"O que se leva dessa vida é a vida que a gente leva". Essa é apenas mais uma das frases bem humoradas de Fernando Apparício de Brinkerhoff Torelly, mais conhecido como O Barão de Itararé. Ele não nasceu barão, título que se auto-outorgou, em 1930, com direito a estudo genealógico e brasão nobiliárquico. O título que o enobreceu, lhe foi concedido por Getúlio Dor Neles Vargas e é uma alusão à maior batalha da América do Sul, que não houve, a batalha de Itararé.
A ficha do livro: FIGUEIREDO, Cláudio. Entre sem bater - A vida de Apparício Torelly - o Barão de Itararé. Rio de janeiro: Casa da Palavra. 2012. 479 páginas. 54,90 reais.
A ficha do livro: FIGUEIREDO, Cláudio. Entre sem bater - A vida de Apparício Torelly - o Barão de Itararé. Rio de janeiro: Casa da Palavra. 2012. 479 páginas. 54,90 reais.
Só por este pequeno parágrafo dá para ter uma noção do espírito que orientou a vida deste que, possivelmente, inaugurou o humor, a ironia e a sátira na imprensa brasileira. Pela época vivida, foi uma bela maneira de enfrentar a própria vida.
Apparício Torelly ou Apporelly, como costumava assinar e, mais tarde, Barão de Itararé, nasceu na cidade de Rio Grande (ou teria sido no Uruguai?), no dia 29 de janeiro de 1895. O sobrenome do pai denuncia a sua origem italiana. Já a sua mãe tinha por parte do pai ascendência norte americana e da mãe receberia sangue índio uruguaio. De si próprio ele dizia: sou uma autêntica Liga das Nações.
O primeiro grande marco de sua vida foi o seu internamento no Colégio Nossa Senhora da Conceição de São Leopoldo, um colégio de elite, dirigido por padres jesuítas. Os seus professores eram padres alemães, suíços e austríacos. Rigor e disciplina eram as palavras de ordem nesse colégio. Já fora um aluno com destaque nestes seus primeiros anos de estudo. A formação sólida desses anos o acompanhou por toda a sua vida. Do rigor passou para a boemia de Porto Alegre. Cursou a Faculdade de Medicina, praticamente sem frequentar as aulas, mas obtendo sempre a aprovação nas disciplinas. Não chegou a se formar. Na medicina encontrou uma formação científica que também o acompanhou ao longo de toda a vida.
A sua marca maior, a do humor, da sátira e da ironia lhe veio junto com a política, com uma marca bem gaúcha. Os eternos entreveros da política rio grandense. Jamais abandonaria o lenço vermelho dos maragatos. Com os maragatos se iniciou na rebeldia. O positivismo de Júlio de Castilhos e de Borges de Medeiros receberam as suas primeiras ironias. Desde os tempos de Porto Alegre, foi sempre um militante. Nos jornais de Porto Alegre encontrou seus primeiros locais de trabalho, passando também por Pelotas, Bagé e São Gabriel.
Por diversos motivos, o clima em Porto Alegre se tornou hostil e ele foi procurar outros destinos no Rio de Janeiro. A década de 20 fora praticamente consumida na capital gaúcha. Já as de 30 e 40 foram dedicadas ao Rio de Janeiro. Os gaúchos o acompanharam para o Rio, ao menos Getúlio Vargas, que foi o seu grande tormento neste período. O seu sucesso no Rio é quase imediato. Trabalha no jornal A Manhã e numa pequena troça com esse nome funda um jornal que será a sua grande marca A MANHA.
