Estes
temas em debate são o desmembramento de um trabalho acadêmico que
apresentei na PUC/SP, no mestrado em Educação - História e Filosofia da
Educação, em 1998. Depois o artigo foi publicado no Caderno Pedagógico
da APP-Sindicato, nº 2, em março de 1999. São cinco temas, a saber: I. O
liberalismo: uma contextualização e afirmação de princípios; II. A
social democracia; III. O neoliberalismo; IV. As políticas educacionais
do neoliberalismo; V. O neoliberalismo e o futuro da democracia e as considerações finais. O tema de hoje é o neoliberalismo. Mantenho as
frases em epígrafe.
O NEOLIBERALISMO
O mercado produz desigualdade tão naturalmente como os combustíveis fósseis produzem a poluição do ar. Eric Hobsbawn.
Hegel
observa em uma de suas obras que todos os fatos e passagens de grande
importância na história do mundo, ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E
esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda
como farsa. Marx (18 Brumário).
O primeiro capítulo do livro de Hayek O Caminho da Servidão, se intitula: "O Caminho abandonado". Já Friedman, na introdução do seu Capitalismo e Liberdade, lamenta as distorções sofridas pelo termo liberalismo ao longo da história, alertando que sempre que usar o termo está se referindo ao seu significado original, como as doutrinas que dizem respeito ao homem livre.
1944. Inglaterra. O fundamento dos princípios do neoliberalismo.
1944. Inglaterra. O fundamento dos princípios do neoliberalismo.
Com efeito, estes dois teóricos do neoliberalismo, não nos apresentam um novo liberalismo, com inovações, como o nome poderia sugerir, mas sim, uma retomada dos princípios do liberalismo clássico, como o conceberam os seus teóricos, de uma sociedade livre, estruturada a partir dos princípios do mercado, em que os indivíduos agem, expressando a sua liberdade, sob a dinâmica do princípio da competição, tal como acontecia nos séculos XVIII e XIX.
Os teóricos do neoliberalismo têm unidade e organicidade a partir da formação da Mont Pèlerin Society. Este nome deriva do encontro convocado por Hayek, e que reuniu nomes como Friedman, Karl Popper, Von Mises, entre outros, em Mont Pèlerin, na Suíça, em 1947. A unidade e organicidade do grupo e de suas ideias seria garantida com a realização de reuniões internacionais a cada dois anos.
O seu ponto de partida está na publicação do livro de Hayek O Caminho da Servidão, na Inglaterra, em 1944. Já no prefácio ele indica, não só o seu alvo de ataque direto, o nazi-fascismo alemão, mas também o seu alvo indireto e preferido, que é o socialismo, ou todas as tendências interferidoras na liberdade, contidas no socialismo. Aponta para estas tendências como as responsáveis pela implantação do nazi-fascismo na Alemanha. Faz ainda admoestações no sentido de que, se a Inglaterra continuasse trilhando caminhos socializantes, também rumaria para o regime fascista. O alvo agora era o partido trabalhista inglês.
Esta introdução nos aponta o campo das ideias pelas quais Hayek irá trabalhar. Mas isto ficará mais claro na leitura do "Caminho Abandonado". Nele alega que o caminho do progresso europeu, aberto nos séculos XVIII e XIX, fora interrompido. Atribui todo o progresso que houve no campo das ciências e da tecnologia, ao exercício das liberdades individuais e ao livre uso dos conhecimentos. A liberdade libera o gênio humano que existe em cada indivíduo, movido pelo natural direito à ambição. Foi na Inglaterra, assinala, que se permitiu a liberação do uso das forças espontâneas e que este reino se irradiou pela Europa até a década de de 1870, quando então começa o retrocesso, com as ideias de substituir as forças espontâneas da sociedade, por ideias de organização e de planejamento, retiradas do socialismo. Vemos assim um profundo lamento pelo abandono do caminho, que terá que ser retomado, caso se queira um mundo de homens livres. Afirma ainda, que estes princípios são hoje tão verdadeiros, quanto o foram nos séculos XVIII e XIX.
