quinta-feira, 9 de outubro de 2025

AS REFORMAS DE BASE. As razões da queda de João Goulart.

Acabo de ler o fantástico livro A oligarquia brasileira - Visão histórica, de Fábio Konder Comparato. Na contracapa do livro aparece uma frase, que representa uma espécie de síntese do livro e define quem compôs, ao longo de nossa história, esta oligarquia. "Não se trata, porém, daquela oligarquia tradicional, em que o poder supremo pertence exclusivamente à minoria de abastados, mas sim de uma coligação oligárquica, típica do capitalismo, na qual a classe rica permanece sempre unida aos principais agentes do Estado, ficando o povo à margem de todas as decisões".

A oligarquia brasileira. Visão histórica. Fábio Konder Comparato. Contracorrente. 2018.

Portanto, ao longo de toda a história do nosso Brasil, proprietários e agentes do Estado (governantes, instituição jurídica, Igreja (padroado), militares), sempre estiveram unidos na salvaguarda de seus interesses privados, em detrimento do bem coletivo. Nas raras vezes em que se rompeu esta aliança, as reações sempre foram rápidas, através dos golpes. As aspirações populares sempre foram sufocadas, especialmente pela força das armas.

A partir de 1930 ocorreram no Brasil mudanças bastante significativas, mesmo sem afetar esta permanente aliança. Por isso mesmo este período é de  grande instabilidade política. O período contém uma ditadura, a de Vargas sob o Estado Novo, e vai culminar em 1964 com o golpe empresarial-militar de interminável tempo de 21 anos (1964-1985), passando pelo suicídio de Vargas e pela instituição do regime parlamentar contra a posse de João Goulart, sob o regime presidencialista, em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros.

A finalidade deste post não é a de apresentar as causas, ou uma análise conjuntural que levaram ao golpe de 1964, mas sim, o de apresentar a intervenção das forças da aliança da oligarquia brasileira, exatamente para salvaguardar os seus interesses. Estes estavam ameaçados, quando um plebiscito popular restaurou o regime presidencialista, e Jango, agora governaria com os poderes de presidente restituídos. Antes de apresentar o texto de Fábio Konder Comparato, deixo um post sobre as reformas de base do presidente João Goulart. 

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2017/01/jango-conversa-com-joao-vicente-12-1.html

Agora vamos ao texto. "Entrementes, no curso de 1962, o Governo João Goulart divulgou o Plano Trienal, elaborado pelo economista Celso Furtado para combater a inflação e promover o desenvolvimento econômico. O plano incluía as chamadas reformas de base, a saber:

- Reforma agrária, incluindo a desapropriação das áreas rurais inexploradas ou exploradas contrariamente ao princípio da função social da propriedade, notadamente aquelas situadas às margens dos grandes eixos rodoviários e ferroviários, recebendo os proprietários expropriados, a título de indenização, títulos da dívida pública;

- Reforma educacional, visando a valorização do ensino público em todos os níveis e do combate ao analfabetismo, com aplicação do método idealizado por Paulo Freire;

- Reforma fiscal, com fundamento no princípio da tributação proporcional ao valor da base de cálculo; além da limitação da remessa de lucros ao exterior;

- Reforma eleitoral, mediante extensão do direito de voto aos analfabetos e aos militares de baixa patente;

- Reforma política, compreendendo a legalização do Partido Comunista Brasileiro;

- Reforma urbana, 'visando à justa utilização do solo urbano, à ordenação e ao equipamento das aglomerações urbanas e ao fornecimento de habitação condigna a todas as famílias';

- Reforma bancária, mediante ampliação do acesso ao crédito em favor dos produtores de bens;

- Nacionalização dos setores industriais de energia elétrica e químico-farmacêutico, bem como do refino de petróleo".

Cito um momento anterior. A abolição do regime monárquico após a abolição do regime da escravidão. Um golpe militar que derrubou a monarquia, em atendimento à elite cafeeira. Uma República nada pública. 

Cito também o momento presente. Há quanto tempo está tramitando na Câmara dos Deputados a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco mil reais. Em compensação, os super ricos, que integram a aliança oligárquica, devem arcar com a compensação da perda dessa arrecadação. Protelações e chantagens, é o que estamos vendo. E até hoje (29.09.2025), o projeto não foi votado.

Deixo também a resenha de um outro livro, que envolve o tema dos golpes contra a democracia. Trata-se de Utopia autoritária brasileira - Como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje, de Carlos Fico.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/09/utopia-autoritaria-brasileira-carlos.html

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

A OLIGARQUIA BRASILEIRA. Visão histórica. Fábio Konder Comparato.

Com toda certeza, este livro eu comprei por causa de seu autor. Fábio Konder Comparato é um dos meus santos. Um santo leigo, por óbvio. Também por óbvio, que o tema é de interesse fundamental, o tema da oligarquia, sempre tão presente em nossa história. Estou falando de A oligarquia brasileira - Visão histórica, de Fábio Konder Comparato. A idolatria ao meu santo leigo tem origem em outro livro seu.  Ética - Direito, moral e religião no mundo moderno.

A oligarquia brasileira - Visão histórica. Fábio Konder Comparato. Contracorrente. 2018.

Na brevíssima introdução ao livro lemos que, - para conhecer a nós mesmos,  bem como a sociedade em que vivemos, - precisamos conhecer as forças sociais dominantes que nos moldaram. Este é o teor do livro. Estudar as forças sociais dominantes, sempre presentes na formação da sociedade brasileira. Desde já podemos afirmar que elas sempre foram o entrelaçamento dos interesses dos grandes proprietários e os agentes do Estado. Isto nos é apresentado ao longo de 236 páginas, divididas em: Introdução, cinco capítulos e conclusão. Da conclusão eu tomo uma ideia mais precisa do livro:

"O objetivo do presente livro é (ou foi) demonstrar que este princípio fundamental da convivência humana (A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 - 'Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos') foi muito pouco respeitado na sociedade brasileira. Desde os primórdios da colonização portuguesa até hoje, nossos aborígenes têm sido tratados como seres inferiores, podendo ser escravizados, mortos e desalojados impunemente. Durante os três séculos e meio em que vigorou legalmente a escravidão no Brasil, os africanos para aqui trazidos foram considerados oficialmente como coisas e não como pessoas: não tendo, portanto, direito algum e sendo objeto de propriedade e posse. Embora abolida oficialmente em 1888, e em seguida definida como um crime, a escravidão continua a ser praticada ocultamente ainda hoje.

Da mesma sorte, a instituição não oficial dos latifúndios agrícolas como senhorios, atribuindo-se aos respectivos senhores poderes absolutos sobre todos os que neles viviam, inclusive os membros da família senhorial, perdurou no grande sertão até o século XX.

Tais práticas acabaram por consolidar na mentalidade coletiva a convicção, que continuamos a manter oculta, de que no Brasil nunca existiu uma sociedade una, mas a divisão permanente entre uma minoria que manda e tudo decide, e uma imensa maioria dos que 'nasceram para mandados e não para mandar', segundo a expressão camoniana.

Eis a razão pela qual o regime oligárquico sempre existiu entre nós como um fato natural, embora nunca reconhecido oficialmente. Não se trata, porém, daquela oligarquia tradicional em que o poder supremo pertence exclusivamente à minoria de abastados, mas sim de uma coligação oligárquica, típica do capitalismo, na qual a classe rica permanece sempre unida aos principais agentes do Estado, ficando o povo à margem de todas as decisões" (Páginas 227-228). Vamos agora aos capítulos:

Capítulo I. Os fatores estruturantes da sociedade brasileira. Uma verdadeira aula de introdução à teoria política: Relações de poder, a classificação histórica dos regime políticos a partir dos gregos, as relações de poder na sociedade brasileira expressos na mentalidade e nos costumes sociais. Essa mentalidade e os costumes sociais são apresentados em suas características: O privatismo, o personalismo, o predomínio dos sentimentos sobre as convicções racionais, a dissimulação de caráter e a duplicidade das instituições e o multissecular costume da corrupção no nível oligárquico.

Capítulo II. A herança lusitana. Outra impressionante aula sobre a análise dessa herança, com um fantástico poder de síntese. Eis as heranças: A. Concentração dos poderes de comando, com a ruptura das tradições feudo-vassálicas. O soberano absoluto. B. Precoce ascensão social da burguesia e acentuado espírito mercantil da aristocracia, do clero e do próprio monarca. Com as navegações, a rápida ascensão dos comerciantes. Em vez de nobres, clientes do Estado. C. Estreita aliança da monarquia com a igreja católica nos empreendimentos coloniais. A instituição do padroado e a legitimação da escravização. D. Cultura da personalidade e tibieza das formas de organização social. A absoluta prevalência dos interesses pessoais sobre os coletivos. E. Permanente supremacia do interesse privado sobre o bem público. A privatização do poder, especialmente, as instituições jurídicas. Estes dados são fundamentais para a explicitação dos capítulos seguintes. Eles formam a mentalidade dominante, impregnados nos costumes.

