domingo, 3 de junho de 2018

Assessoar. Mais de 50 anos de lutas construindo o Projeto Popular. Francisco Beltrão.

Conheci Francisco Beltrão através das atividades sindicais, na qualidade de dirigente da APP-Sindicato, após o ano de 1993. Embora tivesse boas referências, como o professor Hermógenes Lazier e Pedro Carbonera, um conhecimento mais elaborado, eu vim a ter apenas em 2017, quando voltei à cidade, de novo pela APP-Sindicato, desta vez em campanha eleitoral, pelo grupo APP- Independente. Formamos uma chapa e disputamos a eleição. Fiz amizades, das quais nomino, em nome de todos, o professor Rogério Rech. (que também encabeçou a nossa chapa local). Ele me contou algumas coisas da história da cidade, que me deixaram extremamente curioso, com destaque para o movimento camponês (1957) e para a Assessoar, "a mãe de todo o espírito cooperativo no sudoeste do Paraná", me contava ele.
A edição especial, comemorativa dos 50 anos da ASSESSOAR, da revista Cambota.


Voltei a Francisco Beltrão no dia 2 de abril de 2018. Rogério defenderia a dissertação de seu terceiro mestrado, versando sobre a "subversividade" em Paulo Freire. Tendo o Rogério como anfitrião, visitamos a sede da Assessoar, junto com a professora Mariana, da Universidade Nacional de Córdoba, que estava na cidade para participar da banca da defesa da dissertação.  Fomos gentilmente recebidos, visitamos as instalações e recebemos um precioso material sobre o histórico da entidade. A revista CAMBOTA - Edição Especial - nº 271 - março de 2016 - com o seguinte chamado de capa: Assessoar - 50 anos de lutas construindo o projeto popular. Tínhamos em mãos, portanto, a edição especial comemorativa aos 50 anos da entidade.

Toda a revista é dedicada ao histórico da entidade. Neste post vou focar o período da fundação, mas deixo também os demais títulos: Assessoar: primeiros passos e a organização dos agricultores como protagonistas; Contexto histórico e de ação da Assessoar na década de 80: A efervescência das mobilizações sociais; Anos 90, a década da reestruturação; Assessoar nos anos 2000/2010; Fortalecimento da agroecologia e da educação popular em contraposição ao capitalismo; Assessoar, linhas gerais da experiência para os próximos anos e depoimentos de Organizações e Entidades que fazem parte da história da Assessoar.

O primeiro tema, Assessoar: primeiros passos e a organização dos agricultores como protagonistas tem os seguintes subtítulos: 1. Para início de conversa; 2. Disputas dentro da Igreja e o contexto antes da fundação da Assessoar; 3. A Assessoar; 4. Década de 1970 e 5. Ações da Assessoar na década: ECAs, monitores agrícolas e oposição sindical. Dois temas pautam o primeiro item: a conjuntura nacional do início dos anos 1960, com ênfase no campo, como a mobilização através das Ligas Camponesas e a disputa de terras no sudoeste do Paraná ao longo da década de 1950, e, ainda, a atuação destes movimentos e a sua relação com a igreja católica. (Voltarei a este segundo item em outro post. Para tanto, já localizei a dissertação de mestrado do professor Hermógenes sobre a estrutura agrária no sudoeste do Paraná). As disputas se deram entre os posseiros, os legítimos donos, e as companhias colonizadoras, com a sua grilagem e contumaz violência. Este foi um dos únicos movimentos da história do Brasil em que os posseiros puseram para correr a companhia colonizadora.

Pela sua importância, cito o 1º parágrafo do segundo item abordado pelo histórico número da revista: "A Assessoar (Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural), foi constituída  em 10 de fevereiro de 1966, por 33 jovens agricultores, militantes da Juventude Agrária Católica (JAC) com apoio de padres belgas". Seus fins estão assim registrados no Estatuto: "Promover melhores condições de vida aos trabalhadores na lavoura e na pecuária e maior desenvolvimento rural de acordo com a Doutrina Social Cristã". Assim temos definidos os elementos constituintes da entidade: Jovens rurais e a ação pastoral da igreja católica, através dos padres belgas. A Igreja católica passava, na época, por grandes transformações, por um aggiornamento. Este foi promovido pelo Concílio Vaticano II, pelas encíclicas sociais de João XXIII e Paulo VI e, um pouco depois, pelas deliberações de Medelin e Puebla (Eu vivi esse tempo). Os padres belgas faziam  da catequese a porta de acesso aos colonos. É óbvio que houve intensas disputas, no conflito com o conservadorismo, uma marca registrada dentro da igreja católica brasileira. O certo é que as ações pastorais foram para muito além do interior das igrejas, para atingir o interior das pessoas. A fé provocava uma ação política. Este trabalho se estendeu para vários municípios da região, para além da sede (Capanema, Barracão, Verê, Santo Antônio, Ampere, Dois Vizinhos). Do trabalho surgiram lideranças, sindicatos e cooperativas. As ações não tinham a pretensão de transformação da sociedade, apenas, abrandamentos no interior do capitalismo.

