quarta-feira, 20 de setembro de 2023

COMO POEIRA AO VENTO. Leonardo Padura.

Dust in the wind -All we are is dust in the wind... - Poeira ao vento/Tudo o que somos é poeira ao vento. Dessa canção nasceu o título do novo romance de Leonardo Padura, que ele concluiu em Mantilla, o seu bairro na cidade de Havana, em abril de 2020 e que iniciara dois anos antes. "Tudo o que somos é poeira ao vento". É uma definição da vida. Poeira ao vento.

Como poeira ao vento. Leonardo Padura. Boitempo. 2022.

(Clara) "remexeu a bolsa, tirou suas chaves, abriu a porta e entrou na casa em que a receberam a solidão, o silêncio e suas lembranças. Clara e seu caracol". É a frase final do romance. A casa em que ela entrou é uma casa no bairro de Fontanar, um  bairro nas proximidades do aeroporto José Martí, da cidade de Havana. Nessa casa se reuniram, a partir dos anos 1990, um grupo de jovens, amigos desde os tempos universitários e que formaram uma espécie de CLÃ. O ÍMÃ desse clã era Clara, uma das protagonistas, senão a protagonista do romance. Clara teve dois filhos, Ramsés e Marcos, que por sua vez tiveram seus filhos (netos de Clara), um nascido na França e outro nos Estados Unidos. É a diáspora cubana.

"A poeira ao vento", ou seja, a vida dos diferentes personagens que se reuniam na casa de Fontanar (há uma foto de uma dessas reuniões), é o teor do romance. Da casa de Fontanar, os personagem irão se espalhar pelos Estados Unidos (Nova York, Miami, Hialeah), Madri, Barcelona, San Juan, Buenos Aires, Toulouse, e outros recantos do mundo. Em suas vidas carregam as marcas de uma Revolução e os diplomas universitários que adquiriram no país que se esmerou em lhes dar uma formação universitária de elevadíssima qualidade, mas que lhes exigiu também muitas perdas. Para mim, a maior riqueza do romance é a construção desses personagens. As sua reflexões sobre perdas e ganhos em suas vidas. Reflexões filosóficas, profundamente existenciais.

Mas, vejamos o teor do livro, por sua contracapa: "Um encontro amoroso entre Adela, jovem nova-iorquina de ascendência cubana, e Marcos, rapaz cubano recém chegado aos Estados Unidos. O Clã: grupo de amigos que estudaram na mesma época em El Vedado, Havana, e mantiveram uma forte amizade e uma intrigante cumplicidade. Os destinos dos integrantes do Clã e a vida de Marcos e Adela se entrelaçam surpreendentemente e resultam neste novo romance de Leonardo Padura. Num enredo cheio de suspense, encontros, desencontros e reencontros, o autor acompanha a vida de cada um dos personagens, todas buscando soluções para as difíceis circunstâncias que se abateram sobre o povo cubano no fim do século XX e no início do século XXI. É a história de uma Cuba e de muitos destinos".

Na orelha, encontramos mais informações: "Uma fotografia captura o momento em que amigos aparentemente inseparáveis aparecem juntos. Estão alegres e sorriem. Parece que continuarão unidos pelo resto da vida. A partir de então, porém, tudo começa a mudar. As trajetórias pessoais, marcadas pelos tropeços da história cubana recente, se transformam em meio a despedidas, paixões, traições e reencontros. Perguntas que ficaram no ar ou sonhos que não se realizaram. Feridas que vieram com as decepções e por surpresas que encontraram no caminho. Todas, no fundo, remetendo de modo dramático e nostálgico àquela imagem.

Como poeira ao vento é um romance escrito em forma de coro. Aos poucos, vamos conhecendo cada um dos integrantes do chamado Clã. Cada amigo encarna, de certa forma, as diferentes reações humanas à diáspora cubana, numa cadeia temporal que se inicia nos anos 1990 e viaja até nossos dias.

Por meio de uma narrativa envolvente, Leonardo Padura nos leva a um país complexo, em que as coisas são muito mais que o preto e branco que a polarização política dos últimos anos nos faz crer.

Há personagens que saem da ilha, outras que nascem fora de lá, as que desejam voltar, as que retornam e não se reencontram de nenhuma maneira e as que permanecem e resistem. Ainda que sejam pessoas diferentes, todas parecem refletir parte das emoções do próprio autor.

Embora a trama nos leve também aos Estados Unidos, à Europa e à América do Sul, todos os lugares surgem desenhados pelas linhas que a citada diáspora neles contorna, assim como hoje o fenômeno da imigração vem transformando tantos cantos do mundo, consolidando-se como tema urgente.

