sábado, 27 de fevereiro de 2021

A República das milícias. Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. Bruno Paes Manso.

Normalmente quando converso com o deputado Tadeu Veneri, trocamos ideias sobre livros que estamos lendo. Desta vez não foi diferente. Eu falava para ele do livro do Rubens Casara, Bolsonaro - o mito e o sintoma e ele me falou de A República das milícias - dos esquadrões da morte à era Bolsonaro, de Bruno Paes Manso. Já conhecia o autor por outro livro seu, sobre a formação e ascensão do PCC, A Guerra - A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil, escrito em parceria com Camila Nunes Dias. Deixo o link dos dois livros. Primeiro o de A Guerra - http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/06/a-guerra-ascensao-do-pcc-e-o-mundo-do.html e em segundo, o fantástico livro do Rubens Casara. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2021/02/bolsonaro-o-mito-e-o-sintoma-rubens.html. Na troca de leituras nunca se tem a perder.

A República das milícias. Bruno Paes Manso. todavia. 2020.

O livro de Bruno Paes Manso, jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da violência da USP, é estarrecedor. Poucas vezes o título e o subtítulo de um livro conseguem expressar tão bem a síntese de uma obra: A República das milícias - dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. Na contracapa do livro temos dois depoimentos imperdíveis, junto com a recomendação de Fernanda Torres, de que a leitura do livro se constitui numa obrigação. Os depoimentos são de Luiz Eduardo Soares, autor de Meu casaco de general e de Paulo Lins, autor de A Cidade de Deus. Começamos com o ex-Secretário de Segurança do Rio de Janeiro:

"Esta obra rouba a inocência à boa consciência nacional. Ninguém mais poderá dizer que não sabia. A história da Nova República (após a Constituição de 1988) terá de ser contada de outro modo depois deste livro". Uma verdade. Já o autor de A Cidade de Deus, um dos palcos do livro de Manso, nos diz: "Com uma pesquisa primorosa, Bruno Paes Manso nos revela como o crime organizado chegou aos Poderes Legislativo e Executivo, tornando o Brasil um dos países mais violentos do mundo". Nada mais do que uma triste verdade.

Voltamos ao título e subtítulo, por outras palavras: Como as milícias, representadas por Bolsonaro, chegaram ao Poder. Uma longa história de violência. Tudo começou na ditadura militar, com a ala extremada das Forças Armadas, inconformada com a abertura política. A justificativa era a caça aos comunistas, para eles verdadeiros terroristas. Contra eles, toda a violência se justificaria. Violência, tortura e mortes seriam justificadas em nome da manutenção da ordem. Isso fez surgir os chamados esquadrões da morte, que rapidamente migraram para flagrar outros inimigos, que não os comunistas, mas todos os que perturbavam a ordem das "pessoas de bem". O livro se desenvolve, numa sequência lógica irretocável, ao longo de oito capítulos e uma conclusão, divididos entre as 302 páginas do livro. Eis os capítulos:

1. Apenas um miliciano; 2. Os elos entre o passado e o futuro; 3. As origens em Rio das Pedras e na Liga da Justiça; 4. Fuzis, polícia e bicho; 5. Facções e a guerras dos tronos; 6. Marielle e Marcelo; 7. As milícias 5G e o novo inimigo em Comum; 8. Cruz, Ustra, Olavo e a ascensão do capitão - e a conclusão sob o nome de Ubantu, a filosofia que inspirou Nelson Mandela e o bispo Desmond Tutu.

O primeiro capítulo é marcado por uma entrevista com um miliciano, que expõe toda a filosofia que inspira estes grupos de contravenção em nome da manutenção da ordem, da justificativa da violência para impor a ordem. Fala do nascimento das milícias, com a junção de alas ressentidas do exército com as bandas podres das polícias militares, de suas alianças no combate ao Comando Vermelho.  Também mostra as formas de arrecadação que dão sustentação à organização. Fala também da intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro. O segundo capítulo é dedicado à formação das milícias na cidade do Rio de Janeiro, a partir da expansão da cidade para Jacarepaguá e Cidade de Deus. Mostra ainda os principais envolvidos, dando destaque para o clã familiar de Bolsonaro. A comoção pela morte de Tim Lopes cria um clima favorável à existência dos justiceiros.