Outro referencial fundamental é Milton Friedman com o livro Capitalismo e Liberdade, originariamente escrito em 1962 e praticamente reescrito trinta anos depois, sob o título Liberdade de escolher. O livro inicia por um reforço em condicionar as liberdades econômicas, afirmando que qualquer limitação a esta, refletiria também sobre aquela. Em consequência, só haverá liberdade política sob os princípios do capitalismo competitivo. Friedman dedica também um capítulo ao papel do governo numa sociedade livre, que já determinara quando subordinava a liberdade política à liberdade econômica. Ao Estado atribui praticamente a função única que é a de impor as regras do jogo, entendendo-se por regras do jogo, as do mercado. Quanto mais problemas, afirma, estiverem sob o âmbito das ações espontâneas do mercado, menos se precisará recorrer à coerção.
Atribui ao Estado as funções de legislador e árbitro, de agir frente aos monopólios técnicos e seus efeitos (existem monopólios técnicos necessários, que sempre devem ser privados) e, como as ações livres só se dão entre pessoas responsáveis, é lícito ao Estado desenvolver ações com relação às crianças e aos insanos.
O capítulo de Friedman sobre educação trataremos em separado. O livro também contém um capítulo sobre a pobreza, em que afirma que ela será tratada da melhor forma, se for delegada à esfera da caridade privada. Quando o Estado se dedica à pobreza ele passa a inibir as iniciativas desta caridade. Neste mesmo capítulo, como contrapartida à pobreza, apresenta o programa de renda mínima. Termina o capítulo afirmando a incompatibilidade entre ser liberal e lutar pela igualdade, se esta tiver que ser atingida por medidas interferidoras no mercado.
Voltemos à história. Perry Anderson, no livro Pós neoliberalismo - As políticas sociais e o Estado democrático (organizado por Emir Sader e Pablo Gentili Paz e Terra, 1995), nos faz um balanço deste movimento, apresentando também os seus princípios. Como já vimos, o ataque de Haiek era frontal ao nazi-fascismo alemão, mas o seu alvo preferido era o socialismo, e via princípios deste em toda a ação interferidora do Estado na economia, atingindo também a social democracia e as políticas do New Deal americano.
Críticas e alternativas ao neoliberalismo.
Já vimos também que o período de ouro da social democracia ocorreu entre 1948 e 1973, período em que poucos davam ouvidos aos integrantes do grupo de Mont Pèlerin que, no entanto, com persistência, se reuniam, procurando manter as suas ideias, aguardando um momento mais favorável, para que elas se expressassem como receituário político. Este momento apareceu em 1973, com a crise generalizada que se abate sobre o mundo, tendo como consequência uma longa e profunda recessão, combinando baixo crescimento econômico com elevadas taxas de inflação.
Era o que o neoliberalismo precisava para se afirmar. Os neoliberais consideravam que o Estado social democrata conferia muitos poderes aos sindicatos, que as medidas distributivas e a política fiscal corroeram as bases de acumulação, impedindo assim novos investimentos, ao mesmo tempo em que o Estado continuava aumentando os seus gastos, gerando inflação. As alternativas que apresentavam seriam a recomposição das taxas de lucro para permitir a acumulação e conter os gastos do Estado com o bem-estar. Para que estes objetivos fossem alcançados, duas medidas seriam de fundamental importância. Criar elevadas taxas de desemprego e promover a estabilidade monetária. As altas taxas de desemprego enfraqueceriam o poder reivindicatório dos sindicatos e a estabilidade monetária reduziria as ações de bem-estar do Estado. Outras medidas, como uma reforma tributária que desonerasse o capital, complementariam as ações neoliberais.
No final da década de 1970 e início da de 1980, políticos se confessavam adeptos destas teorias, como Tatcher, Reagan e Khol, ganham eleições. No decorrer da década de 1980, o neoliberalismo se afirma em outros países europeus e, na passagem da década de 1980 para 1990, transforma as suas verdades em dogmas universais com a queda dos símbolos do socialismo, como o muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética. Na década de 1990 ele chega à América Latina, mesmo que aqui a social democracia nunca houvesse chegado.