Capítulo III. A oligarquia colonial. A formação do poder oligárquico com o entrelaçamento entre os proprietários (capitanias e sesmarias) e os administradores do Estado. Esse entrelaçamento não mais será desfeito. O tráfico e o trabalho escravo. Caracterização dos agentes do Estado e do clero. A corporação militar.

Capítulo IV. O poder oligárquico no período imperial. A preservação da oligarquia colonial. 1824 e a Constituição liberal da Casa Grande. A formação da Guarda Nacional. A aliança entre fazendeiros e o imperador. Mauá e a contenção do desejo de industrialização. As medidas protelatórias da abolição do tráfico e da escravidão. A abolição e o fim do regime monárquico.

Capítulo V. A oligarquia republicana. O mais longo dos capítulos. Ele tem as seguintes subdivisões: A. A adoção de um falso regime republicano. Uma democracia sem povo. Soberania nacional e nunca a soberania popular. Um golpe militar. O positivismo. A questão social. As rebeliões e o fim da República velha. B. A "Era Vargas". Um forte capitalismo de Estado. Uma sociedade de massas, o rádio e as comunicações. O populismo. O Estado Novo. O sindicalismo sob controle do Estado. Leis trabalhistas que não afetam os interesses do latifúndio. As transformações provocadas pela 2ª Guerra Mundial. C. A reconstitucionalização do Estado e o interregno do governo Dutra. Um governo de empresários e o alinhamento aos Estados Unidos. Bipolaridade e Guerra Fria. D. O novo governo Vargas. Três bases: Nacionalismo; direitos trabalhistas e política externa independente. Planejamento das atividades econômicas. Petrobras - Eletrobras - BNDE. Turbulência militar - Ideologia da Segurança Nacional. E. O governo JK, ponto alto da eficiência oligárquica. Consenso. Plano de Metas: Energia, transporte, alimentação, indústrias de base, educação e construção de Brasília. Criação de conselhos para abrigar as oligarquias. A hostilidade da aeronáutica (Jacareacanga e Aragarças). 50 anos em 5. F. Os governos imediatamente posteriores a JK. O histrião Jânio Quadros. O populismo demagógico. A renúncia após sete meses. Jango. Brizola. O parlamentarismo. O Plano Trienal. As reformas de base. Cisões. O clima da Guerra Fria. G. O Golpe de Estado de 1964 e a instauração do regime empresarial-militar.  Empresários abraçam as Forças Armadas. Adesões da sociedade civil. Os Estados Unidos. AI-5. As mutilações da democracia. O milagre econômico.  Anistia. Os crimes conexos. H. O período posterior ao regime empresarial-militar. Sarney e a restauração oligárquica. Inflação e Planos Econômicos. Collor de Mello. Corrupção e cassação. Itamar Franco. Plano Real e o controle da inflação. O Governo FHC.  Globalização e privatizações. Consenso de Washington. Lula: um intruso no regime oligárquico. Sem preocupar as oligarquias. Carta aos brasileiros. Dilma e o impedimento pelo golpe parlamentar jurídico. Temer e a restauração da velha aliança com as oligarquias.

Conclusão. Um prognóstico sobre o futuro do Brasil. Uma espécie de proposições para debate. Qual será o futuro do Brasil sob a radicalização do capitalismo, na sua passagem para o capitalismo financeiro que substitui a produção pelo rentismo e a quarta Revolução Industrial, a chamada Revolução 4.0. Termina com uma última questão: Haverá alguma mudança na organização dos poderes em nossa sociedade. O desejo do autor está expresso no último parágrafo:

"Oxalá saibamos organizar, paralelamente aos partidos políticos, movimentos que abram a consciência do povo para a nossa realidade política, que sempre foi avessa aos princípios fundamentais da República, da Democracia e do Estado de Direito".

A parte final merece um destaque todo especial, a parte em que entra em cena o presidente Lula. Uma frase síntese dessa fase está inscrita no livro e sublinhada na contracapa: "Lula foi, efetivamente, o único chefe de Estado no Brasil escolhido fora do esquema oligárquico. Foi esta a única vez em que a coligação oligárquica, notadamente o empresariado e os principais partidos políticos, utilizando-se largamente de seu oligopólio dos meios de comunicação de massa, não souberam manipular o processo eleitoral em favor do candidato que haviam escolhido". 

O livro teve a sua primeira edição em 2017. Ele chega até a operação Lava jato. Não abrange, portanto, o governo Bolsonaro e a retomada do governo pelo presidente Lula, na eleição de 2022. Trata-se de um interessantíssimo livro de história, da história política do Brasil. Deveria ser livro de leitura obrigatória, no mínimo, para os professores da área. Deixo também a resenha de um livro que explica a Utopia autoritária brasileira - como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje. Há inúmeras razões.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/09/utopia-autoritaria-brasileira-carlos.html

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

A Fenomenologia Negra de Fanon. Ivo Queiroz & Ericson Falabretti.

Num de nossos já costumeiros almoços no São Francisco, recebo um presente da Suzi, uma das diretoras da DROPS EDITORA, o livro - A fenomenologia Negra de Fanon. Na capa constam como autores do livro Ivo Queiroz e Ericson Falabretti. Na verdade, o livro é o trabalho de pós doutorado de Ivo Pereira de Queiroz, sob a orientação de Ericson Falabretti. E como falamos dos autores, vamos a uma apresentação sua, contida na orelha da contracapa do livro.

A fenomenologia negra de Fanon. Ivo Queiroz e Ericson Falabretti. Kotter Editorial. 2025.

Ericson Falabretti é professor do curso e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCPR. Pró- reitor de Desenvolvimento Educacional da universidade, é membro do GT de Filosofia da ANPOF. Pesquisa e orienta mestrados e doutorados nas áreas de Filosofia Política e Fenomenologia.

Ivo Pereira de Queiroz é professor aposentado da UTFPR, onde é membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas - NEABI e da Seção Sindical dos Docentes da UTFPR - Sindutfpr. Permanece aprendiz de filosofia por meio dos livros, da vida e das rodas de samba, no Samba do/a Compositor/a Paranaense e do Samba do Sindicatis, pelas quebradas de Curitiba.

Como o título do livro nos indica, dois temas são fundamentais: A fenomenologia e Frantz Fanon. Nunca estudei sistemática e metodicamente a fenomenologia. Já Frantz Fanon me é um pouco mais familiar, pelos estudos da descolonização, da luta pela libertação da Argélia e pela leitura de seu maravilhoso livro Os condenados da Terra

Como se trata de um livro acadêmico, um trabalho de pós doutorado, de alta densidade teórica, não vou me aventurar em uma resenha. Me limitarei a uma pequena apresentação do trabalho, daqueles elementos que numa leitura mais simples, mais me chamaram a atenção, ressaltando antes, a importância e a atualidade do tema, corroborada num poema, de autoria do próprio Ivo, como uma espécie de epígrafe - VIDAS NEGRAS IMPORTAM.

O que eu tenho a ressaltar foi o fio condutor do trabalho. Uma superação do conceito cartesiano da divisão do ser humano em corpo e mente, numa visão mecânica de partes separadas e que não interagem. Essa superação se deu pelos estudos da fenomenologia, destacando os trabalhos de Husserl e Merleau-Ponty, de Sartre e de Martin Heidegger. Merleau-Ponty foi professor de Fanon, em seu tempo de formação na Universidade de Lion. Fanon também teve fortes influências de um conterrâneo seu, Aimé Césaire, especialmente, sobre o tema do colonialismo e seus males. Césaire e Fanon nasceram na ilha de Martinica, no mar caribenho. Era um Departamento Ultramarino francês e, ainda hoje, integra As Índias Ocidentais Francesas. Tem uma população de aproximadamente 400 mil habitantes.

Fanon tornou-se médico e atuou no campo da psiquiatria. A exerceu profissionalmente na Argélia, mas por pouco tempo, por ter se integrado na luta pela emancipação do país, sendo um de seus principais teóricos. No seu livro Os condenados da Terra, ele conta, tanto da sua experiência como psiquiatra, denunciando os males do colonialismo/racismo, tanto sobre o colonizador, quanto sobre o colonizado, quanto do seu engajamento na luta pela emancipação da Argélia (1954-1962). Fanon nasceu na Martinica (1925) e morreu precocemente (aos 36 anos) nos Estados Unidos (1961), onde procurou tratamento para a cura da leucemia que o acometera. Neste mesmo ano de 1961 também é publicado seu livro Os condenados da Terra.

Mas vamos à orelha da capa, para ver a trajetória percorrida na elaboração deste trabalho: "Esta fenomenologia negra de Fanon é o resultado do reencontro intelectual de dois amigos que, durante quatro anos, desenvolveram diálogos sobre as leituras de textos de Frantz Fanon à luz da fenomenologia e da ancestralidade africana. Este livro é o registro do aprendizado alcançado nesta convivência e nos chega como celebração do centenário de nascimento de Fanon (1929 - 2025).

