segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

3. A ditadura derrotada. O sacerdote e o feiticeiro. Elio Gaspari.

Santo Deus! Quanta encrenca. Creio que o tema deste terceiro volume foi a razão de ser dos cinco volumes publicados. Na apresentação do primeiro, Elio Gaspari nos conta de sua pretensão de escrever sobre Geisel e Golbery, sobre o sacerdote e o feiticeiro. O tema seria sobre o envolvimento deles com a "Revolução", em 1964 até a articulação para uma saída honrosa do golpe, a partir do governo em que foram os protagonistas. Tinham a clara percepção de que um golpe militar não se sustentaria por um longo tempo. Tal é a rede de intrigas, do fogo amigo, da chamada "anarquia militar". Deixo o link dos livros anteriores:http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/1-ditadura-envergonhada-as-ilusoes.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/a-ditadura-escancarada-as-ilusoes.html


A ditadura derrotada - O sacerdote e o feiticeiro. Elio Gaspari. Intrínseca. 2014.É o terceiro dos cinco volumes.

O terceiro volume, da coleção de cinco, dos livros de Gaspari, tem por título A ditadura derrotada - O sacerdote e o feiticeiro. O sacerdote seria uma referência a Geisel e o feiticeiro a Golbery. Na explicação que antecede os capítulos, o livro é apresentado em sua centralidade e delimitação: uma saída para a ditadura, que se agravara com o AI-5, os encontros de Geisel com Golbery, os seus desentendimentos com Costa e Silva, a indicação de Geisel para a presidência e a sua condução à frente do poder, em seu primeiro ano de governo. O volume termina com a grave crise política, com a perda das eleições em 1974 e com a crise militar, liderada pela turma da repressão, com a prisão da professora Maria da Conceição Tavares, sem o conhecimento da mais alta hierarquia militar.

O livro está dividido em quatro partes: Parte I: O sacerdote e o feiticeiro, sendo que cada um tem uma espécie de sub parte; Parte II. O caminho de volta, também dividido em duas partes: a costura e o poder; Parte III. No Planalto; Parte IV. A derrota. O livro também é longo, são 544 páginas. Mais uma vez tem dois blocos de fotografias históricas, a apresentação de uma nomenclatura militar, de uma cronologia, das fontes, crédito das imagens e agradecimentos.

A parte A, da parte I., com o título Geisel, o sacerdote, tem seis capítulos, a saber: 1. Moita, é o alemão. São contados os bastidores da indicação de Geisel na sucessão de Médici, além da apresentação de dados biográficos seus; 2. Uma dor que não acaba. Relata a morte do filho num acidente em linha de trem, em Quitaúna, região de Osasco, além de novos dados de sua biografia; 3. O perigo vermelho Mostra a continuidade da sua trajetória militar, com destaque para a eleição e a renúncia de Jânio Quadros. Mostra ainda o cenário da política internacional, com a Bipolaridade e a Guerra Fria, bem como o seu inconformismo com a intelectualidade toda ela pendendo para o lado comunista, como Picasso e Charles Chaplin e os brasileiros, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Drummond, Vinícius... Geisel defende o monopólio estatal da Petrobras, empresa da qual será presidente; 4. Um general da (i)legalidade. É relatada a crise política após a renúncia de Jânio e a posse de Jango, sob o regime parlamentarista. Os irmãos Geisel queriam o bombardeio do Palácio do Piratini, onde Brizola comandava a Rede da Legalidade. 5. 1964. Mostra a sua  atuação em relação ao golpe de 1964, do qual foi conspirador e defensor de seu aprofundamento. 6. O pijama togado. Volta à ativa quando já era considerado "fósforo riscado". Atua com dureza , como ministro do STM.

A parte B, da Parte I, com o título Golbery, o feiticeiro, tem cinco capítulos. 1. Criptocomunista. Trata-se de uma mini biografia, mostrando as suas origens na cidade de Rio Grande, a sua biblioteca de dez mil volumes e a sua aproximação com o marxismo-leninismo. Era uma leitor voraz. Mostra ainda o seu ingresso no exército; 2. O escriba. Com a Guerra Fria e a Bipolaridade ele muda de lado e se torna um dos idealizadores do 'festival de redundâncias", que foi a ESG. Parte para os estudos de geopolítica e se familiariza com termos como guerra global e permanente. Torna-se o intelectual do exército e o writher de seus principais manifestos; 3. Pés de veludo. É uma referência à sua forma de atuação discreta e sempre imperceptível. Isso o leva ao Serviço Nacional de Informações; 4. O paliteiro do IPÊS. Ele agrega e direciona o empresariado brasileiro para o anticomunismo, com a criação do IPÊS. Segundo Gaspari, os empresários estavam lá e o dinheiro era abundante. Também havia financiamento dos USA. Todos vinham comigo "palitar os dentes". 5. No Palácio. Isso ocorre pela terceira vez, agora com Geisel.

