quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Memórias de um sargento de milícias. Manuel Antônio de Almeida.

Depois de uma incursão na literatura universal, Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, marcou a minha volta à literatura brasileira. A edição lida é da Penguin & Companhia das Letras, com um belo prefácio de Ruy Castro. Ao final aparece ainda uma cronologia da vida e obra do autor.
Memórias de um sargento de milícias. Edição da Penguin&Companhias das Letras.

Manuel Antônio de Almeida teve uma vida muito curta, fato que o impediu de ter uma vasta obra literária. Creio que podemos afirmar, sem medo de errar, que o escritor escreveu por necessidade. Ele precisava de sustento material, depois de precoce orfandade. Sua iniciação se deu pelo jornalismo. Nasceu no Rio de Janeiro, em 1831 e morreu, por afogamento, em naufrágio numa viagem do Rio de Janeiro para a cidade de Campos, em 1861, com apenas 30 anos.

O livro foi escrito sob a forma de folhetim ao longo do ano de 1854 e, em livro, ainda em 1854 o seu primeiro volume e, no ano seguinte, o seu segundo volume. Apesar de forte apelo de que a edição estava se esgotando rapidamente, ela encalhou quase que por inteiro. Uma segunda edição apareceu apenas após a sua morte. Posteriormente foi juntada em um único volume. O autor foi um dos pioneiros tanto no jornalismo, quanto na literatura. Por sua mão é que Machado de Assis chegou ao jornalismo.

O que esperar de um escritor que escreve o seu romance aos 20 anos de idade? Faço esta pergunta não para lhe tirar os méritos mas, ao contrário, para afirmá-los. Manuel Antônio é um precursor, como veremos. Eu particularmente fiquei impressionado com a qualidade do narrador. Lembrando que a obra apareceu sob a forma de folhetim. Certamente é por isso que ela está dividida em pequenos capítulos, 48 no total. O narrador é um guia seguro que não te deixa em dúvida sobre as ações e intenções dos principais personagens.

Na época prevalecia a escola romântica, mas ele já é visto como um precursor do naturalismo, do romance de costumes, do romance de malandro. Leonardo, o sargento de milícias, é apontado como uma espécie de primeiro Macunaíma. Isso é falado com a autoridade qualificada de um Antônio Cândido. Ruy Castro aponta para o emprego pioneiro da palavra bossa. Isso mereceu destaque na contra capa da edição da Penguin & Companhia das Letras. "O menino tinha a bossa da desenvoltura, e isto, junto com as vontades que lhe fazia o padrinho, dava em resultado a mais refinada má-criação que se pode imaginar". Conseguiu enxergar também o pré Macunaíma, na citação?
Dados biográficos do escritor.
Na citação já encontramos dois dos principais personagens. O menino e o seu padrinho. Mas a história começa com o pai do menino, também Leonardo, Leonardo pataca ou ainda Leonardo patacão e com Maria da hortaliça. Eles se encontraram no navio que os trazia para o Rio de Janeiro, vindos de Portugal, e, em função de uma pisadela e um beliscão ao longo da viagem, nascerá o menino Leonardo, que se transformará no sargento de milícias da história. Isso "era no tempo do rei", a famosa primeira frase do romance. Esse dado nos ajuda a contextualizar o tempo e o espaço de seus personagens.

Maria não era muito afeita a questões de fidelidade e sentiu saudades de sua terra, voltando a ela. Leonardo fica entregue aos cuidados do padrinho, barbeiro por profissão, que muito se afeiçoa ao menino, que desde pequeno já carregava o demo no corpo. Essa era a opinião generalizada da vizinhança. Naquele tempo os barbeiros também eram cirurgiões, responsáveis pelas sangrias. Um entre parêntesis. O pai de Cervantes também fora cirurgião barbeiro. Numa viagem de navio o seu capitão morre após a aplicação de sangrias, mas não antes de lhe confiar o tesouro de moedas que consigo carregava.

Boa parte do livro está reservado às travessuras de Leonardo, que contava com a cumplicidade de seu padrinho, aquele que lhe deu a "má criação", e também de sua madrinha, que fizera o seu parto. Travessuras do pai, e depois também do filho, envolvem um outro personagem na história. Um personagem bem pitoresco do Rio de Janeiro imperial, o major Vidigal. Ele era a autoridade. Ele será o responsável pelos 'curativos' em Leonardo, mas que também será o seu grande protetor, em função de um outro acontecimento, em que entra na história uma tal de Maria Regalada.

Entre as travessuras do menino também figuravam os namoricos e as suas implicações. Ao final as histórias vão se fechando. Leonardo casará, em função de uma série de conveniências, com Luisinha, a sua primeira namorada, agora já viúva. Mas havia um impedimento. Leonardo se tornara um granadeiro da polícia, pela mão de Vidigal, mas a sua função como soldado na tropa de linha o impedia de casar. Nada que Vidigal, em função de reatamento amoroso antigo, com a tal da regalada, não conseguisse resolver. Assim, "podia ficar ele (Leonardo) sendo soldado e casar, dando baixa na tropa de linha, e passando-se no mesmo posto para as milícias". Eis o Sargento de milícias, cujas memórias são contadas neste belo livro.

Eita brasilzão! Mas isso "era no tempo do rei". Que venha Macunaíma, o heroi sem nenhum caráter.

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