quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Os Demônios Descem do Norte. Délcio Moneiro de Lima.

Não consegui dados biográficos sobre Délcio Monteiro de Lima. O máximo que consegui, foi saber que ele é mineiro e que tem uma série de livros publicados como o Comportamento sexual do brasileiro (1976), Brasil: o retrato sem retoque (1978), Os senhores da direita (1980), Os homoeróticos (1983), e Os demônios descem do norte (1987), que acabo de ler. Pelo que vi, os seus últimos trabalhos são Os sobrinhos de Judas (1992), apresentado por Antônio Houaiss, o que sem dúvida nenhuma, muito o referencia e, ainda um outro livro, que também enfoca o tema religioso, Enquanto o diabo cochila, datado de 1990.
A edição de Os demônios descem do norte, da Francisco Alves.

Sobre Os demônios descem do norte, tenho que chamar primeiramente a atenção para a data de sua publicação, o ano de 1987. Portanto, ele tem os seus limites. Muita coisa aconteceu depois, especialmente, o surgimento de seitas genuinamente brasileiras, com destaque para a igreja universal do reino de Deus. O livro é grandioso e na orelha da contracapa tem uma nota da CNBB, relativa ao livro, assinada por Dom Sinésio Bohn, que muito referencia o livro. Quando Dom Sinésio era ainda apenas padre, ele esteve presente em minha formação, no seminário em Viamão.

O livro constitui-se num belo estudo sobre a presença das religiões e seitas que desceram do norte, isto é, que vieram dos Estados Unidos. De uma maneira geral elas tem em comum serem pentecostais, serem essencialmente conservadoras e cumprirem uma importante função estratégica na política da guerra fria, contribuindo com a sua pregação anti comunista, com a detenção do avanço comunista pela América Latina, onde ele encontrava fértil campo de expansão, em função da miséria social sempre presente e crescente. Muitas delas agiram em comum acordo com o Departamento de Estado dos Estados Unidos.

O livro está estruturado em cinco capítulos. No primeiro, Uma disputa de espaço, o autor mostra a eficiência organizacional destas igrejas, tomando como exemplo os adventistas do sétimo dia. Nem o obstáculo de não trabalharem aos sábados impediu o seu rápido crescimento no Brasil. Dedicam-se às áreas de educação e saúde e tem até marcas próprias de produtos seus como os da conhecida marca Superbom. São um dissidência da igreja batista. Barrar o comunismo e os avanços da teologia da libertação são a marca registrada de seu conservadorismo e puritanismo. O autor ainda mostra a reação católica ao avanço destas religiões. Um dos grandes valores do livro está em mostrar a origem histórica de todas estas religiões e seitas, tanto nos Estados Unidos, quanto no Brasil.

O segundo capítulo, A ideologia dos deuses, mostra a presença das religiões nos Estados Unidos, 2/3 de protestantes e 1/3 de católicos. Um país de protestantes tradicionais, fundadores de Harvard e Yale. Ao final do século XIX e, especialmente, no início do século XX surgem as chamadas igrejas ligadas ao pentecostalismo e, integrando uma forma americana de ser, unindo Deus, pátria, e família, marcada pelo extremo conservadorismo e sendo ancorados na infalibilidade da Bíblia, na crença da virgindade de Maria, na Ressurreição corporal e na segunda vinda de Jesus Cristo. Estas religiões e seitas assumem o lugar do protestantismo tradicional, que apresenta rápida queda no número de adeptos, convivendo também com o fenômeno das renovações e reformulações dentro do protestantismo histórico. Numa segunda parte do capítulo mostra a chegadas destas igrejas ao Brasil, onde antes havia uma boa convivência entre o catolicismo e o protestantismo tradicional. Promoviam ações de ecumenismo, que passaram a ser sistematicamente rejeitadas pelo pentecostalismo. Ainda é mostrada a fundamentação individualista destas religiões e seitas, e até a falsificação de textos bíblicos para assim obterem mais facilmente a docilidade indígena. Também a organização católica OPUS DEI ganha alguns comentários nada elogiosos.

O terceiro capítulo, Exorcizando fantasmas, é maravilhoso. Descreve uma por uma as principais organizações que aqui se estabeleceram, mostrando suas origens nos Estados Unidos e o seu estabelecimento no Brasil. Assim são examinadas a Assembleia de Deus, a igreja do Evangelho Quadrangular e a Congregação Cristã do Brasil. Nesta altura também entram na análise as primeiras igrejas brasileiras, surgidas já por dissidências dentro do pentecostalismo. As religiões dos cunhados, Manuel de Melo da Brasil para Cristo e de Davi Miranda, Deus é amor. Este é também o período do início da utilização dos meios eletrônicos na evangelização, bem como o do envolvimento na política partidária, visando barrar influências progressistas na Constituição de 1988. Também o Movimento de Renovação Carismática Católica entra na análise do autor. Elas atuam na mesma linha do protestantismo pentecostal.