A parte II, O caminho de volta, foi para mim, a parte mais interessante do livro. Ela também se divide em duas partes: Parte A - A costura (a preparação para assumir o governo) e parte B - O poder (o seu primeiro ano no exercício do poder). A parte A tem cinco capítulos: 1. O peso do irmão. Orlando Geisel foi decisivo na sua indicação junto ao presidente Médici. Também o cacifava o seu posto na presidência da Petrobras; 2. A turma da Candelária. Uma referência ao local do escritório onde se reuniam, nas proximidades da famosa igreja. Aí se reunia a turma da "linha dura", que defendia o uso da repressão contra o "terror". Neste local começaram os preparativos para o governo. 3. Um voto, o voto. Eram três as pessoas decisivas no processo sucessório: os irmão Geisel e Médici, mas o decisivo era o Orlando; 4. Primeiras encrencas. São quase trinta páginas primorosas. Geisel teria que aprender a transigir para não ser deposto. Ele temia o fracasso de seu governo. O principal obstáculo era o fogo amigo, vindo das forças armadas. Este capítulo merece um post especial. É uma lição de política, de governabilidade, mesmo em tempos de pleno poder, sob o instrumento do AI-5, do qual ele não abriu mão; 5. A grande encrenca. Ela veio da conjuntura externa e afetou a economia. O estouro dos preços do petróleo.

A parte B, da parte II, sob o título O poder, tem três capítulos: 1. A equipe. Mostra o delicado processo da formação do ministério, que pretendia ser de notáveis; 2. Jogo de fichas. Mostra as duas surpresas na formação de seu ministério: a de Armando Falcão na Justiça e de Azeredo da Silveira, nas Relações Exteriores. Seriam os ministros indigestos. Tinha dois grandes problemas a lhe esperar: as liberdades individuais e a relação com a Igreja progressista; 3. "Esse troço de matar". É expressiva a frase de seu ministro do exército, Dale Coutinho: "Começou a melhorar quando começamos a matar". Uma sinalização clara de que a censura e a repressão continuariam. A abertura seria lenta.

A parte III, No Planalto, tem sete capítulos e tem, como um título geral, a seguinte afirmação: O regime é implacável. 1. A escolha essencial. Essa escolha é uma referência a João Batista Figueiredo; 2. Um mundo difícil. Trata-se de uma bela análise de conjuntura do panorama internacional (crise do petróleo, os problemas de Nixon e um panorama dos vizinhos latino americanos); 3. A costura da púrpura. A púrpura remete à relação com a Igreja, cada dia mais complicada São quatro descendentes de alemães em campos opostos: Os irmãos Geisel no governo e os primos Lorscheider na CNBB; 4. O porão intocado. Em outras palavras, a repressão (censura e tortura) continuam. O inimigo da vez é o Partidão. Surge também uma outra voz, no meio intelectual, o CEBRAP. Geisel é ameaçado pelo "porão"; 5. Interlúdio pessoal. Dois temas são abordados: a relação familiar e os próximos ao poder, ou seja, Geisel, Golbery, Heitor F. Aquino (a quem são devidos cadernos e mais cadernos de anotações) e a espécie de relação, quase filial, com Humberto Barreto; 6. O regime é implacável. Após o vencimento de dez anos das primeiras cassações Geisel age praticamente sozinho nas principais indicações para o governo, como também o afastamento de pessoas indesejáveis, como a de Delfim Netto, no governo de São Paulo; 7. O pé no acelerador. Entram em cena os petrodólares e o endividamento externo para dar continuidade ao processo de crescimento econômico. Entra em cena também o segundo PND, uma peça publicitária, de ficção, que não precisaria ser cumprida.

A parte IV, A derrota, é breve. Tem apenas dois capítulos: 1. "É isso e pronto". A censura e a repressão continuam correndo soltas. Há a proibição de abordar a crise de meningite em São Paulo e o deputado baiano, Chico Pinto é preso, por seis meses, por haver criticado o ditador chileno, Pinochet.; 2. A autonomia sepultada. À acachapante derrota eleitoral de 1974 se somam as insubordinações nos quarteis. Maria Conceição Tavares é presa sem haver comunicação às instâncias superiores do governo. Em suma, o povo está insatisfeito e essa insatisfação também está presente nos quarteis. Geisel está diante de uma encruzilhada. Terá que tomar atitudes perante a situação. O volume IV, nos aguarda.

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