terça-feira, 26 de junho de 2018

A Rota das Emoções. 3. A cidade de Alcântara.

Ir a São Luís e não ir a Alcântara é o que eu consideraria como um erro muito grave. Não creio que ela integre oficialmente a "Rota das Emoções", embora o balanço do barco, na travessia marítima, as proporcione, com direito a vômito, para muitos. É o efeito das ondulações e sacolejos do barco, provocados pelas ondas. O tempo de travessia é de pouco mais de uma hora. Enquanto você se afasta da baía de São Marcos você vê de forma bem mais nítida a baía de São Marcos, onde tudo começou, o porto de Itaqui e a parte nova da cidade, na beira-mar, onde estão os metros quadrados mais caros da cidade.
A embarcação que faz a travessia de São Luís a Alcântara. R$ 15,00 de ida e mais R$ 15,00 de volta.

Para ir a Alcântara você não precisa contratar passeio por agência. Vá ao cais, que você já avista a partir do Palácio dos Leões, e compre o seu ticket ao custo de R$ 30,00, ida e volta. O nosso embarque se deu as 9h30, com volta já definida para as 13h00. Este horário é variável, de acordo com a tabela das marés. Chegando em Alcântara, aí sim recomendo a contratação de um guia, ao custo de R$ 50,00, pelas circunstâncias deste nosso passeio. Para tal alego três motivos: o pouco tempo que tínhamos e a íngreme subida para os locais históricos. Com o guia você vai de táxi; o forte calor do horário é outro motivo bem plausível. Alego ainda as explicações que são dadas ao longo do trajeto. Se tivesse mais tempo, faria tudo a pé.
Os três são Beneditos da igreja do Rosário dos Pretos.
A música acompanha a liturgia. Os instrumentos são os próprios da cultura afro.



O guia nos levou até o ponto mais alto da cidade. Ali tem duas atrações. A igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, com as três imagens negras de São Benedito, cada uma com o seu significado, a de santa Ifigênia, também negra e os instrumentos musicais usados na liturgia religiosa. Instrumentos de percussão. O responsável pela igreja fez, inclusive, uma demonstração. Ao lado situa-se o Centro de Lançamento de Alcântara. Ele não permite visitas. Apenas existe um espaço onde se situa o visitante sobre as atividades que são ali desenvolvidas.
O Centro de Lançamento de Alcântara. Desde 1983.


Deste lugar, depois de atravessar o povoado, paramos na igreja do Carmo, local onde fizermos uma  parada um pouco mais demorada. Certamente é esta a igreja mais valiosa do ponto de vista da arte com o seu barroco joanino. A sua construção foi iniciada em 1691. Em frente e ao lado da igreja encontramos dois palácios. Um em ruína completa e outro com as paredes ainda em pé. Os palácios foram construídos para hospedar Dom Pedro II. O mais bem conservado foi construído pelo Partido Conservador e o outro pelo Partido Liberal. Obras de enorme fausto. Resultado final da disputa pela construção do maior e melhor Palácio: Para não descontentar ninguém o Imperador suspendeu a visita.
A mais preciosa das igrejas locais. Nossa Senhora do Carmo.
O barroco joanino presente na igreja do Carmo.


O nosso roteiro agora continuou a pé. Pela rua da Amargura. Bela paisagem nos aproximava do mar e de seu porto, onde o principal comércio era o de seres humanos, os escravos. Estes tinham um mercado próprio, onde se fazia o seu comércio. As ruínas estão bem conservadas e causam forte impressão pela sua imponência. Andando mais um pouco você chega ao centro das atividades atuais. A igreja matriz e a sua praça, o pelourinho e o museu histórico. O pelourinho, em pedra lioz, é o original. O museu histórico ocupa um dos casarões do baronato rural dos tempos do Império. No museu comprei um livreto sob o título Museu Casa Histórica de Alcântara. Está na fila da leitura. Um dos casarões, o Palácio Negro, recebe este nome em função de uma história que narra o seguinte:
Casarão preparado para receber a visita de Dom Pedro II.
Na rua da Amargura, o mercado dos escravos, o palácio negro.
Ruínas da igreja matriz e o pelourinho.

