sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

LARANJA MECÂNICA. Anthony Burgess. 1962.

Antes do término de 2024, mais uma releitura. Nem me lembrava de sua leitura. Isso tem uma explicação: a força das imagens do filme de Stanley Kubrick, de 1972. Elas se sobrepuseram às imagens do livro, que teve a sua primeira publicação no ano de 1962. Estou falando de Laranja mecânica, de Anthony Burgess. Adquiri o livro em 2007 e chamo atenção para uma parte que eu sublinhei. Ela está na terceira parte do livro, em seu capítulo 4, quando alguém acode Alex, o jovem submetido às experiências de regeneração:

Laranja mecânica. Anthony Burgess. Aleph - editora. 2006.

"Eles transformaram você em alguma coisa que não um ser humano. Você não tem mais o poder de decisão. Você está comprometido com atos socialmente aceitáveis, uma maquininha capaz de fazer somente o bem. E vejo isso claramente: essa questão sobre os condicionamentos de marginais. Música e o ato sexual, literatura e arte, tudo agora deve ser uma fonte não de prazer, mas de dor". E, Alex, o narrador, continua: "Eles sempre vão longe demais - ele disse, secando um prato meio distraído. - Mas a intenção essencial é o verdadeiro pecado. Um homem que não pode escolher deixa de ser um homem". (Página 158). É o livro.

Anthony Burgess, o autor, fora sentenciado à morte pelos médicos. Teria ainda, no máximo, um ano de vida. Aí desembestou a escrever. A sentença não se cumpriu e ele pode retomar, com todo o cuidado, a escrita de Laranja mecânica. O livro é narrado por Alex, um jovem londrino envolvido na violência urbana da cidade, no início da década de 1960. Ele é o chefe de uma quadrilha muito violenta. A polícia reage com ainda maior violência e busca, por meio de experiências da ciência, soluções para o problema. É o Método Ludovico, que consta do uso de drogas e condicionamentos pavlovianos para a recuperação dos jovens das gangues. Eles sentiriam repugnância diante de atos violentos. E assim estariam curados, podendo retornar à sociedade.

O livro tem uma particularidade. Ele usa a linguagem Nadsat, a linguagem das gangues londrinas. Ao final do livro, tem até um pequeno dicionário, apresentando o significado das palavras empregadas. Para apresentar a essência do livro, recorro primeiramente à orelha da capa do livro, para depois apresentar a sua estrutura: "Alex é o líder de uma gangue futurista. Junto com os amigos adolescentes Georgie, Pete e Tosko, pratica assaltos, espancamentos e estupros livremente pelas ruas de uma Londres decadente, cujos habitantes têm medo de sair à noite e preferem se distrair com programas de televisão.

Um dia Alex vai longe demais e, involuntariamente, comete um assassinato. Preso, sua única chance de sair da reclusão é participar como cobaia de uma experiência de engenharia social desenvolvida para eliminar tendências criminosas. Uma experiência extremamente dolorosa e tão desumana quanto a ultraviolência que o próprio Alex costumava praticar.

Narrada pelo personagem principal, esta brilhante e perturbadora história cria uma sociedade futurista em que a violência atinge proporções gigantescas e provoca uma resposta igualmente agressiva de um governo capitalista, porém totalitário. O clássico de Anthony Burgess frequentemente nos choca ao explorar o verdadeiro significado da liberdade e o conflito entre o bem e o mal. A estranha linguagem utilizada por Alex - soberbamente engendrada pelo autor - empresta uma dimensão quase lírica ao texto e é, talvez, seu maior atrativo.

Ao lado de 1984, de George Orwell, e Adorável mundo novo, de Aldous Huxley, Laranja mecânica é um dos ícones literários da alienação pós-industrial que caracterizou o século XX. Adaptado com maestria ao cinema em 1972 por Stanley Kubrick, é uma obra marcante: depois de sua leitura, você jamais será o mesmo".

O livro é dividido em três partes. Cada uma tem sete capítulos. Isso tem uma razão. Vejamos Fábio Fernandes no prefácio: "Burgess construiu cuidadosamente essa estrutura de 21 capítulos porque, na cultura anglo-americana, a idade adulta só é plenamente atingida aos 21 anos, e Laranja mecânica, antes de tudo, é o que os alemães chamam de bildungsroman: um romance de formação. A trajetória de Alex da adolescência nada inocente até a maturidade e o início de uma possível compreensão das responsabilidades adultas só se completa efetivamente no vigésimo primeiro capítulo. A divisão de cada parte em sete capítulos é baseada no monólogo clássico de Shakespeare sobre as sete idades do homem na peça As You Like It". As sete idades são as seguintes: idade infante, escolar, amante, soldado, juiz, pantalão e a velhice.

Confesso que o último capítulo me deixou um tanto confuso: Como é possível que uma distopia termine em regeneração. Nele, Alex se encontra com Pete, um dos companheiros de quadrilha da adolescência, casado e com filhos. Passara dos 21 anos. Seria isso uma regeneração natural alcançada pela idade?

Mas vamos às três partes: Na primeira são narrados os atos violentos da gangue, assaltos e estupros, até o ato extremo de uma morte, que leva Alex ao sistema prisional. A segunda parte é dedicada à descrição dos métodos de cura, os condicionamentos psíquicos de horror à violência. E na parte final, Alex, devidamente condicionado é devolvido à sociedade, perfeitamente adaptado à ela. Todos procuram tirar proveito da situação, exaltando as virtudes do método ou fazendo a sua crítica. Devo dizer que, no mínimo, o livro é extremamente instigante. Um libelo contra o autoritarismo e contra o  behaviorismo e uma afirmação pela autoafirmação e autodeterminação do ser humano. A liberdade. Marcou época.

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