O seu envolvimento político no Rio de Janeiro se dá no partido comunista, junto com quase todos os intelectuais da época. O inimigo maior a combater eram os integralistas e a ditadura de Vargas, que começava a se desenhar. É muito interessante observar como os integralistas agiam em consonância com o que acontecia na Europa. O seu anti comunismo e anti semitismo era o mesmo de Mussolini e de Hitler. Os dissabores em função de sua opção política lhe vem junto com a Intentona Comunista e a dura repressão que se seguiu a este movimento. Vive um bom tempo na cadeia, junto com Graciliano Ramos, Agildo Barata e Apolônio de Carvalho, entre outros. Com a censura e a repressão é impossível continuar com a sua A MANHA. É desse período o mote usado no título desse livro: Entre sem bater. Esse entre sem bater não é um recado para os seus amigos, mas sim, um recado para a polírcia. Para evidenciar a subserviência dos jornais da época sempre usava no seu jornal a expressão o nosso querido diretor, que no caso, era ele próprio.
Nesses tempos em que a atividade jornalística se torna impossível de ser exercida, ele se ocupa com a ciência. Se dedica aos estudos da aftosa, procurando-lhe as causas e uma vacina para a sua prevenção. Nisso se envolve, inclusive, comercialmente. Foi um grande fracasso. O controle sobre a febre aftosa seria para mais adiante.
Uma das coisas que ele jamais abdicou foi da sua crença na fé comunista e na sua absoluta fidelidade ao partido e aos princípios da Terceira Internacional. Não o abalaram o absurdo acordo firmado entre alemães e soviéticos no início da segunda guerra, nem as denúncias de Krushev no XX Congresso do PCUS, em 1956, dos crimes praticados por Stalin e nem as atitudes dúbias do líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes. Pelo contrário, as maiores alegrias desse período, lhe vem com as vitórias do Exército Vermelho sobre as forças nazistas. Os erros, considerava ele, eram apenas desvios de rota.
O seu envolvimento com os comunistas não é algo fortemente orgânico (método, organização, rigidez não combinam muito com humor e ironia) mas é o suficiente para lançar a candidatura de um barão à Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro. Foi o oitavo mais votado e o partidão fez a maior bancada, com 18 dos 50 vereadores, que compunha o seu total. De novo a sua atuação não foi muito orgânica. Algumas intervenções suas se tornaram clássicas como um aparte a um colega que lhe havia dito que o que Vossa Excelência fala entra por um ouvido e sai pelo outro, ao que ele prontamente reagiu: Impossível, excelência: o som não se propaga no vácuo.
Um outro episódio na sua passagem pela Câmara também se tornou famoso. Um solitário vereador da banda integralista discursava virulentamente contra o Partido Comunista, por este sustentar o princípio da luta de classes. A ele o Barão reagiu: Vossa Excelência permite um aparte? O Partido Comunista não tem culpa da luta de classes: apenas Karl Marx a descobriu. É tão ridículo acusar os comunistas pela luta de classes quanto acusar Galileu pelos movimentos da Terra em torno do Sol.
O livro ainda narra uma incursão do barão por terras paulistanas, com a criação de O Almanaque, ao mesmo tempo em que relança e procura dar regularidade ao seu A MANHA. Mas a década de cinquenta já não terá o mesmo brilho de suas três décadas em que fora simplesmente genial: as décadas de vinte, trinta e quarenta. Com os anos cinquenta, não porque faltasse o que ironizar, o barão entra em declínio, especialmente por razões pessoais. Nestes momentos sempre recorre ao mundo da ciência e já mais ao final, também ao esoterismo. Os seus últimos anos de vida lhe serão anos de convivência quase impossíveis devido às suas excentricidades, razão pela qual também é pouco perturbado pela ditadura militar.
Uma de suas últimas ações foi visitar a China, a convite daquele país. É o período em que está totalmente envolvido com a ciência. As cenas beiram a bizarrice. Mas, em sua volta, o Brasil recebe uma comissão chinesa para o estreitamento de relações entre os dois países, iniciadas por Jango, quando ainda vice presidente. O interessante é que nesse período ocorre o golpe dos militares e os chineses são presos como perigosos espiões e que vieram para assassinar Carlos Lacerda e os generais golpístas. Cada barbaridade!