 "Faustoso palacete construído no início do século XIX pelo brigadeiro José Theodoro de Azevedo Coutinho - Barão de Mearim. Recebeu essa designação devido às cortinas negras que velavam as janelas do sobrado, em sinal de luto pelo casamento de uma das filhas do barão com um mulato. Em consequência, ela foi deserdada através de escritura pública". É hora de dar uma verificada no livro de Aloísio de Azevedo, O Mulato, um dos filhos da terra. O Mulato tem por tema esta aristocracia rural maranhense. No museu histórico, onde se encontram lembranças de um tempo que se foi, tudo indica que este período foi de muita riqueza e ostentação. A transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro influenciou os costumes desta longínqua paragem.
Praça da matriz, vista a partir do museu Casa Histórica de Alcântara.

O nosso passeio terminou numa pequena capelinha, creio ser a de Nossa Senhora do Desterro, santa de enorme devoção dos tantos desterrados portugueses. Lá você tem o direito de fazer três pedidos, que prontamente serão atendidos.  Bem, já era o tempo de irmos até o ancoradouro onde a embarcação da volta já estava nos aguardando. Deixei Alcântara com um profundo desejo de mais. Nem mesmo um almoço, por mais simples que fosse, ali fizemos.
Capela Nossa Senhora do Desterro.


Alcântara é hoje praticamente uma cidade fantasma, a viver de seu passado. Possivelmente é a cidade que tem as ruínas mais recentes do mundo. É em Alcântara que morava a aristocracia agrária maranhense. Com a decadência ela se mudou, ou para a corte, no Rio de Janeiro ou para São Luís. O arroz e o algodão foram os seus produtos mais importantes. O algodão sempre teve as suas flutuações, alternando períodos de prosperidade e de crise, com a concorrência do algodão produzido no sul dos Estados Unidos. Esta lavoura também exigiu grande quantidade de escravos, que por ocasião da abolição, por ali permaneceram, formando a região de maior concentração de quilombos do Brasil, num total de 156 áreas.
Ladeiras e casas de Alcântara.


Ao contrário do Rio de Janeiro, onde os escravos do vale do Paraíba se deslocaram para o Rio de Janeiro, especialmente, em torno do porto em busca de trabalho, eles permaneceram na área rural do município. Até hoje brigam pela legalização de suas áreas. Eles foram muito prejudicados com a criação do Centro de Lançamento de Alcântara (1983) em terras por eles ocupadas. Ainda hoje o são, em virtude dos planos de expansão deste Centro. Dos 22.000 habitantes da cidade, 70%  é formada por quilombolas. Eles cultivam muito as suas tradições e muitos vivem da cerâmica, que de sua produção utilitária passou para as belezas do artesanato.

A grande festa popular é a festa do divino, que se realiza no mês de maio. É festa de fartura, de distribuição de licores e de doces. Os doces são famosos. A festa do divino me remeteu a Darcy Ribeiro, que em O povo brasileiro - A formação e o sentido do Brasil, apresenta esta festa, ainda em Portugal, como uma festa de generosidade e fartura ímpar. Ela deve conservar muito de suas origens. Estas festas populares me dão grande fascínio. O Maranhão foi também a sede da revolta popular chamada de Balaiada.
Sentado na porta das ruínas de um dos palacetes famosos.


Alcântara oferece bem mais do que as aproximadamente duas horas em que ali permaneci. Li que o maior erro é andar de carro pelo lugar. Eu, premido pelo tempo, cometi este erro. O local é destinado a andar e contemplar. Existem até comparações com Roma, enquanto museu a céu aberto. Você compra um mapa Alcântara - Maranhão - Mapa ilustrado, por R$ 8,00, no primeiro ponto de chegada, ou por R$ 5,00 no museu histórico. Se você não for com guia, ele é imprescindível. Estou aqui escrevendo este post com a sua ajuda. As grandes atrações da cidade são, obviamente os seus casarões, o seu museu, a sua história, suas praias, praticamente intocáveis e, de modo todo especial o seu povo e o cultivo de suas tradições. Existem pousadas para a permanência por mais tempo. Outra atração é ver a revoada dos guarás, que figuram entre as mais belas das aves do mundo, pelo seu vermelho tirado da alimentação dos caranguejos e, de maneira toda especial, alguns momentos de convivência com o seu magnífico povo, seguramente um encontro com a alteridade.





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