O livro repercute reflexões e categorias desenvolvidas por Fanon, situando-as no contexto dos debates fenomenológicos e levantando articulações, com o enfrentamento do racismo no momento presente. Neste sentido, são apontadas aproximações com a filosofia afrobrasileira e do encantamento, evocando gentes conhecidas e anônimas da filosofia e do samba. Assim, além de Fanon, Merleau-Ponty, Husserl, Sartre e Marx, temos felizes companhias de Adibênia Freire Machado, Eduardo Oliveira, Renato Nogueira, Ailton Krenac, Nego Bispo e o povo do samba: Janaína Queiroz, Cláudio P, Léo Fé e o multiartista Jonas Lopes que leu Pele negra - máscaras brancas e criou a capa deste livro, presenteando-nos com um Fanon enorme, em cujo rosto a máscara branca não cabe".

O livro, de 238 páginas, contém cinco capítulos como o corpo principal, além de apresentação, introdução, considerações finais e bibliografia. Na introdução é apresentada a vida, os métodos e os escritos de Fanon. Já os capítulos, eu apresento seus títulos e subtítulos: 1. As vidas que importam: do esquema corporal ao esquematismo epidérmico: Humanismo seletivo - Do corpo objeto ao corpo próprio - O corpo objeto - O corpo próprio - Esquema corporal - Reversibilidade - Intercorporeidade - O esquematismo epidérmico - Esquematismo epidérmico-racial e o desaparecimento do esquema corporal - Racismo e cultura.

2. O esquematismo epidérmico e a linguagem: Merleau-Ponty: A linguagem no mundo da vida e a experiência da fala - Fanon e o esquematismo epidérmico-linguístico. 3. Tempos de violência: As formas da violência - Violência atmosférica - Violência atmosférica na Argélia - O reconhecimento como não violência.

4. Do esquematismo epidérmico ao humanismo não essencialista: Esquematismo epidérmico e as duas metafísicas - Tomada de consciência e engajamento - Da desobediência aos esquemas epidérmicos - Novo humanismo. 5. Filosofia da tecnologia afrodiaspórica: Reflexividade radical sobre o ser negro - Parâmetros culturais africanos à luz do ser, do agir e do fazer - A dinâmica afrodiaspórica: negação do ser versus corpos em movimento - A opção fundamental do agir e do fazer afrodiaspórico - Os modos de ser do pensar e do fazer tecnológico: ancestralidade ocidentocêntrica e condição afrodiaspórica.

Eu destacaria ainda a questão do humanismo, deste humanismo seletivo, deste humanismo eurocêntrico. A primeira vez em que eu me deparei com este conceito foi através da obra de Alejo Carpentier - O século das luzes e Necropolítica, de Achile Mbembe. Os princípios do humanismo, de liberdade e de igualdade, pregados pelo iluminismo, foram postos à prova com a independência do Haiti, em 1804. Esses princípios seriam válidos apenas para os brancos europeus e não para os povos colonizados e escravizados das colônias africanas, americanas e asiáticas.

Ao longo da leitura também me lembrei muito de Paulo Freire. Do Paulo Freire do exílio e trabalhando para o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) em Genebra. Talvez esta seja uma das partes menos conhecidas da vida de Paulo Freire, mas das mais importantes, quando ele foi orientador na elaboração de práticas pedagógicas para as antigas colônias africanas de língua portuguesa, agora, países libertos, independentes. Paulo Freire, neste seu trabalho, muito levou em conta a vida e a obra de Frantz Fanon. Uma revolução na pedagogia desses países.

Deixo ainda a parte final do trabalho, seguramente palavras de alento: "O esquematismo epidérmico se manifesta nos antigos e novos discursos de ódio e morte, proclamados por supremacistas, sejam eles remanescentes de velhos tempos ou emergentes em novas formas.

O colonialismo é a sementeira da tristeza. O pai de todos os clubes melancólicos da humanidade narcísica.

Enquanto não retomarmos, através de uma luta ativa no campo do Lebenswelt político, a ancestralidade originária dos corpos e a amorosidade radical da vida, fonte do encantamento e das confluências que desembocam na festa. na alegria e na vontade de viver, o racismo continuará a subsistir triunfante como um pilar central de antigas e novas formas de desumanização, calvário e domesticação".

Deixo ainda com vocês, a resenha de Os condenados da Terra.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/03/os-condenados-da-terra-frantz-fanon.html


terça-feira, 23 de setembro de 2025

SATIRCON. PETRÔNIO.

Recentemente reli o belo romance de Scott Fitzgerald, O grande Gatsby. No livro que li, da coleção Clássicos, da Penguin & Companhia, há uma introdução, de Tony Tanner, que começa assim: "De início, não era para se chamar O grande Gatsby. Numa carta [...] Fitzgerald escreveu: 'Decidi que vou insistir com o título que dei ao livro - Trimalchio em West Egg'". Logo depois especifica quem foi este tal de Trimálchio. "Trimálquio é o novo-rico vulgar e de imensa fortuna do Satyricon, de Petrônio; um mestre das alegrias gastronômicas e sexuais que oferece um banquete de luxo inimaginável, do qual indiscutivelmente participa - ao contrário de Gatsby, que é um espectador sóbrio e isolado das próprias festas".

Satiricon. Petrônio. Abril Cultural. 1981. Tradução: Marcos Satarrita.

Isso me bastou para ir a um sebo e procurar pelo livro, o que se tornou uma tarefa muito fácil. O que tenho em mãos? Um livro escrito por um romano, do século I, por volta do ano 60, já depois de Cristo. Seu título é Satiricon, numa referência absolutamente precisa à sátira, o principal componente do livro. Uma sátira aos hábitos, costumes e crenças da época. Como a sátira é vizinha da comédia, podemos dizer que se trata de uma comédia satírica, com um particular a acrescentar. Roma vivia sob as barbas do imperador Nero. Muita Gula e muita volúpia, ou luxúria, se preferirem essa palavra. É tido como um dos primeiros romances da história. Ele mistura a narrativa à poesia.

Não há uma sequência lógica. Vejamos a apresentação do autor e do livro em suas orelhas: "Romano do século I, d. C., Petrônio viveu na corte do imperador Nero, distinguindo-se como governador da Bitínia e cônsul. Famoso pelo comportamento hedonista e pelo gosto requintado, recebeu o título não oficial de árbitro da elegância. Satiricon, a primeira novela da Europa Ocidental, é hoje identificada com esse Petrônio - poeta de talento e homem voluptuoso, segundo a descrição do historiador Tácito. O clima da obra, além de outras evidências, sugere claramente o período neroniano e nos faz duvidar de que dois homens com o mesmo nome e o mesmo caráter bizarro possam ter vivido exatamente na mesma época. Em Satiricon - talvez um décimo da obra completa - o autor relata, de maneira burlesca e amoral, a vida errante e as façanhas de um trio de aventureiros: o narrador Encólpio, seu amigo (ou nem tanto) Ascilto e o garoto Gitão. Uma enorme quantidade de contos e de variados estilos formam a estrutura livre e desconexa da narrativa. Há passagens, por exemplo, em que se misturam a prosa e o verso, além das digressões onde o autor expõe suas próprias opiniões, sem muita ligação com o enredo de uma maneira geral. Petrônio morreu no ano 66 d. C., quando, acusado de conspiração contra o imperador, foi obrigado a cometer suicídio, cortando os pulsos. A obra de Petrônio serviu de inspiração ao filme Satiricon, levado às telas, em 1969, pelo diretor italiano Federico Fellini".

Eu consegui ver na obra, quatro partes mais ou menos aglutinadas: A primeira é a festa, ou o banquete oferecido aos três jovens e demais convidados pelo abastado Trimálquio. Comida, bebida e luxúria se complementam. Bem ao estilo dos romanos. Uma segunda, em que os três encontram Eumolpo e se refugiam num navio, comandado por antigos desafetos. Intrigas, traquinagens e algumas safadezas se misturam. A terceira, toda escrita em versos, tem por título - Guerra Civil. São poemas em louvor a heróis do passado e de exaltação ao patriotismo, além de lamentos pela situação em que se encontra a humanidade. Finalmente, mais uma vez os três, mais Eumolpo, se encontram em Crotona. De novo, riqueza fácil, mulheres licenciosas, luxúria e ciúmes formam o enredo. Também, ao longo de todo o livro, Encólpio e Ascilto disputam os favores sexuais do garoto Giton. O livro tem 141 capítulos, sempre em torno de uma página, ou um pouco mais. Ao todo são 208 páginas.

Eu grifei algumas passagens: A primeira é sensacional. Lembra demais a safadeza e a sacanagem dos dias atuais. As artimanhas para se aproximar, especialmente, de pessoas inocentes. Encólpio explica a razão pela qual se hospedaria numa casa: "Escolhi-a para alojar-me não tanto pelo conforto das acomodações, como pela maravilhosa beleza do filho do dono. Recorri a esse expediente para que o bom pai não suspeitasse da viva paixão que o garoto me inspirava. Assim, todas as vezes em que se abordava, à mesa, a questão do amor delicado por certos homens a rapazes bonitos, eu me expandia em invectivas tão violentas contra esse infame costume, pedia de modo tão severo que poupassem meus ouvidos de tais conversas obscenas, que todos, sobretudo a mãe de meu amiguinho, me encaravam como um dos sete sábios" (Página 113). Olha, eu sei em quem vocês estão pensando!