Apparício Torelly, Apporelly ou então o Barão de Itararé, morreu no Rio de Janeiro em 27 de novembro de 1971, aos 76 anos de idade, dos quais, como ele costumava dizer, alguns deveriam ser descontados, como aqueles em que fora recolhido às prisões do Estado, aqueles em que fora sistematicamente reprovado nas provas de anatomia descritiva em Porto Alegre e, no mínimo, mais uns três, em que ficou correndo atrás de moças bonitas.
Uma foto do nosso querido diretor, o barão de Itararé.
Entre sem bater - a vida de Apparício Torelly - o Barão de Itararé é uma bela biografia. O biografado deu ao seu autor, o jornalista Cláudio Figueiredo, uma matéria prima de primeira qualidade para ser lapidada. Esse trabalho foi feitocom raro brilhantismo. Senti a falta de um capítulo, no entanto. Seria um sobre as influências que o Barão deixou para a posteridade no humor brasileiro, pois pelo que consta, ele marcou escola.
O primeiro grande marco de sua vida foi o seu internamento no Colégio Nossa Senhora da Conceição de São Leopoldo, um colégio de elite, dirigido por padres jesuítas. Os seus professores eram padres alemães, suíços e austríacos. Rigor e disciplina eram as palavras de ordem nesse colégio. Já fora um aluno com destaque nestes seus primeiros anos de estudo. A formação sólida desses anos o acompanhou por toda a sua vida. Do rigor passou para a boemia de Porto Alegre. Cursou a Faculdade de Medicina, praticamente sem frequentar as aulas, mas obtendo sempre a aprovação nas disciplinas. Não chegou a se formar. Na medicina encontrou uma formação científica que também o acompanhou ao longo de toda a vida.
A sua marca maior, a do humor, da sátira e da ironia lhe veio junto com a política, com uma marca bem gaúcha. Os eternos entreveros da política rio grandense. Jamais abandonaria o lenço vermelho dos maragatos. Com os maragatos se iniciou na rebeldia. O positivismo de Júlio de Castilhos e de Borges de Medeiros receberam as suas primeiras ironias. Desde os tempos de Porto Alegre, foi sempre um militante. Nos jornais de Porto Alegre encontrou seus primeiros locais de trabalho, passando também por Pelotas, Bagé e São Gabriel.
Por diversos motivos, o clima em Porto Alegre se tornou hostil e ele foi procurar outros destinos no Rio de Janeiro. A década de 20 fora praticamente consumida na capital gaúcha. Já as de 30 e 40 foram dedicadas ao Rio de Janeiro. Os gaúchos o acompanharam para o Rio, ao menos Getúlio Vargas, que foi o seu grande tormento neste período. O seu sucesso no Rio é quase imediato. Trabalha no jornal A Manhã e numa pequena troça com esse nome funda um jornal que será a sua grande marca A MANHA.
O seu envolvimento político no Rio de Janeiro se dá no partido comunista, junto com quase todos os intelectuais da época. O inimigo maior a combater eram os integralistas e a ditadura de Vargas, que começava a se desenhar. É muito interessante observar como os integralistas agiam em consonância com o que acontecia na Europa. O seu anti comunismo e anti semitismo era o mesmo de Mussolini e de Hitler. Os dissabores em função de sua opção política lhe vem junto com a Intentona Comunista e a dura repressão que se seguiu a este movimento. Vive um bom tempo na cadeia, junto com Graciliano Ramos, Agildo Barata e Apolônio de Carvalho, entre outros. Com a censura e a repressão é impossível continuar com a sua A MANHA. É desse período o mote usado no título desse livro: Entre sem bater. Esse entre sem bater não é um recado para os seus amigos, mas sim, um recado para a polírcia. Para evidenciar a subserviência dos jornais da época sempre usava no seu jornal a expressão o nosso querido diretor, que no caso, era ele próprio.
Nesses tempos em que a atividade jornalística se torna impossível de ser exercida, ele se ocupa com a ciência. Se dedica aos estudos da aftosa, procurando-lhe as causas e uma vacina para a sua prevenção. Nisso se envolve, inclusive, comercialmente. Foi um grande fracasso. O controle sobre a febre aftosa seria para mais adiante.
