Confessar-se fã de Chico Buarque
de Holanda deveria ser algo absolutamente desnecessário, pela qualidade de sua
arte e pelo ser humano extraordinário que ele é. O seu conhecimento é
imensurável. Mas, se nem todos o reconhecem, o motivo é a direta
proporcionalidade que parte da sociedade dedica ao ódio ao conhecimento e,
especialmente, ao que ele proporciona. Um ser humano refinado, bem posicionado
e bem constituído.
Chico faz parte da minha vida, da
minha formação, assim como da de inúmeros brasileiros. Um ser sempre presente
nos momentos decisivos de nossa história, sejam estes positivos, ou,
especialmente nos negativos, como foi nos tempos da repressão da ditadura
militar. Dele tenho discos em vinil, CDs e DVDs, acompanhando assim a sua
trajetória, como também a da tecnologia. Tenho também quase toda a sua produção
literária. Tenho um especial cuidado com 12 DVDs da série CHICO BUARQUE
ESPECIAL, uma produção da TV Bandeirantes.
Depois da minha laicização, Chico
integra a minha refeita lista de santos, estando no topo desta minha hagiografia.
A leitura da crônica de outro santo da minha lista, Luís Fernando Veríssimo, me
fez ver a programação do cinema da semana e lá estava anunciado: CHICO –
ARTISTA BRASILEIRO. Na primeira sessão em que o filme estava anunciado, lá
estava eu presente a assisti-lo.
A crônica de Veríssimo levava por
título A Cordilheira. A cordilheira é
uma imagem usada por Vinícius de Moraes, quando este, em uma gravação usada no
filme, compara a música popular brasileira a uma paisagem com muitos morros e
poucas montanhas e confere a Chico a elogiosa referência de ser ele uma destas
montanhas. Mas a razão maior de ter escolhido a cordilheira, como título da sua crônica, está no pedido final que
faz a Miguel Faria Júnior, o seu diretor, “Queremos a cordilheira inteira”.
Antes deste pedido ele aventou para um possível defeito do filme: “A única
crítica que pode ser feita ao filme é que alguns pontos altos da cordilheira
não aparecem (O samba do grande amor, por exemplo). Seria um consolo saber que
elas ficaram para CHICO – ARTISTA
BRASILEIRO – parte 2”. É possível elogio maior?
O filme constitui-se, obviamente,
de músicas e de depoimentos, de Chico e de muitos de seus amigos. Muitas
músicas foram especialmente gravadas para o filme e outras foram buscadas nos
arquivos de antigas e históricas gravações. Da mesma forma também ocorreu com
os depoimentos. Chico está extraordinário nestes depoimentos. Poucas vezes
tinha visto tanto sobre particulares de sua vida. O que mais me aproximara
destas particularidades está contido em seu livro O irmão alemão, história que ele também conta no filme. Tom Jobim,
lhe fazendo elogios no filme, e falando de suas virtudes, detalhe que também não
passou despercebido a Veríssimo, diz simplesmente, “Chico é tudo, tem até irmão
alemão”.
Impressionou-me muito na leitura
de O irmão alemão, a relação de Chico
com o seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda. Ele era um historiador,
um intelectual inatingível em sua biblioteca de trabalho. Para agradá-lo, Chico lia
romances em francês, inclusive os russos, para só depois chegar aos
brasileiros. É dessa ampla relação de livros lidos, de idiomas falados, do
conhecimento que tem da música, que lhe vem o elogio de Tom Jobim: “Chico é
tudo”.
Os depoimentos são uma narrativa
de sua vida. O sucesso com os festivais, a repressão da ditadura militar, o
exílio na Itália e o sentir-se artista profissional com a necessidade de ganhar
dinheiro, de sua criação artística, de suas amizades, de suas incursões na literatura,
campo que diz prezar mais do que a própria música. Os depoimentos só terminam
com a revelação de seus projetos futuros, que serão poucos afirma, pelo pouco
tempo de vida que lhe resta. Mesmo assim fez projetos até a década de 2030.
Chico é septuagenário.
As músicas são um encanto. Na
abertura é ele que canta, junto com um coro. A música é Sinhá. Veríssimo diz que foi um início arrebatador, mas viria a
seguir, uma das coisas mais bem feitas no Brasil. A música Sabiá, interpretada por Carminho, uma cantora portuguesa. Quando
Veríssimo manifesta o seu entusiasmo por Sabiá, ele
assim se expressa: “Eu acho Sabiá,
música do Tom, letra do Chico, uma das coisas mais bonitas feitas no Brasil em
todos os tempos – “coisas”, aí incluindo nossa melhor literatura, nossa melhor
pintura, as Bachianas do Villa-Lobos
e a Patrícia Pilar”. Que bela confissão, Veríssimo!
Gostei muito da cena em que
aparece Maria Bethânia cantando Olhos nos
Olhos e contando de uma conversa que tinha tido com Mãe Menininha, depois de lhe ter cantado esta
música. Mãe Menininha lhe teria perguntado sobre a autoria da música e, não quis
acreditar que ela tivesse sido composta por um homem, pois os homens, segundo
ela, teriam um vão no coração, incapazes, portanto, de tantos belos
sentimentos. As interpretações são maravilhosas, como as de Adriana Calcanhoto,
Péricles, Moisés Marques, além das interpretações clássicas e consagradas dos
festivais.
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