quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Raízes do conservadorismo brasileiro. Juremir Machado da Silva.

Em novembro de 2020, o coletivo de formação da APP-Independente, em conjunto com o NESEF, da UFPR., deram início a mais um trabalho de formação. Dessa vez o curso se destinaria à formação de lideranças para a atividade sindical. O professor Gaudêncio Frigotto fez a palestra de abertura. O tema trabalhado foi "Estado, educação e sindicalismo no contexto da regressão social". Em sua fala, Frigotto fez uma série de recomendações de leitura e isso me fez retomar uma série delas. Já li e resenhei Octávio Ianni, Guido Mantega e o padre Joseph Comblin.

Entre as indicações, me chamou particular atenção a indicação de Raízes do conservadorismo brasileiro - A abolição na imprensa e no imaginário social, de Juremir Machado da Silva. Conhecia o autor pela sua biografia de Jango e pelas suas participações nos programas da Rádio Guaíba e artigos no Correio do Povo. Vi, agora, que ele não está mais na Rádio Guaíba, mas que continua no Correio do Povo. Depois que esses órgãos da imprensa gaúcha passaram a ser controlados pelo Edir Macedo, eu deixei de acompanhá-los. Vi também que ele é professor na PUC/RS, nos programas de pós-graduação nos cursos de Comunicação Social. É formado em História e em jornalismo pela mesma instituição. É mestre e doutor pela Sorbonne, tendo trabalhado sob a orientação do professor Edgar Morin.

Raízes do conservadorismo brasileiro. Juremir Machado da Silva. Civilização brasileira. 2018.


Na capa do livro, encontramos uma imagem que está no Instituto Moreira Salles - "Negra com criança nas costas", Bahia,c. 1870. Registro isso, para dizer que o tema central do livro é a escravidão, ou como lemos no subtítulo, mais precisamente a abolição. É um mergulho no antes, no fato em si da abolição e também um pouco no seu período posterior. Daí o belo título Raízes do conservadorismo brasileiro. Foram quatro anos de pesquisa, 38 capítulos, divididos entre as 446 páginas do livro. 

Ao longo da obra o autor examina essencialmente os discursos parlamentares e os artigos da imprensa que foram proferidos e escritos na época da abolição, começando pelas leis que a antecederam e que basicamente tinham o interesse em protelá-la. Foi um trabalho árduo. Entre os parlamentares o grande destaque - a favor da abolição - foram os discursos de Rui Barbosa e de Joaquim Nabuco. Já entre os contrários, vou me ater a três nomes, o escritor José de Alencar, o paulista Senador Paulino de Souza e o barão de Cotegipe. Nas atividades de imprensa o destaque vai para três personagens negros: Luiz Gama, André Rebouças e José do Patrocínio.

Perpassa todo o livro o desmonte do argumento principal em favor da escravidão, que é a defesa do "inviolável" direito de propriedade. Todos os protelamentos se basearam nessa argumentação. E, em seu nome, ainda lutaram até as últimas forças, pelo direito de indenização pelo Estado. Neste ato não foram bem sucedidos. O argumento em favor da abolição sempre foi o de que não pode haver "mercadorias humanas". Os horrores do tráfico e da escravidão estão bem presentes e ganha também destaque a atuação das forças institucionais como o exército e o Poder Judiciário a favor da manutenção de tão nefasto e imoral privilégio. Esse contexto todo merece muito a leitura do livro. É uma entrada nos meandros jurídicos.

Também a literatura ganha um capítulo, com atenção especial para Machado de Assis, José Lins do Rego e Josué Montello. É, como lemos no subtítulo, A abolição na imprensa e no imaginário social. Para uma melhor visão da obra, destaco um parágrafo da orelha do livro: "Ciente de que a liberdade não foi uma concessão, mas uma árdua conquista das pessoas negras, o autor demonstra como a estrutura do capitalismo comercial escravista se traduziu - e ressoa ainda hoje - numa intrincada legislação, elaborada para atender a determinados interesses, e num imaginário cultural e ideológico, edificado para justificar a manutenção de privilégios - mesmo que isso implicasse, na época, a desumanização e a coisificação das pessoas".