Uma das coisas que ele jamais abdicou foi da sua crença na fé comunista e na sua absoluta fidelidade ao partido e aos princípios da Terceira Internacional. Não o abalaram o absurdo acordo firmado entre alemães e soviéticos no início da segunda guerra, nem as denúncias de Krushev no XX Congresso do PCUS, em 1956, dos crimes praticados por Stalin e nem as atitudes dúbias do líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes. Pelo contrário, as maiores alegrias desse período, lhe vem com as vitórias do Exército Vermelho sobre as forças nazistas. Os erros, considerava ele, eram apenas desvios de rota.
O seu envolvimento com os comunistas não é algo fortemente orgânico (método, organização, rigidez não combinam muito com humor e ironia) mas é o suficiente para lançar a candidatura de um barão à Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro. Foi o oitavo mais votado e o partidão fez a maior bancada, com 18 dos 50 vereadores, que compunha o seu total. De novo a sua atuação não foi muito orgânica. Algumas intervenções suas se tornaram clássicas como um aparte a um colega que lhe havia dito que o que Vossa Excelência fala entra por um ouvido e sai pelo outro, ao que ele prontamente reagiu: Impossível, excelência: o som não se propaga no vácuo.
Um outro episódio na sua passagem pela Câmara também se tornou famoso. Um solitário vereador da banda integralista discursava virulentamente contra o Partido Comunista, por este sustentar o princípio da luta de classes. A ele o Barão reagiu: Vossa Excelência permite um aparte? O Partido Comunista não tem culpa da luta de classes: apenas Karl Marx a descobriu. É tão ridículo acusar os comunistas pela luta de classes quanto acusar Galileu pelos movimentos da Terra em torno do Sol.
O livro ainda narra uma incursão do barão por terras paulistanas, com a criação de O Almanaque, ao mesmo tempo em que relança e procura dar regularidade ao seu A MANHA. Mas a década de cinquenta já não terá o mesmo brilho de suas três décadas em que fora simplesmente genial: as décadas de vinte, trinta e quarenta. Com os anos cinquenta, não porque faltasse o que ironizar, o barão entra em declínio, especialmente por razões pessoais. Nestes momentos sempre recorre ao mundo da ciência e já mais ao final, também ao esoterismo. Os seus últimos anos de vida lhe serão anos de convivência quase impossíveis devido às suas excentricidades, razão pela qual também é pouco perturbado pela ditadura militar.
Uma de suas últimas ações foi visitar a China, a convite daquele país. É o período em que está totalmente envolvido com a ciência. As cenas beiram a bizarrice. Mas, em sua volta, o Brasil recebe uma comissão chinesa para o estreitamento de relações entre os dois países, iniciadas por Jango, quando ainda vice presidente. O interessante é que nesse período ocorre o golpe dos militares e os chineses são presos como perigosos espiões e que vieram para assassinar Carlos Lacerda e os generais golpístas. Cada barbaridade!
Apparício Torelly, Apporelly ou então o Barão de Itararé, morreu no Rio de Janeiro em 27 de novembro de 1971, aos 76 anos de idade, dos quais, como ele costumava dizer, alguns deveriam ser descontados, como aqueles em que fora recolhido às prisões do Estado, aqueles em que fora sistematicamente reprovado nas provas de anatomia descritiva em Porto Alegre e, no mínimo, mais uns três, em que ficou correndo atrás de moças bonitas.
Uma foto do nosso querido diretor, o barão de Itararé.
Entre sem bater - a vida de Apparício Torelly - o Barão de Itararé é uma bela biografia. O biografado deu ao seu autor, o jornalista Cláudio Figueiredo, uma matéria prima de primeira qualidade para ser lapidada. Esse trabalho foi feitocom raro brilhantismo. Senti a falta de um capítulo, no entanto. Seria um sobre as influências que o Barão deixou para a posteridade no humor brasileiro, pois pelo que consta, ele marcou escola.
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