A segunda é em verso e fala da decadência dos Estados Unidos, opa, desculpe, de Roma:  

"Ademais, o povo afunda no duplo lodaçal
Da horrenda usura e dos débitos devoradores.
Não há um lar a salvo, nenhuma alma livre
Da hipoteca; a lenta decadência medra
Em silêncio no coração, e logo se alastra impiedosa
Pelos membros em grande alarido. Os romanos
Recorrem às armas, como desesperados,
E procuram agora, nas feridas abertas,
Os bens que dissiparam na luxúria. Imersa nessa torpeza,
Nesse sono doente, que remédio poderia despertar Roma,
Senão o terror, a guerra e o aço lascivo?" (Página 167).

E, se por acaso, alguém tiver necessidade de uma oração para Priapo, o filho de Afrodite e Dionísio, aqui vai a súplica de Encólpio, diante de um estado de impotência: "- Amigo das ninfas e de Baco, eleito por Diana, a bela, para deus das florestas abundantes, adorado em Lesbos e na verde Tasos, pela Lídia dos sete rios, que construiu para ti um templo em Hipepa: vem, ó mestre de Baco, guardião dos prazeres das dríades, e ouve minha modesta prece. Não me aproximo de ti coberto de amargo sangue, nem ergui mãos profanas contra um templo, mas necessitado e desvalido eu pequei, porém não com todo o meu corpo. O homem que peca por deficiência é menos culposo. Ouve minha prece, eleva meu coração, perdoa minha leve ofensa, e quando a fortuna, em sua hora, me servir de novo, tua mercê não ficará sem recompensa. A teu altar virá uma cabra de chifres, a melhor de seu rebanho, a teu altar virá uma ninhada de pequenos porcos, à mãe roubados. O vinho deste ano espumará nas taças, e a juventude ébria circundará por três vezes, alegre, o teu templo" (Página 191).

Na contracapa temos uma informação interessante: "No primeiro romance realista da literatura universal, um quadro detalhado da vida cotidiana de Roma no século I d. C. As orgias e os pantagruélicos banquetes de uma nova classe em ascensão: a dos escravos libertos". Enfim, um agradável mergulho no primeiro século (d. C.) da Roma depravada e devassa.



quinta-feira, 11 de setembro de 2025

UTOPIA AUTORITÁRIA BRASILEIRA. Carlos Fico.

Um livro simplesmente extraordinário. Mais atual, impossível! Estou me referindo ao Utopia autoritária brasileira - Como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje, do renomado e rigoroso historiador, Carlos Fico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Um relato histórico denso e rigoroso, acompanhando a interferência dos militares na política brasileira, desde os tempos que antecederam a proclamação da República, até a instauração da ditadura civil-militar de 1964. Na conclusão, algumas incursões sobre o momento atual da política brasileira, momento ímpar, em que militares estão sendo julgados pela Poder Judiciário, um fato inédito em nossa história.

Utopia autoritária brasileira. Carlos Fico. Crítica. 2025.

Num dos primeiros parágrafos, na apresentação do livro, o autor nos afirma categoricamente que "O Exército brasileiro sempre desrespeitou a democracia. As Forças Armadas violaram todas as constituições da República. Rebeliões contra decisões legítimas: sublevações motivadas por corporativismo; golpes de Estado e tentativas de golpe. Indisciplina e subversão marcam a trajetória dos militares no Brasil. Eles foram responsáveis por todas as crises institucionais do país desde a Proclamação da República e jamais foram efetivamente punidos. Esse intervencionismo militar expressa a fragilidade institucional da democracia brasileira até hoje - como ficou evidente nos anos recentes" (Página 8).

A comprovação dessa afirmação é o teor do longo livro do historiador. Ao todo ele tem 448 páginas, sendo as primeiras 379 dedicadas à análise dos fatos e as restantes, à bibliografia e notas das fontes trabalhadas. Vamos a um esboço, ou sumário do livro. Os capítulos não são numerados, mas são oito no total, mais a apresentação, conclusão, bibliografia e notas. Vejamos os capítulos e os seus tópicos: Vou enumerá-los: Capítulo I. Deposição de Pedro II: "Banco aceita transação". A guerra e o ressentimento contra os civis. Questão militar. O pecado original da República. Predomínio militar na nova Constituição. Capítulo II. A mocidade militar se revolta: Um golpe militar durante a Revolta da Vacina. A revolta da escola da Praia Vermelha. Punição e anistia.

Capítulo III. Fraudes, indignação e voluntarismo militar: Em busca da verdade eleitoral. O tenentismo. A glorificação dos tenentes. A "Reação Republicana" e as cartas falsas. 1922: tentativa de golpe no Rio de Janeiro. 1924: tentativa de golpe em São Paulo. Capítulo IV. Militares, revolução e ditadura: A deposição de Washington Luís. O autogolpe do Estado Novo. 1945: Deposição de Getúlio Vargas. Capítulo V. Cinco presidentes e dois golpes: General democrata ou sedicioso. O segundo governo Vargas. Contra a posse dos eleitos. Duplo golpe.

Capítulo VI. Voos turbulentos: Militarismo na aeronáutica. Jacareacanga. Aragarças. Capítulo VII. O pior da história do Brasil: A renúncia inesperada. Veto militar e imposição do parlamentarismo. Capítulo VIII. Deposição de João Goulart: Uma memória controvertida. Desestabilização e conspiração. Antecedentes. O golpe de 1964.

Depois da explanação desses temas, ainda no primeiro parágrafo da conclusão lemos: "Neste livro, eu quis enfatizar a obviedade de que o intervencionismo militar por meio de pronunciamentos, golpes e tentativas de golpes se fundamenta na força das armas. Não se constitui apenas em ação política equívoca, mas no recurso à violência contra aqueles que confiaram aos militares a defesa da nação. É um crime grave" (Página 367). Depois o autor afirma que essas intervenções sempre foram encobertas pelo mito da "história incruenta", isto é, sempre ocorreram sem o derramamento do "sangue generoso do povo brasileiro", para a seguir afirmar: 

"Entretanto, descrevi uma série de episódios em que houve confronto armado: nas fracassadas tentativas de golpe de 1904, 1922 e 1924; na vitoriosa mobilização de 1930 e nas duas tentativas malsucedidas contra JK em 1956 e 1959. Além disso, embora não tenha havido confronto, houve movimentação de tropas na Proclamação da República, nas deposições de Vargas, durante os golpes de Lott, no pronunciamento de 1961 e no golpe de 1964" (Página 368). No dizer de Eduardo Gomes a justificativa era a regeneração dos costumes políticos. 

Qual seria a origem desse espírito de intervenção, uma espécie de poder moderador permanente atribuído às Forças Armadas, presente em todas as Constituições brasileiras? Já na Constituição de 1891 estava inscrito, sob a influência de Rui Barbosa, que o Exército devia ser "respeitável e respeitado dentro dos limites da lei". Isto é: se os governantes transgredissem a lei, as Forças Armadas teriam o direito de intervir. Convenhamos, um princípio totalmente subjetivo. Isto ainda está presente na Constituição de 1988, por uma cláusula inegociável, segundo o autor, no confuso artigo 142. Pela sua importância, no atual momento, eu o nomino em seu caput: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem". Espaço para a famosa GLO.

E o título: Utopia autoritária. O autor assim o explica: "Tendo estudado os diversos aspectos da ditadura militar nos últimos trinta anos, desenvolvi algumas hipóteses. Creio que a principal foi a que eu chamei de utopia autoritária: o entendimento militar de que os problemas brasileiros seriam superados e o Brasil se tornaria uma 'grande potência' na medida em que fossem eliminados os obstáculos - chamados de 'óbices' pelos militares - que impediriam essa ascensão. Os principais seriam  a 'subversão comunista' e a 'corrupção dos políticos" (Página 377). A eliminação destes óbices gerou a chamada "linha dura" e justificou a censura, a tortura e as medidas excepcionais. As chamadas medidas "saneadoras". Nisso tudo também havia uma "dimensão pedagógica", assim descrita: "Em sua dimensão 'pedagógica', tal utopia considerava que os brasileiros eram despreparados e seria preciso educá-los, o que se verificava muito claramente, por exemplo, na propaganda política da ditadura, na censura das diversões públicas ou nas disciplinas de 'moral e cívica' que havia no período. Uma pedagogia obviamente autoritária" (Página 378).

E qual seria a utopia que almejavam construir? Quais seriam as suas perspectivas? "Ambas as dimensões compartilhavam, entretanto, algo fundamental: o futuro grandioso do "Brasil Potência" justificaria eventuais rupturas constitucionais, desde as ilegalidades criminosas e brutais praticadas pelos órgãos de repressão até os desvios menos notáveis, mas igualmente ilegais, da tentativa de doutrinação ideológica feita pela propaganda política ou da 'proteção' da sociedade com a censura moral que coibia 'abusos' como a nudez e o palavrão" (Página 378). Vejamos mais um parágrafo:

"Essa hipótese analítica orientou meus estudos sobre a ditadura militar. Entretanto, quando analisamos o período anterior e posterior, verificamos que aspectos dessa utopia autoritária têm longa duração e são persistentes. É o caso, por exemplo, da visão elitista do 'povo despreparado' e da classe simplista de que a corrupção é a causa fundamental de nossos males. De acordo com a perspectiva autoritária, se o povo é despreparado e o sistema político está comprometido, os desvios da Constituição se justificam, sendo o principal a tentativa de tomada do poder pela violência, o golpe de Estado, para o qual as Forças Armadas são indispensáveis. Note-se que muitos outros indícios de leniência com a ruptura da legalidade constitucional poderiam ser elencados, mas isso daria outro Livro" (Página 379).