O quarto capítulo, O original e o bizarro, é dedicado às seitas, isto é, para aquelas que não são reconhecidas como religiões cristãs, nem mesmo pelos protestantes tradicionais. Neste quadro entram os mórmons, as testemunhas de Jeová e a seita do reverendo Moon. É mostrado o enorme poder que aglutinam através da exacerbação de seu conservadorismo e anti comunismo, sendo que a seita do reverendo Moon teve íntimas relações com as ditaduras militares da América Latina, pela sua proximidade com a Ideologia da Segurança Nacional.

O quinto capítulo, Geopolítica da fé, mostra a visão mundial destas organizações que se unem na chamada União das Entidades Evangélicas, que atuam em setores de grande visibilidade, como guerras e tragédias, no esporte, com movimentos tipo atletas de Cristo, atuando, ainda, junto a populações indígenas. São constantemente acusadas de agir de acordo com entidades políticas dos Estados Unidos, cumprindo missões de espionagem de movimentos sociais e de vigilância sobre riquezas naturais estratégicas. Mais uma vez é ressaltada a importância da atuação estratégica dentro da doutrina geopolítica dos Estados Unidos. Atuam mais como organizações parareligiosas do que efetivamente como religiões. Desenraízam culturas e impõem o estilo americano de vida para as populações mais pobres e carentes do mundo. Todo o foco está voltado para se posicionar dentro do espírito da Guerra Fria, ocultando e se omitindo por completo quanto a questão desenvolvimento e subdesenvolvimento.

Em suma, um livro extraordinário com forte caráter de denúncia e, neste sentido, é um livro muito corajoso. É evidente que ele tem os limites do tempo. Muita coisa aconteceu neste campo depois de 1987, a data limite, quando o livro foi escrito. Citaria apenas como complemento o livro Trajetória das desigualdades - Como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos, um livro de 2015, que em seu capítulo 12 faz uma análise das transições religiosas no Brasil, analisando dados estatísticos do IBGE. Me chamou a atenção o dado de que em  estados como Rondônia e Rio de Janeiro a população evangélica já se constitui como maioria, tendo suplantado a população de católicos. Tudo isso é muito preocupante, especialmente, porque cada vez mais estão atuando politicamente.




10 comentários:

  1. Obrigado pela dica e por esclarecer sobre esse livro.

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  2. Agradeço o seu comentário, Luiz. É realmente um livro importante para compreender a nova fase do imperialismo. Tudo vem do norte.

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  3. Eu sou Rondonia e confirmo, os evangélicos criam reservas de mercado de trabalho para isolar os infieis, é terrorismo puro.

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  4. Mathaus, em primeiro lugar agradeço o seu comentário. Que triste constatação. O perigo do fundamentalismo religioso ronda o país.

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  5. boa informação vou ler. Incrível que foi neste ano que surgia as 1as correntes de extrema direita iniciada se não me engano na PUC Rio e UERJ. Eram textos com o mesmo teor do Olavismo/bolsonarismo, alguns em correntes impressas outros rolando na INTRANET

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    1. Carlos Ponti, agradeço o seu comentário. A que situação chegamos? A PUC/Rio sempre foi o ninho que abrigou, no Brasil, os Chicago Boys, a exemplo da Universidade católica do Chile. São fontes contaminadas, segundo uma visão humana da realidade social. E como é triste saber que o bolsonarismo - e tudo o que de perverso ele representa - é em grande parte sustentado por igrejas. Lamentável. O livro, ainda hoje, é um grande alerta.

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  6. Que excelente síntese! Com certeza, exercem enorme influência política! Pastores e MEC.

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    1. Muito obrigado meu amigo pela sua manifestação. Com certeza representam uma grande ameaça para a democracia brasileira.

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  7. É o interessante como o modus operandi dos norteamericanos é sempre o mesmo. Barrados na Rússia e na China, com seus aparelhos políticos a que chamam de igrejas, criaram condições para forçar uma guerra que pode destruir a humanidade! Terroristas!

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  8. Muito bem observado, Marys J@m. O imperialismo sempre alterna os seus métodos. A cruz e a espada são constantes, ou seja, forjar convicções e usar a violência. Agradeço a sua lúcida e indignada manifestação. Só o socialismo poderá vencer a barbárie.

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