O neoliberalismo se propõe como alternativa única a todos os modelos que se estabeleceram ao longo do século XX, com forte presença do Estado, como o socialismo, a social democracia e o nosso modelo de substituição de importações. A derrocada do socialismo teria ocorrido pela estagnação; a social democracia, pela sua crise fiscal e o modelo de substituição de importações, pelo endividamento externo.
A sua mais recente formatação se assenta nos princípios da desestatização - desnacionalização, da desregulamentação- desconstitucionalização e da desuniversalização-desproteção, no que se refere aos direitos da cidadania. Perry Anderson conclui o seu balanço afirmando que, economicamente o neoliberalismo fracassou, pois não houve nenhuma revitalização econômica sob seus princípios; socialmente - se pretendeu aumentar o número de desigualdades - foi um sucesso; mas aponta para o campo ideológico o seu maior êxito, infundindo a crença de que não existem alternativas e que é preciso a adaptação de todos, aos seus princípios.
O seu ponto de partida está na publicação do livro de Hayek O Caminho da Servidão, na Inglaterra, em 1944. Já no prefácio ele indica, não só o seu alvo de ataque direto, o nazi-fascismo alemão, mas também o seu alvo indireto e preferido, que é o socialismo, ou todas as tendências interferidoras na liberdade, contidas no socialismo. Aponta para estas tendências como as responsáveis pela implantação do nazi-fascismo na Alemanha. Faz ainda admoestações no sentido de que, se a Inglaterra continuasse trilhando caminhos socializantes, também rumaria para o regime fascista. O alvo agora era o partido trabalhista inglês.
Esta introdução nos aponta o campo das ideias pelas quais Hayek irá trabalhar. Mas isto ficará mais claro na leitura do "Caminho Abandonado". Nele alega que o caminho do progresso europeu, aberto nos séculos XVIII e XIX, fora interrompido. Atribui todo o progresso que houve no campo das ciências e da tecnologia, ao exercício das liberdades individuais e ao livre uso dos conhecimentos. A liberdade libera o gênio humano que existe em cada indivíduo, movido pelo natural direito à ambição. Foi na Inglaterra, assinala, que se permitiu a liberação do uso das forças espontâneas e que este reino se irradiou pela Europa até a década de de 1870, quando então começa o retrocesso, com as ideias de substituir as forças espontâneas da sociedade, por ideias de organização e de planejamento, retiradas do socialismo. Vemos assim um profundo lamento pelo abandono do caminho, que terá que ser retomado, caso se queira um mundo de homens livres. Afirma ainda, que estes princípios são hoje tão verdadeiros, quanto o foram nos séculos XVIII e XIX.
Outro referencial fundamental é Milton Friedman com o livro Capitalismo e Liberdade, originariamente escrito em 1962 e praticamente reescrito trinta anos depois, sob o título Liberdade de escolher. O livro inicia por um reforço em condicionar as liberdades econômicas, afirmando que qualquer limitação a esta, refletiria também sobre aquela. Em consequência, só haverá liberdade política sob os princípios do capitalismo competitivo. Friedman dedica também um capítulo ao papel do governo numa sociedade livre, que já determinara quando subordinava a liberdade política à liberdade econômica. Ao Estado atribui praticamente a função única que é a de impor as regras do jogo, entendendo-se por regras do jogo, as do mercado. Quanto mais problemas, afirma, estiverem sob o âmbito das ações espontâneas do mercado, menos se precisará recorrer à coerção.
Atribui ao Estado as funções de legislador e árbitro, de agir frente aos monopólios técnicos e seus efeitos (existem monopólios técnicos necessários, que sempre devem ser privados) e, como as ações livres só se dão entre pessoas responsáveis, é lícito ao Estado desenvolver ações com relação às crianças e aos insanos.