Outro livro, com certeza, mas que o autor não está predisposto a escrever. Ele afirma que Utopia autoritária brasileira é o seu último livro. Uma pena, se ele cumprir ao que se propõe. Quanto a importância do livro, creio que todos já a perceberam. Vejamos ainda a orelha da capa:

"Neste que considera o último livro de sua carreira, o premiado historiador Carlos Fico examina, com rigor e profundidade, as principais intervenções militares que moldaram a história do Brasil: da Proclamação da República, em 1889, ao golpe de 1964, chegando ao intervencionismo militar dos anos recentes. Além de reconstruir esses momentos críticos, o autor desmonta a crença equivocada de que as Forças Armadas seriam as mais qualificadas para atuar como um  Poder Moderador republicano, à semelhança da prerrogativa imperial prevista na Constituição de 1824.

Utopia autoritária brasileira resgata, em ordem cronológica, mais de uma dezena de golpes e tentativas de golpes desde a proclamação, investigando os padrões recorrentes do intervencionismo militar: Ao longo dos capítulos, personagens reaparecem em diferentes momentos da história - golpistas persistentes, legalistas que mudam de lado, juristas coniventes - compondo um retrato multifacetado da política brasileira. Embora explore a 'melancólica trajetória nacional', como define o autor, esta obra cativante fascina a todos que se preocupam com os rumos do país". Nunca houve um momento tão oportuno, tanto para a publicação, quanto para a leitura desse livro, como o momento atual. 

Eu também tenho uma outra proposta de leitura. Ela versa sobre a ideologia que impregna as Forças Armadas, especialmente após a sua participação na Segunda Guerra Mundial, sob o comando dos Estados Unidos. É A ideologia da Segurança Nacional, do padre belga, Joseph Comblin.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2020/11/a-ideologia-da-seguranca-nacional-padre.html

ADENDO: DIA 11 de setembro de 2025. 15horas e quarenta e um minutos. A ministra Carmen Lúcia sela o destino de Jair Bolsonaro e seus asseclas golpistas. CONDENADOS. Inédito na história do país como lemos nesse magnífico livro. Que coincidência!. Publiquei o post no dia da condenação.


 

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

MORTE DE UM DISSIDENTE. O envenenamento de A. Litvinenko e a volta da KGB.

Mais um dos livros que ficou à espera de leitura por um bom tempo. Quase quinze anos. Comprei-o no ano de 2011, em promoção. O tema e a confiabilidade na editora certamente moveram a compra. Trata-se de Morte de um dissidente. O envenenamento de Alexander Litvineko (Sacha) e a volta da KGB. Os autores são Alex Goldfaber e Marina Litvinenko, sendo essa a esposa do morto, num dos muitos assassinatos atribuídos a Putin, ao seu grupo instalado no Kremlin. O crime aconteceu em Londres, em fevereiro de 2007.

Morte de um dissidente. Alex Goldfarb e Marina Litvinenko. Companhia das Letras. 2007


Este assassinato por envenenamento serve de pretexto para examinar a política da Rússia, após o esfacelamento da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Assim os temas centrais são a ascensão de Boris Iéltsin ao poder e as reformas de Estado por ele praticadas, a atuação das antigas instituições do Estado, especialmente as ligadas as investigações, como a KGB, agora respondendo sob a sigla de FSB e especialmente a sucessão de Iétsin, com a passagem do poder a Vladimir Putin, um antigo membro da KGB, a tão temida KGB, e, como nos sugere o subtítulo do livro, a sua volta aos círculos do poder. Os fatos relatados vão até fevereiro de 2007. 2007 é também o ano da publicação do livro, um lançamento certamente mundial, uma vez que a edição brasileira também é desta data.

Uma frase fantástica sintetiza bem o que foi esta passagem de poder. Ela foi retirada de uma reportagem da revista Time, que "comparou o confronto entre Putin e Boris Berezovski ao de Stalin com Trótski". O título do livro nos dá a posição do mote da dissidência. Litvichenko (mais tratado pelo apelido - Sacha) também foi um integrante da antiga KGB, mas adversária de Putin. Alex Goldarb, o autor, também pertencia ao grupo dissidente, uma vez que estava umbilicalmente ligado a Berezovski. Mas o tema que mais espaço ocupa no livro é o dos conflitos da guerra com a Tchetchênia, tão comentada na época e ao mesmo tempo, muito pouco conhecida. Ela merece um olhar mais particular. Ela é também a grande marca dos personagens deste livro. Vejamos:

"De uma forma ou de outra, a guerra na Tchetchênia tornou-se o contexto definidor da vida de Sacha e Marina, de Boris e Putin, de Akhmed Zakaiev, minha, e de todos que faziam parte dos nossos círculos coletivos. A Tchetchênia foi o cemitério da democracia russa e o motivo final que levou a Rússia a se afastar do Ocidente. O confronto de Boris com o Partido da Guerra e seus conflitos com o FSB, que arrastaram Sacha para o torvelinho das lutas pelo poder no Kremlin, começaram com a Tchetchênia. Para Putin, a Tchetchênia passou a ser uma interminável disputa de judô e a liga que cimentou sua destrutiva relação de dependência com George Bush" (Página 361). Para compreender bem esta situação, vejamos mais alguma coisa.

A Tchetchênia hoje integra a Federação Russa, mas mantém um forte sentimento de autonomia. Os conflitos tem sua origem na desintegração do Império Soviético. Houve duas guerras. A primeira, entre 1994 e 1996 e a segunda, na verdade, uma continuação da primeira, entre 1999 e 2009. Ela tem apenas 1,5 milhão de pessoas, sendo que a maioria pratica o credo muçulmano. São uma província autônoma, com Constituição e idioma próprios. Se situa na região do Cáucaso e a sua importância é enorme, devido aos dutos de petróleo e gás, que ligam o Mar Cáspio ao Mar Negro, donde atingem os mercados globais. A região, ainda hoje não está inteiramente pacificada. Persistem os movimentos de guerrilha. A atuação da FSB, mais contribuiu para agravar os problemas do que para pacificar a região. É, "o cemitério da democracia".

O livro está dividido em cinco partes e quinze capítulos. As partes são: I. Como se faz um dissidente (Sacha); II. Briga pelo Kremlin (A sucessão de Ieltsin entre Boris Berezovski e Putin e o posicionamento do Ocidente); III. Os tambores da guerra (Tchetchênia); IV. Como se faz um presidente (À moda russa). Putim emerge dos quadros da KGB; V. A volta da KGB (As transformações de Putin no Poder). Alex Goldfarb, o co-autor, em nota do autor, nos adverte: "Esta é uma história sobre a vida e a morte de um homem, mas é também uma narrativa de eventos históricos e de realizações e iniquidades de líderes mundiais". Destaca que são testemunhos seus, baseados em fatos e que "A verdade final pode ser revelada pela História".

O livro cresce em suspense ao seu final, com a narrativa do envenenamento de Sacha, em Londres. Venenos radioativos que provocam morte lenta. O último capítulo é sobre as investigações. O autor implica este assassinato às forças do Estado, por implicações óbvias. A sofisticação e o acesso ao veneno, apenas seria possível às forças do Estado. O Estado terrorista é uma das marcas do livro. Os atos maldosos e de terror, são sempre praticados pelo FSB, mas sempre recaem, ou são atribuídos aos opositores. Leitura atraente e que flui espontaneamente.

Vejamos a contracapa: "Em 2006, o dissidente russo Alexander Litvinenko (Sacha) foi envenenado e, diante das câmeras do mundo todo, anunciou que o responsável era ninguém menos que o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Morte de um dissidente é a história desse crime, típico dos tempos da KGB, e também um retrato detalhado da Rússia atual, de sua nova dinâmica política e da subida de Putin ao poder.

Quem narra o caso é o ativista (e também dissidente) Alex Goldfarb, que ajudou Litvinenko a fugir da Rússia e cujas relações com o magnata Boris Berezovski - um dos protagonistas desta intrincada trama de espionagem - resultam num ponto de vista único dos acontecimentos, com a colaboração de Marina Litvinenko, viúva do espião, o que Goldfarb oferece neste verdadeiro Thriller político é uma visão privilegiada dos motivos que levaram a esse crime". 

Mas, o que Litvinenko anunciou em seu leito de morte? Ele ditou o seguinte:"... Por isso, acho que chegou a hora de dizer uma ou duas coisas ao responsável por esta minha doença.

