Estou numa fase de autores
autobiográficos. Depois de ler várias obras de Lima Barreto, estou agora
fazendo uma releitura de Amor de Perdição,
de Camilo Castelo Branco. Para não perder o costume vamos situar o autor e
a obra. O escritor nasceu em 1825 e se suicidou em 1890. O livro foi escrito
em 1861. A morte por suicídio é apenas um sintoma da vida atribulada que ele levou.
O exemplar que eu li é da Biblioteca FOLHA, que tem um belo estudo
introdutório, escrito por Antônio Houaiss. Ele mais comenta o autor do que a
obra, que se confundem. Vejamos duas passagens em que ele fala diretamente do autor.
Da Biblioteca Folha. Amor de Perdição.
Vejamos a primeira: “...É que dificilmente se encontra uma
biografia mais desgraçada e mais comprazida na própria desgraça que a de Camilo
– no sentido de que parece que nenhum escritor se debruçou tanto sobre o
cotidiano de suas próprias desgraças vividas para delas derivar, quase
experimentalmente, sua própria obra, quanto Camilo”. E a outra: “...Disparou contra si mesmo o tiro de revólver
com que cortou uma das mais atribuladas vidas que se possa imaginar. Atribulado
e, em função dessas tribulações, das mais fecundas, literalmente, de que se tem
notícia em língua portuguesa”. Logo depois explica essas tribulações.
“Vida que, por tão atribulada,
foi certo a fonte, a matéria prima, o exemplário de quase todas as situações –
frequentíssimas, aliás – de sofrimento, angústia, desespero, miséria, malogro,
queda, dor, pranto, perda, mágoa, ressentimento, impecúnia, indigência que
perpassam por suas novelas, prevalecendo, quantitativa e qualitativamente, a
todos as polares. Raros – e quando raros, fugazes, rápidos, como que apenas
referidos – os momentos de alegria, de felicidade, de placidez, de repouso
físico ou espiritual, de grata resignação, momentos esses, assim mesmo, apenas
trânsito para os outros, os carregados pelos diversos matizes do sofrimento”.
Como vemos, todos belos componentes para uma obra romântica.
Amor de Perdição é meio um romance trágico, do tipo Romeu e Julieta,
só que com mais ingredientes. Não termina em suicídio, pois, os personagens,
Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, tem um domínio sobre a morte, escolhendo
o momento propício para ela, simultaneamente. Escolhem o momento da fuga da
alma do corpo, quando este não mais suporta o dilaceramento provocado pelo
sofrimento. Ocorre ainda uma terceira morte, esta sim por suicídio. O de
Mariana, a jovem filha do ferrador, que não mais queria ver o sofrimento do
jovem casal. Mariana nutria por Simão um amor platônico, no sentido popular
deste termo.
O final da história já vem
contado na introdução, na primeira página do livro. Ali se lê: Folheando os
livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeias da Relação do Porto,
li, na entrada dos presos desde 1803 a 1805, a folhas 232, o seguinte: Simão
Antônio Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante na
Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião
de sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José
Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco: estatura
ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelos e barba preta, vestido com
jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês. E fiz
este assento, que assinei – Filipe Moreira Dias. A margem esquerda deste
assento está escrito: Foi para a Índia em 17 de março de 1807.
Vamos a alguns detalhes. O
romance se passa na primeira década do século XIX, quando chegam a Portugal
ventos da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas. Também os tempos eram
de atribulações. Simão é um menino de apenas dezoito anos e que recebeu uma
condenação de degredo na Índia. Os pais têm vários sobrenomes que demonstram a
origem nobre da família. Eram pessoas poderosas.
O motivo da condenação foi “amou,
perdeu-se, e morreu amando”. Isso também pode ser lido, ainda na primeira
página. O grande amor pelo qual o jovem se perdeu foi o da vizinha Tereza de
Albuquerque, outra família da nobreza portuguesa. As famílias, tal qual, como na
história de Shakespeare, não se toleravam. Preferiam ver os filhos mortos, que
misturarem o sangue das famílias. Eram também bem jovenzinhos. Teresa estava
prometida em casamento, pelo pai, para um primo seu, de nome Baltazar Coutinho.
Já sabemos que Simão era
estudante em Coimbra. Lá teve alguns problemas, mas se emendou completamente
depois de enamorar-se com Teresa. O namoro era por correspondência. Os pais dos
jovens disputavam quem era o mais arrogante e intolerante. Mas a menina sempre
pagava o pato. Foi levada ao convento. Um dos pontos altos da descrição do
romance. Quando ia ser transferida para um convento, ainda mais rigoroso, no
Porto, ocorre o entrevero entre os dois pretendentes e o crime aludido no
início do romance acontece. Simão mata Baltazar Coutinho e nem sequer reage à prisão.
Antes ainda, o ferrador João da
Cruz entra na história. Este devia favores ao pai de Simão e passa a ser o seu
protetor. Num entrevero anterior, matara dois capangas de Baltazar e leva Simão
para a sua casa, pois fora ferido no entrevero. Aí é que Mariana entra na
história, se afeiçoando a Simão. Renuncia a sua própria vida para cuidar da de
Simão e ser o mediador entre ele e Teresa.
Primeiramente Simão fora
condenado à morte por enforcamento. É o único momento em que o pai intercede pela vida do filho, de maneira forçada e, consegue da justiça a comutação da pena de morte por
dez anos de degredo na Índia. Quando o navio com os degredados parte da cidade do Porto é que ocorrem os trágicos incidentes das mortes já
referidas, mas não sem antes ocorrerem cenas de profunda emoção e comoção.
Camilo Castelo Branco é um mestre na
escrita. Seguramente figura em qualquer lista que se faça dos grandes
escritores portugueses. Além disso nos dá uma bela descrição de época, de como
viviam as pessoas da fidalguia, que, em síntese poderíamos afirmar que viviam na direção oposta do entendimento, do respeito e da busca de destinos mais
felizes.
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