No terceiro capítulo entra em cena a organização da entidade em torno de Rio das Pedras e da Liga da Justiça, como os embriões e cernes da organização. Mostra as formas da organização, da arrecadação e da sua "aliança" com o povo para lhe oferecer proteção. Invasão de áreas, transporte clandestino, construção de lajes, gatonet, venda de gás, achaques e subornos são as principais formas de arrecadação. Tudo em nome da autodefesa das comunidades, contra o poder dos traficantes. No quarto capítulo é mostrada a sua constituição com a união de militares ressentidos com os policiais da banda podre e o jogo do bicho e também com os traficantes não pertencentes ao Comando Vermelho. O pesado mercado de armas também entra em cena. É nesse tempo que nasce o bordão "Bandido bom é bandido morto", nem que seja morto por outro bandido.

No quinto capítulo são mostradas as principais organizações criminosas, como o Comando Vermelho, a ADA e o Terceiro Comando. Ao contrário de São Paulo, onde o PCC se tornou hegemônico no mundo do crime, no Rio de Janeiro nenhuma organização conseguiu se impor. Em meio a essas disputas surge a organização das milícias em aliança com os demais grupos, mais o jogo do bicho,. Todos contra o Comando Vermelho, o que é mostrado no sétimo capítulo. Nesse sétimo capítulo também são mostrados os traficantes evangélicos e os 'Bondes de Jesus', uma verdadeira e inimaginável história de horrores. Também é mostrada a relação com os governadores e as suas políticas de Segurança Pública. Voltando um pouco, o sexto capítulo é dedicado a Marielle e Marcelo, e por extensão, ao PSOL e Marcelo Freixo, em particular. Este sexto capítulo termina com as eleições de 2018 e a ascensão de Bolsonaro, Witzel, Flávio e, o hoje em evidência, Daniel Silveira.

O oitavo capítulo, creio que foi o motivo maior do comentário de Luiz Eduardo Soares, de que ninguém mais poderia se confessar inocente. São devassadas as vidas do entorno de Jair Bolsonaro, as bases de sua formação e o seu sujo e antidemocrático projeto político. No seu entorno estão o general Newton Cruz, Brilhante Ustra, Olavo de Carvalho e o general Mourão, uma síntese de Ustra e Olavo. Bem pior do que se imagina. 

De Ubantu tomo uma frase, entre as mais significativas: "Bolsonaro venceu a eleição em 2018 porque parte dos brasileiros foi seduzida pela ideia da violência redentora. Diante da crise econômica e da descrença na política, os eleitores escolheram um justiceiro para governá-los. Como se o país decidisse abandonar suas instituições democráticas para se tornar uma enorme Rio das Pedras gerida por princípios milicianos.

Sem dúvida, há espaço para aprender e amadurecer depois do surto bolsonarista. A tristeza e a depressão chegaram porque o Brasil prometido pela Nova República não aconteceu. Bolsonaro foi o sintoma dessa desesperança". Que sintoma! O momento final do livro é uma homenagem a Marielle: 'Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe'? "Bolsonaro veio com a proposta de acirrar a guerra. O surto que levou os eleitores a optar por essa via já faz parte da história brasileira, mas, se tudo der certo, será passageiro. Permanece a mensagem deixada por Marielle, a apontar o único caminho possível".

Concluo com a convocação de Fernanda Torres: "A República das milícias é leitura obrigatória" e a citação de uma frase de Leonardo Boff: "Se os pobres deste país soubessem o que estão preparando para eles, não haveria rua onde coubesse tanta gente para protestar". Este livro faz saber o que estão preparando.


 

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