quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Indignação. Bertrand Russel na voz de Marcus Messner.

É impressionante como Philip Roth utiliza a literatura em seus livros. Em  O professor do desejo ele passeia pela literatura erótica e, agora, no livro que acabo de ler, Indignação, aparece o ensaio de Bertrand Russell, Por que não sou um cristão? Ele aparece na boca de um revoltado jovem de 19 anos, ao receber reprimendas do diretor de alunos da universidade de Winesburg, em que ele estuda. A universidade segue os padrões morais dos fundadores da instituição, de credo batista.
Um dos pontos altos do livro Indignação é o dialogo mantido entre o jovem Marcus e o diretor de alunos da universidade de Winesburg. Bertrand Russel é o tema.

Marcus Messner é um jovem em fuga. Primeiro foge da autoridade superprotetora do pai e depois dos preceitos morais impostos pela universidade. Em sua fuga é atropelado pela morte na guerra da Coreia, no ano de 1951. Ir para a guerra da Coreia era o destino reservado aos jovens que não conseguiam seguir a carreira universitária. O encontro com o diretor se dará por uma querela de dificuldades que o jovem tem com colegas no alojamento e a sua expulsão da universidade será causada por não se submeter ao cerimonial religioso da universidade, sendo flagrado, pagando um substituto que fazia a sua vez, frequentando credos religiosos. Coisas da pequena moralidade.

O diálogo com o diretor de alunos se dá após interrogações de Marcus sobre a obra de Bertrand Russell: "Estou perguntando se o senhor conhece esse importante ensaio de Bertrand Russell. Entendo que a resposta é não. Bem, eu conheço porque resolvi memorizar longos trechos do ensaio quando era capitão do time de debates da minha escola. Ainda não os esqueci e me prometi que nunca os esquecerei. Esse ensaio e outros semelhantes contêm os argumentos de Russell não apenas contra a concepção cristã de Deus mas contra as concepções de Deus sustentadas por todas as grandes religiões do mundo, vistas por ele como mentirosas e prejudiciais.
Bertrand Russel. Nobel de literatura (1950) Por que não sou um cristão é um de seus ensaios mais famosos. No Brasil existe uma edição pela LPM.

Se o senhor lesse este ensaio, e em nome da honestidade intelectual peço que o faça, veria que Bertrand Russell, um dos mais destacados especialistas em lógica do mundo, além de filósofo e matemático, utiliza um instrumento lógico inquestionável para desmentir o argumento da causa primeira, o argumento da lei natural, o argumento do desígnio, os argumentos morais para justificar uma divindade e o argumento do combate à injustiça. Para lhe dar dois exemplos. Primeiro, explicando por que não tem a menor validade o argumento da causa primeira, ele diz: 'Se tudo precisa ter uma causa, então Deus precisaria ter uma causa, tanto pode ser o mundo quanto Deus'. Segundo, quanto ao argumento do desígnio, ele diz: 'Você acha que, se recebesse o dom da onipotência e da onisciência, além de milhões de anos para aperfeiçoar seu mundo, não seria capaz de produzir nada melhor do que a Ku Klux Klan ou os fascistas?'

Ele também discute os defeitos dos ensinamentos de Cristo tal como aparecem nos evangelhos, observando que, do ponto de vista histórico, é bastante duvidoso que Jesus Cristo tenha realmente existido. Para ele, o maior defeito na estrutura moral de Jesus é sua crença na existência do inferno. Russell diz 'não sinto que ninguém que seja profundamente humano pode acreditar na punição eterna', e acusa Jesus de demonstrar uma fúria vingativa para com as pessoas que não davam atenção a suas pregações. Ele discute com absoluta franqueza como as igrejas atrasaram o progresso humano e como, por sua insistência no que resolveram chamar de moralidade, infligiram sofrimento imerecido e desnecessário a todo tipo de gente.


Por Que Não Sou CristãoEdição brasileira de Por que não sou cristão?

A religião segundo ele, baseia-se predominantemente no medo - medo do misterioso, medo da derrota e medo da morte. O medo para Bertrand Russell, é o pai da crueldade, e por isso não surpreende que a crueldade e a religião tenham caminhado de mãos dadas ao longo dos séculos. Devemos conquistar o mundo pela inteligência, diz Russell, e não nos deixando escravizar pelo terror que vem de vivermos nele. Toda a concepção de Deus, ele conclui, é indigna de homens livres".

Marcus termina a sua preleção ao diretor; "Esses são os pensamentos de um vencedor do Prêmio Nobel (1950), renomado por suas contribuições à filosofia e por seu domínio da lógica e da teoria do conhecimento, com os quais estou de pleno acordo. Tenho estudado esses pensamentos e refletido sobre eles, pretendo viver em conformidade com esse ideário, coisa que, doutor Caudwell, estou certo o senhor admite ser meu direito".

A resposta vem de bate pronto e é característica. Desqualificar o interlocutor e ao autor: "Admiro sua capacidade de memorizar e reter textos de difícil compreensão, mesmo se não admiro necessariamente os autores e as obras que escolhe para ler e a credulidade com que aceita sem questionamento as blasfêmias racionalistas que jorram da boca de um indivíduo tão amoral como Bertrand Russell, casado quatro vezes, conhecido adúltero, defensor do amor livre e socialista confesso que perdeu sua posição na universidade por causa da campanha antibelicista conduzida durante a Primeira Guerra Mundial, sendo condenado à prisão pelas autoridades inglesas".
Philip Roth na orelha da contracapa de Indignação.

Conclusões. Apenas as suas. O texto em referência é de um vigor extraordinário. Ao final do livro ele ganha uma nota explicativa, em que se afirma que os diálogos foram tomados quase ípsis litteris da palestra de Bertrand Russell - Por que não sou um cristão - proferida em 6 de março de 1927 na Prefeitura de Battersea, Londres, e incluída na coletânea de ensaios publicada com o mesmo título pela Simon and Schuster em 1957. A coletânea foi editada por Paul Edwards e tem como principal tema a religião.

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