O capítulo de Friedman sobre educação trataremos em separado. O livro também contém um capítulo sobre a pobreza, em que afirma que ela será tratada da melhor forma, se for delegada à esfera da caridade privada. Quando o Estado se dedica à pobreza ele passa a inibir as iniciativas desta caridade. Neste mesmo capítulo, como contrapartida à pobreza, apresenta o programa de renda mínima. Termina o capítulo afirmando a incompatibilidade entre ser liberal e lutar pela igualdade, se esta tiver que ser atingida por medidas interferidoras no mercado.
Voltemos à história. Perry Anderson, no livro Pós neoliberalismo - As políticas sociais e o Estado democrático (organizado por Emir Sader e Pablo Gentili Paz e Terra, 1995), nos faz um balanço deste movimento, apresentando também os seus princípios. Como já vimos, o ataque de Haiek era frontal ao nazi-fascismo alemão, mas o seu alvo preferido era o socialismo, e via princípios deste em toda a ação interferidora do Estado na economia, atingindo também a social democracia e as políticas do New Deal americano.
Críticas e alternativas ao neoliberalismo.
Já vimos também que o período de ouro da social democracia ocorreu entre 1948 e 1973, período em que poucos davam ouvidos aos integrantes do grupo de Mont Pèlerin que, no entanto, com persistência, se reuniam, procurando manter as suas ideias, aguardando um momento mais favorável, para que elas se expressassem como receituário político. Este momento apareceu em 1973, com a crise generalizada que se abate sobre o mundo, tendo como consequência uma longa e profunda recessão, combinando baixo crescimento econômico com elevadas taxas de inflação.
Era o que o neoliberalismo precisava para se afirmar. Os neoliberais consideravam que o Estado social democrata conferia muitos poderes aos sindicatos, que as medidas distributivas e a política fiscal corroeram as bases de acumulação, impedindo assim novos investimentos, ao mesmo tempo em que o Estado continuava aumentando os seus gastos, gerando inflação. As alternativas que apresentavam seriam a recomposição das taxas de lucro para permitir a acumulação e conter os gastos do Estado com o bem-estar. Para que estes objetivos fossem alcançados, duas medidas seriam de fundamental importância. Criar elevadas taxas de desemprego e promover a estabilidade monetária. As altas taxas de desemprego enfraqueceriam o poder reivindicatório dos sindicatos e a estabilidade monetária reduziria as ações de bem-estar do Estado. Outras medidas, como uma reforma tributária que desonerasse o capital, complementariam as ações neoliberais.
No final da década de 1970 e início da de 1980, políticos se confessavam adeptos destas teorias, como Tatcher, Reagan e Khol, ganham eleições. No decorrer da década de 1980, o neoliberalismo se afirma em outros países europeus e, na passagem da década de 1980 para 1990, transforma as suas verdades em dogmas universais com a queda dos símbolos do socialismo, como o muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética. Na década de 1990 ele chega à América Latina, mesmo que aqui a social democracia nunca houvesse chegado.
O neoliberalismo se propõe como alternativa única a todos os modelos que se estabeleceram ao longo do século XX, com forte presença do Estado, como o socialismo, a social democracia e o nosso modelo de substituição de importações. A derrocada do socialismo teria ocorrido pela estagnação; a social democracia, pela sua crise fiscal e o modelo de substituição de importações, pelo endividamento externo.
A sua mais recente formatação se assenta nos princípios da desestatização - desnacionalização, da desregulamentação- desconstitucionalização e da desuniversalização-desproteção, no que se refere aos direitos da cidadania. Perry Anderson conclui o seu balanço afirmando que, economicamente o neoliberalismo fracassou, pois não houve nenhuma revitalização econômica sob seus princípios; socialmente - se pretendeu aumentar o número de desigualdades - foi um sucesso; mas aponta para o campo ideológico o seu maior êxito, infundindo a crença de que não existem alternativas e que é preciso a adaptação de todos, aos seus princípios.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.