Talvez o senhor consiga me silenciar, mas esse silêncio tem um preço. O senhor mostrou que é tão bárbaro e implacável quanto afirmam os seus críticos mais ferozes. Mostrou que não tem respeito pela vida, nem pela liberdade, nem por nenhum valor civilizado. Mostrou-se indigno do seu cargo, indigno da confiança de homens e mulheres civilizados.

Talvez o senhor consiga silenciar um homem. Mas um urro de protesto, no mundo todo, há de reverberar em seus ouvidos, sr. Putin, pelo resto de sua vida.

Que Deus perdoe o que o senhor fez, não só a mim, como também à amada Rússia e ao seu povo" (Páginas 413-4).

Putin reagiu falando da insignificância do assassinado. E o povo russo se dividiu sobre Litvinenko, entre o herói dissidente ou o traidor da pátria russa. Essa última versão é a que predominou. 








quarta-feira, 27 de agosto de 2025

O TIRANO. Valério Mássimo Manfredi.

A vez continua sendo a dos livros não lidos, encontrados em minha biblioteca. Desta vez a escolha recaiu sobre um livro maravilhoso e, pelas atuais circunstâncias históricas, extremamente atual. Trata-se de O Tirano, do professor italiano Valério Mássimo Manfredi. O cenário do livro é a fantástica ilha italiana da Sicília, ou a Trinácria, o seu nome original do tempo dos gregos. A cidade é a de Siracusa e o Tirano é Dionísio. Muita história para contar. Vamos a primeira dica, a da contracapa: 

O Tirano. Valério Massimo Manfredi. Rocco. 2005. Tradução: Mário Fondelli.

"Sicília, 412 a.C., começa o duelo infinito entre um homem e uma superpotência. O homem é Dionísio de Siracusa. A superpotência é Cartago, dona dos mares e megalópole mercantil. Com pouco mais de vinte anos, Dionísio, nas fileiras do exército siracusano, é forçado a testemunhar o pavoroso massacre de Selinunte devido às indecisões do governo democrático. A indignação e a raiva alimentam nele três férreas convicções. As democracias são ineficientes. Os cartagineses são os inimigos mortais do helenismo e precisam ser escorraçadas da Sicília. O único homem capaz de levar a cabo tal façanha é ele próprio".

O livro se estende por 31 capítulos, ao longo de 330 páginas. Mas antes um pouco de história. Observemos a data acima citada: 412 a.C.. A hegemonia grega já estava consolidada, após a sua vitória nas guerras médicas, as guerras contra os persas. Atenas era a mais importante das cidades, mas viu o seu poder ser contestado por outras cidades, fato que ocasionou as chamadas guerras do Peloponeso,  que terminaram com a vitória de Esparta e depois de Tebas. Em Atenas dominava a democracia. Na filosofia, o grande fato foi o julgamento e a condenação à morte de Sócrates, no ano de 399 a.C. e a ascendência de Platão, que inclusive tem os seus incidentes em Siracusa, como veremos. No teatro ainda se vivia o grande momento da tragédia.

Na Sicília havia várias cidades sob a influência da cultura grega, embora o fenômeno do helenismo propriamente dito, viria apenas lá adiante, junto com as conquistas de Alexandre Magno. A cidade dominante da cultura grega, que inclusive vivia o fenômeno da democracia, era Siracusa, mas também se destacava Agrigento, com o seu famoso Vale dos Templos. Já a disputa pelo domínio da Sicília, ou seja, a grande rival de Siracusa, era a cidade de Cartago (hoje nas proximidades de Túnis, a capital da Tunísia), a dona dos mares e do comércio marítimo. Dominavam a parte norte da ilha. As guerras eram constantes. Terminado um conflito, já se preparavam para novos e mais graves conflitos. Dionísio não se conformava com a situação. Culpava a democracia reinante na cidade, especialmente a lentidão na tomada de decisões, em momentos que exigiam agilidade extrema. Muitas vezes, quando as decisões eram tomadas, os fatos já tinham se sobreposto ao problema. Outra indignidade sua era relativa à acomodação dos dirigentes políticos. Estavam muito mais preocupados com a manutenção de seus postos do que com os efetivos problemas da população. 

Dionísio, com o tempo toma conta da situação. Quando ele chega ao poder, os cartagineses já haviam dominado as cidades de Solinunte  e Imera e, já sob o seu comando, ele próprio acumula derrotas na poderosa Agrigento e em Gela e Kamárina. Essas narrativas já incorporam o coração do livro. Outras partes são dedicadas ao comportamento do tirano. Monocrático e implacável. Não ouve ninguém. Celebra as mais espúrias alianças, inclusive com os povos bárbaros, atacando as próprias cidades helênicas. Afasta-se de seus ajudantes mais próximos, inclusive Filisto, o sábio mais próximo e de Leptines, o irmão. O estreito de Messina, altamente estratégico, também será palco de lutas. Para isso busca o domínio da cidade de Regio, na Calábria.

Em momentos de paz, ele é bom governante. Expande a cultura grega e se torna, tanto poderoso por suas qualidades, quanto temido por seu autoritarismo. Também tem interesse pela cultura, especialmente pelo teatro, mas detesta os filósofos. Creio ser este o momento de falar de sua relação com Platão. O episódio tem a seguinte narrativa:

" - Esqueci de mencionar a coisa mais engraçada - disse. - O negócio de Platão.

- Platão? repetiu Filisto arregalando os olhos. - Estamos falando do grande filósofo?

- Ele mesmo. Estava viajando pela Itália nesta primavera e parou na Sicília, e aí em Siracusa. Recebeu muitos convites, como era de se esperar, nos círculos mais prestigiosos da cidade, e acredito até de alguma negociação da Companhia. Foi logo dizendo que o nosso luxo era deplorável: o hábito de comer três vezes por dia, de dormir com a mulher todas as noites, de morar em casas suntuosas demais. Ao mesmo tempo, numa conversa posterior começou a tratar dos vícios e da depravação das instituições num regime de tirania, especificando mesmo que no caso de não ser possível extirpar o mal, um caminho alternativo seria o de entregar aos filósofos a tarefa de educar o sucessor do próprio tirano, no intuito de fazer dele um estadista digno. Deu para entender? Estava praticamente se oferecendo como educador do jovem Dionísio". O relato continua com a afirmação de que os dois não chegaram a se encontrar e que o tirano mandou que ele fosse devolvido à Grécia, não sem antes recomendar que ele fosse vendido aos piratas. O relato termina desta forma:

"Por Heraclés! - Filisto exclamou pasmo. - Aos piratas?

Isto mesmo. Os discípulos tiveram de resgatá-lo num mercado de Egina, antes de o homem acabar não se sabe onde.

Filisto não pode evitar um sorriso ao lembrar um rompante de Dionísio: 'Os filósofos! Evito-os como a sujeira dos cães na rua" (Páginas 297-8). Como o visto, o ódio das ditaduras à filosofia vem de longe, ou, desde sempre.

A Companhia, a que a citação se refere é outra questão interessante. Dionísio era um de seus membros. Ela sempre intervinha em momentos decisivos. Em nota do autor, ao final do livro, Manfredi a relaciona com a origem da Máfia. É... Sicília, Calábria...

Ao final, o autor tece considerações acerca da democracia e da ditadura, pendendo para o lado da democracia. O argumento principal é o da sucessão. "Muito simples: não haverá um segundo Dionísio Tudo baseia-se nele, assim como o céu apoia-se nos ombros de Atlas. O melhor dos tiranos não pode ser preferível à pior das democracias. Ele não é substituível, e o dia que cair, a sua construção, por mais poderosa que seja, cairá com ele. É só uma questão de tempo" (Página 307). A educação do sucessor enseja uma bela discussão da educação sob os princípios do autoritarismo. Um bom tema para discutir num momento em que a ultra direita brasileira joga todas forças em cima de uma educação dita 'cívico militar'. 

Uma série de mapas ocupa as páginas finais do Livro. Há muito tempo eu ouvia a afirmação de que se você efetivamente quer conhecer a Grécia, em sua parte de arquitetura, visite a Sicília. Eu pude constatar isso. Em 2012, no mês de julho eu me afastei definitivamente da sala de aula. Me dei um presente. Trinta dias pela Grécia e Itália. Uma semana na Sicília. Visitamos Taormina - Siracusa - Noto - Agrigento - Érice - Trápani - Monreale e Palermo. Terminamos numa viagem de Cruzeiro de Palermo a Nápoles. Deixo o post que fiz sobre a cidade de Agrigento e o seu fabuloso vale dos Templos. No mesmo post, tem também Siracusa. Um mergulho fantástico na cultura clássica. Desejo a todos essa oportunidade única.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2012/10/diario-de-uma-viagem-siracusa-noto-e.html


terça-feira, 19 de agosto de 2025

ESPELHO CEGO. Robert Menasse.

Quando eu estava disposto a deixar a sala de aula em definitivo, quase que semanalmente eu visitava as livrarias. Estava de olho nas promoções. Comprava diferentes tipos de livros e nem sempre os motivos da compra estavam claros para mim. Um dos critérios pelos quais eu comprava era o da editora. Livros da Companhia das Letras eu sempre comprava. A Companhia era para mim, e ainda continua sendo, uma espécie de garantia de um bom livro. Sempre uma referência.