Escritor cubano que segue vivendo na casa em que nasceu e cresceu, Padura reafirma sua posição de observador atento a cada característica do caráter cubano: a sensualidade, a música, o amor, a gastronomia, as paixões políticas.

Fazendo referência à canção "Dust in the Wind" (Kansas), o autor convida a refletir sobre a vida e a amizade. De forma incisiva, também questiona os comportamentos geracionais dos cubanos: tanto o discurso muitas vezes duplo da geração que fez a Revolução como a dos que saíram da ilha.

Uma boa história de ficção é aquela que nos faz mirar a realidade e compreendê-la em todas as suas dimensões. É justamente a esse gênero literário que pertence Como poeira ao vento". O texto da orelha é assinado por Sylvia Colombo.

Mas creio que a mais preciosa indicação nos vem do próprio escritor em - nota e agradecimentos. Vejamos o seu primeiro parágrafo: "Como poeira ao vento é um romance e deve ser lido como tal. Os acontecimentos históricos a que se faz referência no livro aconteceram na realidade, mas sua presença no romance é assumida sob a perspectiva da ficção. Muitas das conjunturas sociais invocadas também foram extraídas da realidade e da experiência pessoal e geracional, embora seu tratamento tenha sido mediatizado pelos interesses ficcionais. Os personagens e suas histórias são inspirados em indivíduos reais, às vezes em somas de várias pessoas concretas, mas suas biografias são fictícias. Em contrapartida, os lugares pelos quais se move a trama - desde o bairro havanês de Fontanar até um haras nos arredores de Tacoma, no noroeste dos Estados Unidos - são locais com existência real, e transformei-os na medida do necessário para adequá-los aos fins dramáticos do relato. A obra da imaginação foi apenas convocar todos os elementos históricos, humanos e físicos de uma época e diversos espaços, para lhes dar forma de romance. Como escritor, eu me alimento da realidade, mas não sou responsável por ela para além de meus avatares individuais e de meu comportamento civil, como cidadão e como testemunha com voz, que pretende apenas deixar um testemunho pessoal de meu tempo humano".

O romance é longo. São 542 páginas que comportam dez capítulos. Neles, de uma maneira geral, os diferentes personagens do Clã são apresentados. Dou como exemplo, o capítulo sete. A mulher que amava os cavalos. Nele é retratada Elisa ou Loreta, a mãe de Adela. Ela é veterinária e uma personagem extremamente complexa e complicada. Está sempre em fuga. Mas, como já afirmei, o ponto alto do livro é a construção dos personagens. Vejamos Adela e Marcos, os personagens que abrem o livro. Adela é filha de Loreta Fitzberg, a veterinária cubana, o seu pai, ao menos no início do romance é um psicanalista argentino, judeu, exilado na qualidade de vítima da ditadura militar argentina. E Marcos é filho de Clara, possivelmente a mais generosa e aglutinadora dos personagens e de Dario, possivelmente o personagem da mais humilde origem e que, na qualidade de neurocirurgião, título que conseguiu revalidar em Barcelona, permaneceu nesta cidade, levando uma vida burguesa e, aparentemente, sem traumas de consciência com as suas origens.

Com Leonardo Padura. Capela Santa Maria. Curitiba. Agosto - 2019.

Outro ponto forte do livro é a abordagem que o Padura faz sobre o desenraizamento dos personagens. Sobre o que significa viver no exílio. Tem personagens que simplesmente não conseguem sair do país, ou que, em todos os momentos tem o seu sentimento voltado e comprometido com as suas raízes e com o recebido pelo regime originário da Revolução cubana. Eu tive a oportunidade de assistir uma palestra do escritor, na Capela Santa Maria, aqui de Curitiba. Dizia-se sitiado de água por todos os lados e que não conseguia escrever fora de sua amada ilha. Um sentimento de cubanidade, de pertencimento. E isso está fortemente traduzido no romance. Outra coisa. Um relato sincero sobre a situação dramática que Cuba viveu na última década do século XX e nas duas primeiras do século XXI. Há perdas e ganhos. Creio que este seja o mais "cubano" dos livros do escritor.

Deixo aqui a resenha dos livros anteriores de Padura, já lidos e resenhados, começando pelo O homem que amava os cachorros.  http://www.blogdopedroeloi.com.br/2014/05/o-homem-que-amava-os-cachorros-leonardo.html . Continuando com Hereges. 

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/10/hereges-leonardo-padura.html. Com O romance da minha vida.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2021/11/o-romance-da-minha-vida-leonardo-padura.html. E Água por todos os lados.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2021/08/agua-por-todos-os-lados-leonardo-padura.html


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