Para dar uma melhor ideia em torno do livro, dou o nome dos capítulos, embora eles sejam muitos: 1.  Manchetes da segunda feira, 14 de maio de 1888; 2. Parasitas pedem medidas contra a 'vagabundagem'; 3. Lei áurea - 'Inconstitucional, antieconômica e desumana'; 4. Como a cria de qualquer animal e cotas de negros para brancos; 5. Sofismas escravistas de José de Alencar, o escritor e político que votou contra o Ventre Livre; 6. O antiescravismo precoce de José Bonifácio, o velho; 7. A abolição na Câmara dos Deputados e no Senado: a vontade política contra as manobras regimentais; 8. A doença do imperador refém da imprensa; 9. Seis dias inesquecíveis em maio de 1888; 10. Seis senadores votaram contra a abolição.

11. Lenta, gradual e infame; 12. A retórica fulminante de Joaquim Nabuco; 13. Lenda da criação do preto; 14. O emancipacionismo temeroso de Perdigão Malheiro; 15. O grito de guerra de Rui Barbosa; 16. leis antiescravistas que nunca 'pegaram', projetos de abolição e africanos livres que não eram livres; 17. Direito à infâmia; 18.Não se nascia livre pela lei do ventre Livre; 19. Não se ficava livre aos 60 anos pela Lei dos sexagenários; 20. Lutas no campo jornalístico; 21. Jornais abolicionistas e jornais na abolição; 22. A hipótese radical: por que os escravos não mataram todos os seus donos; 23. Senhores e feitores assassinos, um crime exemplar.

24.Os caifazes de Antônio Bento; 25. Heróis negros da abolição (Luiz Gama, André Rebouças e José do Patrocínio); 26. Matar um senhor de escravos é sempre legítima defesa; 27. Províncias abolicionistas e tráfico interprovincial; 28. Tráfico na bolsa de valores; 29. Abolição, imigração e racismo; 30.Abolição com ou sem negros? 31. O 13 de maio na ficção ou como ficção; 32. Escravizar como missão sagrada e alforria para morrer pela pátria; 33. Commodities humanas e marfim; 34. A cerimônia da sanção da Lei Áurea; 35. Festa nas ruas; 36. Holocausto negro: raízes do racismo e do conservadorismo brasileiros; 37. O ponto de virada. 38. O papel de dom Pedro II na abolição. Acompanha ainda uma rica relação bibliográfica.

Do capítulo 36, escolhi uma frase que bem sintetiza o título do livro As raízes do conservadorismo: "Depois da explosão da alegria do dia 13 de maio de 1888, o pior aconteceu. A imprensa voltou a ser dominada pelo conservadorismo com horror das massas. O racismo espalhou-se com um novo impulso. A justiça retomou sua função ideológica tradicional e sua tarefa rasteira de punir as camadas menos favorecidas economicamente da população sem lhes conceder o benefício do desespero. Um setor do exército, no entanto, cumpriria, nos anos 1920, com o chamado tenentismo, um papel revolucionário, ajudando a abrir caminho para a ruptura institucional de 1930. Em 1932, porém, parte dessa força rebelde se enfileiraria com os 'saudosos do antigo regime', sob a cobertura de uma pretensa reconstitucionalização do país. Os revoltosos de 1932 gerariam os golpistas de 1964. A incorporação dos excluídos - os descendentes dos escravos transplantados de terras africanas - seria postergada a cada governo". pp. 418-9.

E o que dizer do Golpe de 2016? Sempre a presença dos mesmos, do golpe que sempre paira no ar. Sem dúvida, a leitura desse livro (Civilização Brasileira, 2018) é um ato de grandeza política.

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