De uma forma ou de outra, creio que entendo o essencial do que foi o golpe militar/civil de 1964. Me afastei de um dos focos centrais, quando em 1968, eu me formava em filosofia no famoso Seminário Maior de Viamão, na Grande Porto Alegre. Já em 1969 eu me encontrava na distante Umuarama, longe de qualquer foco de agitação, ou, nem tanto. Vide José Dirceu em Cruzeiro do Oeste. Sempre acompanhei os fatos, pela via dos principais livros sobre o tema, pelos jornais e revistas da época.
O meu primeiro contato mais sistemático com o tema foi ao final dos anos 1990, quando na PUC de São Paulo, li a famosa trilogia, escrita por Maria Celina D'Araujo, Gláucio Ary Dillon Soares e Celso Castro, A memória militar sobre 1964 - Visões do golpe; A memória militar sobre a repressão - Os anos de chumbo e A memória militar sobre a abertura - A volta aos quarteis. Uma obra extraordinária. Em 2014, acompanhei de perto a literatura sobre o tema por ocasião dos cinquenta anos dessa triste história. Há muito queria ver Elio Gaspari.
1. A ditadura envergonhada - As ilusões armadas. É o primeiro dos cinco volumes.
Agora, numa promoção, comprei os cinco volumes e comecei a leitura. Apresento os cinco volumes que, inicialmente, era para ser apenas um ensaio, em torno de cem páginas, sobre os envolvimentos de Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, tanto com o golpe, quanto com a abertura. O artigo tinha até título: O sacerdote (Geisel) e o feiticeiro (Golbery). Os cinco livros tem os seguintes títulos: 1. A ditadura envergonhada. As ilusões armadas; 2. A ditadura escancarada. As ilusões armadas; 3. A ditadura derrotada. O sacerdote e o feiticeiro; 4. A ditadura encurralada. O sacerdote e o feiticeiro e 5. A ditadura acabada. O primeiro volume já está lido.
O título do primeiro volume é bem sugestivo. A ditadura envergonhada - As ilusões do golpe. Uma vergonha com relação ao golpe, pela forma atabalhoada de como ele se deu, bem como, os passos seguintes que foram dados. O golpe ocorreu muito mais em função de uma anarquia militar do que efetivamente uma ordem militar, com a finalidade de restaurar a "ordem democrática" no país. Sempre a "missão salvacionista"! A ordem constitucional de 1946 sobrevivera aos trancos e barrancos. Getúlio, a posse de JK, a renúncia de Jânio Quadros, o Parlamentarismo e a derrubada de Jango. O golpe sempre pairara no ar.
O livro, depois de uma apresentação da segunda edição, de uma nota explicativa da mesma e de uma introdução, vai para o seu cerne ou para as suas três partes, a saber: Parte um - A queda. Parte dois - A violência e Parte três - A construção. O livro termina com um apêndice em que é apresentada uma nomenclatura militar, uma cronologia, fontes, créditos das imagens e agradecimentos.
A primeira - A queda - tem dois capítulos: 1. O exército dormiu janguista e 2. O exército acordou revolucionário. Os fatos são bastante conhecidos. Existe muita literatura a respeito. Creio que o termo revolucionário deveria ser substituído pelo de golpista. Nesses dois capítulos é feita uma análise do governo Jango e suas contradições, que serviram de pretexto para o primeiro de abril de 1964, a partir das insurreições de Juiz de Fora.
A segunda parte - A violência - tem quatro capítulos: 1. O mito do fragor da hora; 2. Nasce o SNI; 3. Pelas barbas de Fidel; 4. A roda de Aquarius. No primeiro são examinadas as incertezas dos primeiros momentos, a anarquia militar, promovida pela "linha dura", que tenta desestabilizar o governo Castello Branco e a instalação dessa linha dura no governo, sob Costa e Silva. No segundo capítulo são mostradas todas as articulações da criação do poderoso instrumento pelo qual passaram os principais nomes da ditadura, qual seja, o Serviço Nacional de Informações, um verdadeiro "monstro", segundo os seus próprios criadores. No terceiro são mostradas as influências de Fidel, na inspiração das contraofensivas ao golpe e as sua intervenções nas ações dos movimentos insurrecionais. No capítulo 4 são apresentados os panoramas mundial e brasileiro, marcados por grandes transformações, com a produção de uma nova visão de mundo. Um capítulo bem significativo. O que me chamou muito a atenção neste capítulo foi o fato de que as forças contrárias ao golpe, que optaram pela luta armada, saíram quase todas dos quadros militares. Vide o exemplo de Marighella.
Na terceira parte, temos oito capítulos: 1. A esquerda se arma; 2. A direita se arma; 3. Costa e Silva: chega o barítono; 4. Y el cielo se encuentra nublado; 5. A provocação da anarquia; 6. A missa negra; 7 O fogo do foco urbano; 8. O exército aprende a torturar. Nesta parte são trilhados os caminhos do governo Costa e Silva até o 13 de dezembro de 1968, quando se celebrou a "Missa Negra" do AI-5. O foco está nas rebeliões estudantis, na opção da esquerda pela luta armada, pelos principais grupos dessas esquerdas e a reação das forças militares e a opção pelos caminhos da violência, da tortura e da formação dos esquadrões da morte. São os anos de chumbo. Esses atos terminaram com a absoluta falta de pudor, com a instituição do AI-5, um ato de ditadura escancarada, marcado por dez anos de vigência e com o mais terrível de seus instrumentos: o fim do habeas corpus. Tenho o seu registro na íntegra:
Deixo ainda o depoimento de Heloísa Buarque de Holanda, sobre o livro em sua contracapa: "Como num plot detetivesco, Elio persegue os caminhos e pistas de como foi armado o golpe de 1964 e de como, 21 anos mais tarde, foi desmontada a ditadura. A presença de Geisel e Golbery nas duas situações faz deles o centro do enredo tramado com talento indiscutível. A partir daí, começam a se abrir para o leitor várias senhas para o entendimento da lógica estrutural das políticas militares, das nuances do metabolismo que move corporações fechadas e, enfim, a voz, por tanto tempo silenciada, dos gestores da ditadura".
O livro tem também dois belos blocos de fotografias. Fotografias de valor histórico. E vamos para o segundo volume. A Ditadura escancarada - as ilusões armadas. O país sob a vigência do AI-5.
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