Espelho cego. Robert Menasse. Companhia das Letras. 2000. Tradução: George Bernard Sperber.

Um desses livros que comprei foi - Espelho cego. O autor, Robert Menasse, é um austríaco, com passagem pela Universidade de São Paulo, na qualidade de professor visitante, entre os anos de 1981 e 1986. Essa passagem lhe deu a ambientação para a escrita desse romance extremamente complexo. O autor nasceu em Viena, no ano de 1954. A edição alemã do livro data de 1991 e a brasileira, do ano de 2000. Hoje, o autor vive em Viena. os cenários do romance são as cidades de Viena e de São Paulo.

Os protagonistas do romance são o casal, Leo Singer e Judith Katz. Obsessões amorosas e filosóficas unem o casal. São de origem judaica, judeus austríacos. Ele nasceu em São Paulo e ela em Porto Alegre mas, ainda pequena, também viria a morar em São Paulo. Os pais se refugiaram no Brasil, fugindo das perseguições nazistas aos judeus na Europa. Os pais, embora bem sucedidos no Brasil, ao fim das perseguições, retornam à pátria de origem. Os acontecimentos maiores do romance, primeiramente ocorrem em Viena, onde as obsessões dos jovens efetivamente começam. Em São Paulo eles haviam conhecido um senhor de sobrenome Löwinger, que se tornará uma espécie de protetor de Leo. A grande obsessão de Leo era a de transformar o mundo, de forma definitiva. Hegel era o mote.

Para situar o romance, vamos à contracapa do livro. "Perdido no labirinto de espelhos da reflexão filosófica, Leo Singer, aspirante a filósofo, sai em busca da vida essencial como herói de uma epopeia inusitada, cujos caminhos não são mais aqueles bem-aventurados, iluminados pelas estrelas do mapa original do firmamento da filosofia. Os acasos deste périplo iniciado em Viena o conduzirão ao Brasil pós-golpe de 1964. As contradições de uma realidade mergulhada em plena ditadura somam-se às da trajetória do herói, gerando episódios hilariantes, como o de ver-se subitamente promovido a renomado especialista na filosofia de Hegel capaz de prever o futuro por força de um monumental equívoco, gerado na sumária apresentação da Fenomenologia do espírito - obra capital do filósofo alemão - à imprensa nativa. Entretanto, buscando a expressão contemporânea do descompasso entre o indivíduo e o mundo, a narrativa ultrapassa os contornos da novela quixotesca que lhe serve de paradigma, fazendo irromper a tragédia em meio à farsa, o humor corrosivo em meio à graça do ridículo".

Em Viena, Leo tinha todo o tempo à disposição para a escrita de sua obra. Estava livre de preocupações financeiras, por uma mesada, dada pelos pais, mas com a devida mesura. A mãe o controlava, fato ao qual ele reagia, devotando-lhe um enorme ódio. A escrita estava travada. Suas leituras e fichamentos eram os temas das conversas intermináveis, que, inclusive, travavam as relações amorosas. Essa era a sua vida em Viena. Hoje nós o qualificaríamos como um chato.

A grande mudança vem com a morte do pai. A mãe o manda para São Paulo para cuidar das heranças lá deixadas. Inúmeros terrenos, muito valorizados com a especulação imobiliária. Tarefa para advogados, lhe dizia Löwinger, a quem ele reencontrara. Tinha, portanto, à disposição todo o tempo necessário para concluir o seu tratado filosófico. Mas nada conseguia escrever. A história mais uma vez se altera, quando Judith, que ele considerava morta, de repente lhe aparece à porta. Aí é que escrita travou de vez.

O romance é longo e, haja imaginação! Por incrível que pareça, ele é escrito num estalo só. São 379 páginas, sem divisão em capítulos e poucos diálogos curtos. Muitas reflexões inconclusas. Já quase ao final, refletindo sobre "as aporias da existência de um intelectual" ele abandona tudo. "Leo tinha abdicado de sua pretensão de escrever a continuação da obra de Hegel. Bastava-lhe a cátedra no bar (lá o aclamavam como professor), a qual lhe dava pelo menos a sensação de ter cumprido de alguma forma com essa pretensão" (Páginas 334-5).

Bem antes, porém, um fato ocorrido no dia 2 de outubro de 1968, o impediu de ser alçado para a consagração como um grande filósofo, o maior intérprete de Hegel no Brasil. Ele havia sido convidado para uma palestra na Universidade Mackenzie. Foi o dia da briga da Rua Maria Antônia, entre os estudantes da USP e o Comando de Caça aos Comunistas da Mackenzie. Maldita ditadura militar!

Creio que a essas alturas todos já imaginam que o romance só poderia terminar em tragédia. Vou apresentar apenas uma delas.  Leo consegue terminar o seu livro. Judith tinha anotado tudo. Havia feito uma memorável síntese, que Leo apenas editou. Mas, o resultado...! "... E foi então que apareceu o livro de Leo. A fenomenologia da desespiritualização. História do desaparecimento do saber. Semanas cheias de tensão se passaram, durante as quais não foi publicada nenhuma resenha. Finalmente Leo redigiu um artigo, no qual chamava a atenção para o conteúdo e a importância do livrinho, e o publicou na revista Leia livros, como opinião de redação, claro que teve que pagar por isso. Deixou alguns exemplares dessa edição da revista no bar.

No fim do ano, recebeu a primeira prestação de contas da editora. Tinham sido vendidos cinco exemplares. As bibliotecas das universidades de São Paulo e de Porto Alegra tinham comprado um exemplar cada. Só três exemplares haviam sido vendidos nas livrarias.

Quatro meses depois Leo ficou sabendo que sua editora tinha falido" (Página 378, a penúltima página).

O espelho ou o Espelho cego, do título está onipresente ao longo do livro. Reflexos, simulações, jogos, espelhos quebrados. O título em alemão: Selige Zeiten, brüchige Welt. As observações sobre a ditadura militar são fantásticas, um fato a mais para tornar o livro muito valioso. 

 

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

O Gattopardo. Tomasi di Lampedusa.

"Tenho porém que confessar: quando ali em Aspremonte me vi diante daquela centena de descamisados, alguns com cara de fanáticos incuráveis, outros com jeito de revoltosos profissionais, fiquei feliz que as ordens coincidissem com aquilo que eu mesmo pensava: se não tivesse mandado atirar, aquela gente teria feito picadinho dos meus soldados e de mim, e o desastre não seria grande, mas acabaria provocando a intervenção francesa e a austríaca, uma confusão sem precedentes em que desabaria este Reino da Itália que se formou por milagre, não se sabe como" (Página 274). A fala é de Pallavicino, militar que participara da batalha.

O Gattopardo. Tomasi di Lampedusa. BestBolso. Tradução: Marina Colassanti.

Essa passagem do livro indica o seu tema principal, as lutas em torno da unificação italiana. Aspremonte foi uma das batalhas em que Garibaldi, vindo da Sicília, no rumo de Roma, venceu as tropas do reino italiano. Como este é o tema principal vamos a uma pequena contextualização em torno dessa unificação, iniciada no ano de 1860. Um tema bem complexo. Vejamos a situação anterior ao movimento.

O atual território italiano era fragmentado em diversas cidades estado (reinos, principados, repúblicas) onde predominava fortemente uma economia agrícola e não havia um sentimento de unidade nacional. A fragmentação resultava em fragilidade, que despertava a cobiça das potências já estabelecidas como a Áustria e a França. Os reis borbônios, que tanto aparecem no romance, é uma alusão aos reis Bourbons. Um desses estados tomará a dianteira: o reino do Piemonte-Sardenha. A capital do Piemonte é a cidade de Turim. Ali também está em marcha uma processo de industrialização. Alguns nomes ligados ao processo: o rei Vitório Emanuel II, Mazzini, o intelectual e ideólogo do movimento, e pelo grande chefe militar, Garibaldi, fundamental nas lutas na Sicília e em todo o sul. Garibaldi, o aclamado herói de dois mundos, é velho conhecido dos brasileiros por sua participação na Revolução Farroupilha (1835-1845) Em 1861 será proclamada a monarquia constitucional da Itália, sendo Vitorio Emanuel II o rei e Cavour o seu primeiro ministro. Creio que estes dados são suficientes para se ter a devida compreensão do romance.

Creio que podemos afirmar, sem erro, que as lutas em torno da unificação italiana são, ou constituem o que se pode chamar de - a revolução burguesa na Itália. A partir desse dado vamos aos grandes personagens, aos protagonistas de O Gattopardo. Em primeiríssimo plano aparece Dom Fabrício Salina, o nobre todo poderoso de Palermo, na Sicília. Pertence, portanto, à nobreza decadente. Do outro lado, pela burguesia emergente, está a família Calogero Sedara. Muita atenção aos personagens mais próximos: Tancredi, o sobrinho de Dom Fabrício e Angélica, a bela filha de Dom Calogero. Os personagens coadjuvantes serão os ligados à família Salina, mulher, filhos e em especial as três filhas, com destaque para Concetta, o padre Pirroni, um jesuíta e, não dá para esquecer de Bendicò, o onipresente cachorro da nobre família.