O terceiro item da revista está, todo ele, voltado para a Assessoar. Com o desenvolvimento das primeiras ações "sentiu-se a necessidade de organizar um centro para melhor atendimento à formação dos catequistas e líderes". Um problema surge. Os agricultores teriam a capacidade de gestão da entidade?  (Olha aí a nefasta presença da divisão social do trabalho e de sua hierarquização). E assim, de 1966 a 1975, a entidade foi presidida por comerciantes. Em 1978 declararam a sua autonomia, assumindo a direção: "Esse acontecimento proporcionou, além da autonomia, um crescimento e maior representatividade da entidade entre os agricultores da região". Esta autonomia é antecedida por uma participação crescente, verificada pela maior participação nas assembleias: 43 em 1976, 50 em 1977 e 169 em 1978. Neste ano, a Assessoar elege seu primeiro agricultor como presidente. O conflito com a Igreja conservadora se acirra e a organização passa pela orientação da Comissão da Pastoral da Terra e pela Organização das Comunidades Eclesiais de base. Queriam um Deus presente, não longe nem distante. O tripé de atuação passou a ser: reflexão, ação e recreação. Também foi dada ênfase nas escolas de educação comunitária e de agricultura alternativa. A Assessoar deslanchava.
Os aros dão sustentação para a roda. "Cambota", símbolo da entidade e título da revista.


No item de número 4 são mostrados os trabalhos efetivados ao longo dos anos 1970, com todo o destaque para os agricultores na direção. Entre os trabalhos realizados estão citados cursos, palestras e visitas. Os temas mais abordados eram sobre as alternativas na agricultura, a saúde, a conservação do solo, a higiene, as plantas medicinais e os males da monocultura. Atuavam junto às oposições sindicais, com os trabalhadores desalojados pelas barragens. Procuravam organizá-los em grupos de dez, com coordenador e secretário. Os números comprovam o trabalho: 60 cursos, 2000 catequistas, 973 visitas e quinze mil pessoas atingidas. E, muito importante, em 1973 surge o Cambota, o órgão informativo e formativo da entidade. A roda da carroça ou charrete, seus conhecidos instrumentos de trabalho, lhes dão o valor simbólico: A unidade dos arcos de madeira formavam a roda. O Cambota  proclamava suas pretensões: "Quer ser esta chuva miúda que faz brotar as riquezas que existem no chão da nossa vida  [...] Este boletim quer ser uma ajuda nesta grande roda da união que os agricultores estão construindo em nossa comunidade e região".

No quinto item, outro tema da maior importância é focado. A ditadura militar e o modelo agrícola implantado, o modelo do agronegócio. Os pequenos agricultores não conseguiam acompanhá-lo pela necessidade de grandes investimentos, financiamento, aquisição de maquinário, adubos e defensivos. O agronegócio privilegiava o latifúndio e a monocultura. A Assessoar parte então, para a orientação de uma agricultura alternativa, a agricultura familiar, visando manter o pequeno lavrador no campo. Voltaram as suas prioridades para a formação profissional e, no vácuo do Estado, comprometido com o modelo do agronegócio, criaram a Escola Comunitária de Agricultores. Uniam teoria e prática. De manhã, reflexões e debates e, de tarde, a prática no campo. Visavam formar protagonistas, sujeitos e não seres sujeitados pelo fascínio da propaganda oficial.

Vejamos as grandes preocupações da época, expressas no Cambota de 1978. "Todos temos conhecimento do empobrecimento crescente que o solo de nossas terras vai tendo. Além disso, somos levados à utilização abusiva de processos químicos na adubação e extermínio de insetos. Some-se a tudo isso a poluição crescente dos rios e as águas em geral, e do ar que respiramos. Tudo parece caminhar para estabelecer um desequilíbrio muito grande no mundo". Os modelos agrícolas em disputa são mostrados em outra passagem deste mesmo número do boletim: "Junto com o anúncio da Assessoar, os agricultores receberam outro anúncio mais forte, atraente e poderoso: a propaganda da vida fácil com motosserras, tratores, máquinas, adubos químicos, venenos... Quem não entrasse na onda era visto como "atrasado", "ultrapassado", "cabeçudo". Não deixaram se seduzir.
Mariana, Rogério e a simpática menina que nos acompanhou na visita a ASSESSOAR.


Deixo ainda um pequeno panorama dos fatos posteriores. Em 1989 foi criado o Fundo de Crédito Rotativo, embrião para que surgisse, na década de 1990, a Cooperativa de Crédito com Interação Solidária - CRESOL. Em 1986 houve a desvinculação da Igreja Católica e a orientação, cada vez mais, tendia para um outro tipo de sociedade, a sociedade socialista. Termino voltando à frase inicial do Rogério. A ASSESSOAR é "a mãe de todo o espírito cooperativo no sudoeste do Paraná". Uma visita profundamente alentadora.








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