quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Doidinho. José Lins do Rego.

Doidinho é o livro do meio de uma trilogia. O primeiro é Menino de Engenho (1932), o segundo é Doidinho (1933) e o último é Banguê (1934). O cenário do primeiro é o Engenho Santa Rita, no município de Pilar, na Paraíba. Nele é retratado o menino, dos quatro aos doze anos. Ou seria um auto retrato? No segundo é um internato, também na Paraíba, na cidade de Itabaina. Um ano basta para fazer a terrível descrição. Quanto a Banguê, ainda preciso lê-lo.
A bela edição da José Olympio. Doidinho.

Já no Menino de engenho é feito o anúncio de que o colégio era visto como um reformatório, "recorriam ao colégio como a uma casa de correção" (pag.137). Pois bem, é neste colégio que Carlinhos, o neto de seu Zé Paulino, chega com a idade de doze anos. Ali ele fica por dois semestres, o segundo deles incompleto. O intervalo entre eles foi marcado pelas festas de junho, em especial a de São Pedro, festa que coincidia com o aniversário do poderoso avô.
 
Fiquei bastante curioso sobre este colégio de Itabaina, por ser de um proprietário privado. O livro, como já registramos, foi escrito em 1933 e na época os colégios particulares eram praticamente todos confessionais, pertencentes às diversas ordens religiosas. O senhor Maciel era o diretor, ajudado por sua esposa e pelo sogro. Além disso um militar comandava os ensaios para os desfiles cívicos. Ao final do livro existe uma dica sobre o número de alunos. Numa solenidade, da qual Carlinhos fora excluído, marchavam setenta alunos. Havia alunos internos e externos. Entre os externos havia meninas, também fato raro. Os colégios não eram mistos.

O colégio tinha fama pelo rigor da sua disciplina. Seu Maciel aplicava bolos para os meninos que não sabiam as lições, até os braços cansarem. O seu método era o terror. Carlinhos levou muitos, uns pelo motivo de não saber as lições e, outros tantos, sem motivo nenhum. Os pais, de maneira geral, buscavam o colégio por este motivo da força da disciplina. Poucos o contestavam. Carlinhos detestava o colégio.

Quem leu Menino de engenho sabe que Carlinhos era um menino solitário. Muito cedo ficou órfão da mãe e o pai foi para o sanatório, onde morre. A sua morte, inclusive, é contada em Doidinho. Fora criado pelo avô. O menino pouco sabia de carinho e afeto. No colégio progride rapidamente, mas é nota zero em adestramento para desfiles militares.  Vive pensando em fuga para Santa Rita em seus momentos de abandono. Se relaciona com dificuldade com os colegas, exceto o Coruja, um menino pobre com quem se dá bem, até ele ser nomeado decurião, uma espécie de bedel. A função era a de entregar os colegas em suas aprontadas. Coruja passou a estudar de graça, graças a delação dos colegas. Carlinhos não se conformava. Como podem observar, já na época havia a tal da delação premiada.

O educandário/reformatório chamava-se Colégio Nossa Senhora do Carmo. Ao longo dos 36 capítulos vão aparecendo os diferentes problemas que podem ocorrer num internato. Quem neles estudou, conhece perfeitamente estes problemas: a infância, a adolescência, a perda da inocência, os temas tabus como o sexo e o homossexualismo. Também a não adaptação, a violência e a revolta são vividos por Carlinhos e seus colegas. Outros temas presentes no livro e na vida de Carlinhos foram as questões da lealdade, amizade, traição e intriga.

Quero ainda fazer alguns destaques. O primeiro aparece no capítulo oito. As aulas de catequese e as dúvidas entre a fé e a razão. Decorar era a regra. "E neste jogo de palavras, de confusões, lá iam nos ensinando a doutrina cristã. Davam-se as lições de religião no mesmo jeito com que no engenho ensinavam aos papagaios". Este é um capítulo magistral.

Outro destaque que aponto está no capítulo vinte e dois. Se Carlinhos via a miséria no engenho como um fenômeno natural, agora na escola começava a tomar consciência do problema. "Os livros começavam a me ensinar a ter pena dos pobres".

Outra questão muita bonita é abordada no capítulo vinte e nove. A novidade do cinema na cidade. Eu sempre defendi a ideia de que o professor deve ser uma espécie de agitador cultural. Ele sempre deve ter, em suas aulas, a presença de questões culturais. "A verdade, porém, era que o cinema nos educava, mostrava-nos cidades da Europa, terras coloridas da Itália. Lá estava Florença, a terra do pequeno escrevente florentino. O Arco do Triunfo de Napoleão em Paris. Roma com igrejas grandes. Gênova, donde Marcos saíra para a sua viagem". O maior entusiasmo, porém, ficava por conta das bondades de Jean Valjean de Os miseráveis.

Em suma, um romance de formação. Como aprecio enormemente o gênero, o anotei na minha lista. O romance sempre é citado em paralelo com O Ateneu, paralelo traçado pelo próprio autor ao final de Menino de engenho. O livro de Raul Pompeia foi escrito em 1888 e o Ateneu era um colégio particular do Rio de Janeiro e reflete a situação de um menino profundamente atribulado. O livro e mais precisamente a trilogia, mostra o período da decadência dos engenhos que cedem o seu espaço para as modernas usinas. Em 1938 Graciliano Ramos indicou Doidinho como um dos dez melhores romances da literatura brasileira.


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