sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Jango conversa com João Vicente (12). 3. Reforma educacional.

Outra passagem marcante no livro Jango e eu - memórias de um exílio sem volta, de João Vicente Goulart, também contida no capítulo 7, - Uma nova vida, dia após dia, - fala sobre a educação. Jango manifesta, entre diálogos e afirmação de conceitos, o que ele pretendia fazer com a reforma do sistema educacional no país e com que pessoas ele contava para fazer esta transformação. As mudanças seriam em todos os níveis, desde um plano de alfabetização em massa, até a reforma da universidade. Queria uma educação, no mínimo, mais humana e mais solidária: Quem começa a contar é Jango:
O grande livro de memórias de João Vicente.

"Darcy Ribeiro junto com Paulo Freire e Anísio Teixeira, queria dar um sentido mais humanitário e coletivo à educação no Brasil, e propusemos, então, uma reforma educacional.

- Como assim, meu pai?
- Filho, a educação é o maior bem social que um governo pode legar ao seu povo. Queríamos que ela fosse um instrumento de luta e avanço social das classes menos favorecidas, para que pudessem ter mais chances e oportunidades iguais às dos abastados. Foi por isso que implantamos no meu governo a primeira universidade independente do Estado, a UNB, a fim de humanizar a educação no sentido social e coletivo, dando à universidade pública as mesmas capacidades tecnológicas, com investimentos acadêmicos do melhor quadro que existia no momento, para criar uma consciência de nação, de coletivo, de desenvolvimento social e de valores mais próximos do ser humano do que do lucro capitalista. E isso não nos perdoaram, por dar educação de primeira aos pobres e desamparados. O Paulo Freire é hoje um dos homens mais odiados pelos milicos brasileiros, talvez até mais do que eu.

Eu escutava com atenção o que meu pai falava, e, após uma breve pausa, ele continuou.
- Aqui tu estás tendo uma educação muito boa, aos moldes da enciclopedista francesa, que o Uruguai adotou há muito tempo, de excelente qualidade. No Brasil estão desqualificando a educação, transformando-a em um negócio. Além de a tratarem como uma mercadoria, querem adaptá-la aos seus interesses, forjando no aluno conceitos do maquiavelismo de mercado.
Não entendi muito bem o que ele queria dizer e perguntei, inocente:
- Mas, pai, pode-se vender educação?

- Não deveriam, mas é o que estão fazendo. É como se a educação fosse um produto vendido no mercado. No comércio de mercadorias, tu podes vender um cinzeiro de metal por um preço mais alto, porque esse metal o faria durar mais, mas também poderias vender bem mais barato um cinzeiro de plástico duro, que, com o passar do tempo, se deterioraria e não prestaria para mais nada. É mais ou menos isso que estão fazendo com a educação brasileira, fingindo que ensinam e ganhando dinheiro com isso" (Páginas 85-86). Isso me fez lembrar de Adorno e a sua teoria da semi formação.

Mais tarde, João Vicente volta ao tema. Agora, João Vicente e o pai estão na França, onde Jango se tratava com um cardiologista, na cidade de Lyon. Desta cidade partiram para Genebra, cidade onde Paulo Freire cumpria o seu exílio. João Vicente assim descreve o encontro.
Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro seriam os responsáveis pela reforma educacional.

"Ao anoitecer, recebemos uma ligação do hall do hotel avisando que Paulo Freire estava lá. Meu pai desceu imediatamente para ver seu velho amigo e eu desci em seguida. A conversa foi excelente, e eu fiquei encantado com a pessoa fantástica  que era o nosso grande educador. O que mais me impressionou foi sua capacidade de acreditar fielmente que era possível mudar as injustiças do mundo por meio da educação.

Meu pai e Paulo conversaram sobre o plano de alfabetização que queriam implantar no Brasil antes do golpe de 1964. Lembraram quando Jango o convidou para desenvolver o o Plano Nacional de Alfabetização usando seu método de conscientização de massas. Planejavam criar mais de 20 mil círculos de cultura e começaram a capacitação de mais de 6 mil coordenadores que iriam dirigir esses círculos. O plano iria alfabetizar mais de dois milhões de pessoas só em em 1964. Na época, havia 65 milhões de habitantes no Brasil, dos quais 15 milhões  eram analfabetos. Mais um projeto que a ditadura enterrou.

- Paulo, acho que a ditadura tem mais ódio de você do que de mim, pois você iria promover a conscientização de nosso povo por meio da reforma educacional. A reforma faria uma revolução - disse meu pai a ele" (página 181).

O livro é maravilhoso e já figura entre os meus favoritos na seleção que farei entre as leituras de 2017. Livro que - mais que recomendo. Leitura imprescindível para quem quer compreender este país e se engajar nas lutas pela sua transformação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.