Ao ler um livro, costumo fazer páginas e páginas de anotações num caderno que sempre acompanha as minhas leituras. Isso não foi diferente com o romance Como poeira ao vento, de Leonardo Padura. Uma dessas anotações é referente a Clara, uma das protagonistas do romance. Personagem fantástica, aglutinadora e apresentada como o ímã de um clã de amigos que se formou em Havana, por jovens estudantes que se encontraram nos anos 1990, no maravilhoso bairro de El Vedado e continuaram se encontrando em Fontanar, na casa de Clara. Na resenha que fiz desse livro, eu o apresentei, como o mais cubano dos livros de Padura. Ele versa sobre a última década do século XX e as duas primeiras do XXI da história cubana, na continuidade dos ganhos e perdas de sua Revolução. Deixo a resenha.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/09/como-poeira-ao-vento-leonardo-padura.html
O romance apresenta a diáspora cubana, a partir dos personagens reunidos no clã, na casa de Clara, em Fontanar, bairro nas proximidades do aeroporto José Martí, de Havana. Clara é aglutinadora e extremamente generosa. Vamos procurar conhecê-la, ela e o seu pensar, um pouco mais de perto:
Como poeira ao vento. Leonardo Padura. Boitempo 2022.
"Clara não se considerava um ser político, como talvez tivesse sido Elisa (filha de um político ligado ao governo e, outra protagonista do romance), nem uma filósofa essencial, como Horácio (um físico), tampouco uma bala de um alvo preciso, como Darío (marido de Clara e que tinha por alvo o seu doutorado em neurologia em Barcelona, cidade na qual passou a viver uma vida burguesa), nem sequer uma mística como o novo Bernardo (livre do álcool e, agora, depois do novo, companheiro de Clara, que antes fora marido de Elisa). Talvez por isso a dramática complexidade da conjuntura histórica que lhes coubera por destino viver, no momento em que alcançavam sua maturidade vital e profissional, justificasse para ela todas aquelas decisões e as tornasse igualmente respeitáveis.
E, pensava, aquele devia ser o princípio básico da liberdade essencial da espécie que criara o universo social: o direito pessoal de respeitar as escolhas dos outros, a liberdade de ter voz e dizer o que se pensa (a favor ou contra), a exigência de que fossem aceitas as decisões de cada um, com um limite único e inviolável marcado pela fronteira onde a vontade de uns não se transformasse na falta de opção de outros, em que um bem individual ou social não derivasse no mal individual e social de outros. Isso era exigido pelos vetustos Dez mandamentos entregues no monte Sinai e pelo Contrato Social que regulava (ou pretendia regular) a lei do mais forte, a lei do mais poderoso e os protegia delas.
Tudo podia ser simples assim? Não, não era simples assim e pelo visto nunca seria. Porque sempre haveria outros, aqui ou ali, antes e agora, alegando que sua fé era a única verdadeira ou porque detinham o poder por causa de seu dinheiro, ou de sua força, ou de seu ódio, atacariam de uma trincheira ou de outra, de dentro ou de fora, quem não visse o mundo da mesma perspectiva. Sempre haveria os videntes encarregados de exigir que a sociedade se entendesse a partir de seu prisma ou que os demais fossem cegos, surdos, mudos. E esses supostos iluminados se dedicariam, como se dedicavam (aqui e ali, é claro), a agredir, macular, desqualificar os heterodoxos, a dividir o universo em certos e equivocados, em fiéis e traidores, em ganhadores e perdedores históricos.
Ao fim, sim, veja que coisa. Pois na verdade tudo era simples assim: ou você me segue e apoia, ou eu te ataco. Ou aceita o que eu digo, ou se condena com sua negação. Mais elementar ainda, maniqueísta, como dizia Bernardo: ou você está comigo, ou está contra mim, com a razão ou com a loucura, com o bem ou com o mal, com os tírios (cidade de Tiro) ou com os troianos. Aqui e também ali. A isso se chegara e, para os fundamentalismos dominantes entre os que estavam vivendo, os demais caminhos possíveis eram inconcebíveis, puramente inadmissíveis. Ser ou não ser: essa era a máxima que quase todos aplicavam, em todas as partes, para dominar os que constituíam o objeto de sua aplicação.
Dessa maneira inquietante, Clara o pensou e entendeu em 1996". As reflexões de Clara. Apenas para refletir. O itálico foi uma opção minha. Essas reflexões são encontradas nas páginas 325-326.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.