.

Sob o lema de que o revolucionário deve fazer a revolução - ação em vez de teorização- e inspirados na revolução cubana e especialmente na do Vietnã, muitos jovens acreditaram poder derrotar também no Brasil, a burguesia e o imperialismo ianque. O Brasil, por sua extensão territorial seria uma nova China dentro da nova ordem mundial. Vinte e oito siglas diferentes surgiram para empreender a luta armada. Todas tinham vinculações internacionais, especialmente com Cuba e com a China. O velho partidão se mantinha fiel ao modelo soviético. As duas siglas mais fortes eram a ALN, Ação Libertadora Nacional, sob a liderança de Marighella e vinculada a Cuba e a VPR, Vanguarda Popular Revolucionária, comandada por Lamarca, com vinculações maiores com a China. Ao VPR se juntou o grupo mineiro COLINA, no qual militava Dilma Rousseff, e se formou o VAR-PALMARES. Os dois grupos disputavam a hegemonia no movimento de guerrilhas no Brasil.

O que tornou Marighella realmente famoso? Pelo que percebi ele não foi um grande teórico do pós revolução. A sua maior fama lhe veio com o livrinho Minimanual do guerrilheiro urbano, em que descreve especialmente as ações mais bem sucedidas do seu grupo guerrilheiro. Esse livrinho ganha o mundo, e serve de inspiração aos diferentes movimentos, mundo afora. A maior fama lhe veio com esse livrinho, um manual para a ação concrteta.
O símbolo da ALN, grupo guerrilheiro liderado por Marighella. A frase símbolo do grupo era "O dever de todo revolucionário é fazer a revolução".

O seu objetivo, no entanto, não era a guerrilha urbana, mas a guerrilha rural. Para ela é que o grupo estava se preparando. E havia um projeto bem detalhado para a sua efetivação. O manual para o guerrilheiro rural ficou apenas no projeto. Com a morte de Marighella, bem como a de líderes de outros grupos, a guerrilha arrefeceu e a ditadura se prolongou até 1985, inclusive, com tentativas de golpes dentro golpe, para prolongar ainda mais a sua sobrevivência.

Outro ponto alto do livro é o retrato traçado do terror praticado pelo Estado. O personagem mais bem caracterizado é o delegado Sérgio Paranhos Fleury, recrutado de dentro do esquadrão da morte, para liderar as ações de comando contra os revolucionários. Magalhães conta que ele só agia sob o efeito de drogas. Foi o grande comandante da torura brasileira. Também a ação da imprensa, em conluio com o golpe, não passa despercebida.

Quanto ao mais... a leitura do livro. Quero destacar ainda dois parágrafos do livro, onde é colocada a visão do Estado brasileiro, com relação a Marighella, após a sua redemocratização.

A comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (396 no total) dissecou o caso Marighella em 1996. O colegiado instituído pelo presidente Fernando Henrique Cardoso concluiu que o Dops, se quisesse, poderia ter rendido o guerrilheiro, sem liquidá-lo.

Na sessão de 5 de dezembro de 2011, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça apresentou um "pedido oficial de desculpas" à família de Marighella. "Em nome do Estado brasileiro", lamentou pelos "erros cometidos no passado", ao persegui-lo e matá-lo.

Mais vedades sobre Marighella, sobre a ALN e sobre outros grupos e especialmente sobre o terrorismo praticado pelo Estado brasileiro deverão vir a tona, especialmente, a parti de 15 de maio de 2014, quando a atual Comissão da Verdade, deverá divulgar o seu relatório.


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