Creio que o enunciar dos personagens já dá uma pista fabulosa em torno da trama, mas vou dar mais uma. "Se nós não estivermos presentes, eles aprontam a República. Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude. Fui claro"? (Página 69). Assim proclama Dom Fabrício. E um pouco mais adiante ele pergunta: "E então, o que vai acontecer? Negociações pontuadas por tiroteios quase inócuos, e depois tudo continuará igual quando tudo terá mudado" (Página 73).

Como assim? Mudar para não mudar? Em outras palavras, depois da unificação consolidada, tudo continuará igual. Para isso, basta apenas usar muita astúcia. O casamento será o grande instrumento. Fabrício entrará com o noivo, Tancredi, enquanto que a bela Angélica representará a aliança com a burguesia. A permanência do estado de coisas estará garantida. Os casamentos, o seu fazer e desfazer, não foram sempre marcados pela utilidade? Coitada de Concetta!

O romance é de autoria de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (Palermo, 1896 - Roma, 1957) e o seu livro aparece no ano de 1958. Veio acompanhado de muita polêmica. O livro está dividido em oito partes, com os temas bem marcados. Não é muito longo. A edição da BestBolso, que eu li, tem 348 páginas, com muitas notas de introdução e posfácio. Os acontecimentos dos capítulos são datados, o que facilita bastante.

"Nunc et in hora mortis nostrae. Amen. Assim começa a primeira parte (Maio-1860). Um capítulo maravilhoso sobre os costumes da Sicília, a fantástica Trinácria do tempo dos gregos. O final da oração da Ave Maria nos indica a força do catolicismo na ilha. Dos costumes deve-se ressaltar o patriarcalismo e o poder absoluto e incontestável de Dom Fabrício. Na segunda parte (Agosto-1860), a família vai passar férias na vila de Donnafugata, a resplandecente propriedade dos Salina. Na terceira parte (Outubro-1860) a questão italiana nos é apresentada. Os resultados do plebiscito, com o fabuloso resultado de 512 sim contra 0 não, embora sob protestos de que alguns votos no não, tenham sido transformados em sim. Também veremos Tancredi se decidindo por Angélica, em detrimento de Concetta, sob fortes protestos de sua mãe.

A quarta parte (Novembro-1860) se constitui num extraordinário capítulo em que é relatado o acordo nupcial, costurado por Dom Fabrício. Este também recebe a visita de um agente do Piemonte, junto com um convite para o senado, que ele gentilmente recusa, para "não enganar a si próprio". Ao menos é isso que ele afirma. A quinta parte (Fevereiro-1861) é dedicada ao padre Pirroni. Na sexta parte (Novembro-1862) é mostrado um baile, em que brilham Tancredi e Angélica, enquanto Fabrício e o coronel Pallavicini confabulam longamente. E um parágrafo notável sobre os resultados da unificação, nas palavras do coronel: "O Senhor não esteve no continente depois da fundação do reino? Sorte sua. Não é um belo espetáculo. Nunca estivemos tão divididos como desde que estamos unidos. Turim não quer deixar de ser capital, Milão acha nossa administração inferior à austríaca, Florença teme que lhe levem as obras de arte, Nápoles chora pelas indústrias que perde, e aqui, na Sicília, está em gestação algum grande, irracional desastre..." (Página 276).

A sétima parte (Julho-1883) é dedicada ao fim, à morte de Fabrício, sem antes passar por suas mais ricas reminiscências. Morte com assistência de padre, confissão, comunhão e encomendação. A oitava e última parte (Maio- 1910) também é fantástica. É dedicada às três filhas Salina, nos seus setenta anos. Referência especial a Concetta e as mágoas de uma vida inteira. Psicanálise pura. Fanatismos religiosos e correções por parte das autoridades eclesiásticas. Apenas cinco das 74 relíquias que acumularam foram reconhecidas.

O Gattopardo é uma referência a Dom Fabrício e ele está no brasão da família Tomasi. Mas há no livro uma passagem notável referente ao Gattopardo: "...e depois será diferente, porém pior. Nós fomos os Gattopardos e os leões; os que vão nos substituir serão pequenos chacais, hienas; e todos, Gattopardos, chacais e ovelhas continuaremos a crer que somos o sal da terra" (Página 224-5).

Quando se conclui o processo da unificação italiana? Nos conta a história, que isso ocorreu com a conquista de Roma, em 1870. Mas eu diria que ela ainda está em curso. Em 2012 viajei pela Itália por quase um mês. Uma semana foi dedicada a fabulosa Sicília. Num dos trechos, tivemos um guia basco. Um primor no seu ácido humor. Nos contava ele que a Itália ainda estava longe de ser um país unificado. O sul brigava com o norte e o norte brigava com o sul. E, tanto o norte quanto o sul, brigavam com Roma. O Gattopardo é um livro imperdível. Absolutamente ímpar. Mudar para não mudar.


terça-feira, 29 de julho de 2025

Suave é a noite. F. Scott Fitzgerald.

O meu contato com a obra de Francis Scott Fitzgerald, se deu por uma indicação de livros de Luís Fernando Veríssimo, provavelmente feita numa das feiras de livro da cidade de Paraty, no Rio de Janeiro. Na ocasião, lhe foi solicitada a lista de seus dez livros preferidos. Entre eles estavam os dois de Scott: O grande Gatsby e Suave é a noite. O comentário de um leitor no post do blog de 2012sobre os livros indicados, me fez retomar a leitura dos dois. Desta vez o fiz pela ordem de sua escrita. Primeiro O grande Gatsby, escrito em 1925 e Suave é a noite, em 1934.

Suave é a noite. Scott Fitzgerald. BestBolso. 2008. Tradução: Lígia Junqueira.

O cenário do primeiro romance é o dos arredores luxuosos de Nova York, enquanto que o do segundo é o da Riviera Francesa. Em comum, os dois tem como protagonistas pessoas riquíssimas que vivem em ambientes de muito luxo e de poucos momentos felizes, em meio às suas graves crises existenciais. Em comum, os dois tem também a década de 1920, década em que os Estados Unidos decolam ruma a maior potência econômica e mergulham em profundas contradições morais, em meio ao puritanismo da Lei Seca (1920- 1933) e a rápida ascensão econômica proporcionada por meios ilegais de atividades comerciais duvidosas. É também a década da geração perdida, a era do jazz, em que muitos escritores norte americanos foram viver em Paris, entre eles, Scott.

Suave é a noite tem uma outra característica peculiar ao seu tempo. Os tempos da psicanálise. Dick Diver é um psiquiatra que, em clínicas suíças, envereda por esses campos. Dick e Nicole serão os protagonistas do romance. Eles são, respectivamente, o médico e a paciente. Outra característica particular deste romance é o seu caráter autobiográfico. Vejamos o fato na descrição de Roberto Muggiati, no prefácio:

"Se o perfil social foi inspirado em Gerald e Sara Murphy (inspiradores do cenário, na Riviera), o perfil psicológico do casal protagonista de Suave é a noite acabaria ganhando os contornos de Scott e Zelda neste que é o mais autobiográfico dos textos de Fitzgerald. Scott e Zelda casaram-se no Sábado de Aleluia de 1920, na catedral de São Patrício, em Nova York. Ele tinha 24 anos, ela 20. Um ano depois nasceu a única filha, Scottie. Jovens na primeira década transgressora do século XX, gostavam de passear de táxi (sentados no capô, é claro), de dançar e de beber. Eram os anos turbulentos que Scott batizou de 'A Era do jazz': a América vivia sob a Lei Seca, proliferavam os bares clandestinos, a bebida falsificada; a trilha sonora da década era o jazz e as metralhadoras dos gângsteres. [...] Espírito inquieto e crítico, Zelda antecipou de certa forma o feminismo e a guerra dos sexos. [...] Ela e Scott defendiam um casamento mais aberto e menos hipócrita do que os da geração de seus pais. Em 1924, na praia de Garoupe - enquanto Scott passava o dia inteiro escrevendo O grande Gatsby -, Zelda conheceu um jovem aviador francês. [...] O caso não durou muito, mas levou Zelda a uma tentativa de suicídio e criou uma chaga viva no casal". E já que enveredamos nos dados biográficos, vamos ao seu final:

"Seria o último romance escrito por Fitzgerald (Suave é a noite) - ele morreu de um ataque do coração em 1940, aos 44 anos, deixando inacabado O último magnata. Zelda continuaria a perambular pelos asilos - em meio a lampejos de lucidez - até morrer em 1948 no incêndio do hospital Asheville. Tinha 47 anos e foi identificada por um chinelo debaixo do corpo carbonizado".

Mas vamos ao romance, identificando os principais personagens. Dick e Nicole formam o casal protagonista (médico e paciente). Rosemary Hoyt e Tommy Barban rodearão o casal. Rosemary é bela e jovem, do mundo cinema. Já Tommy seria o "jovem aviador francês"? Os personagens periféricos seriam Abe North, amigo de Dick, Baby Warren, a irmã e tutora de Nicole e rica herdeira de uma imensurável fortuna. e a senhora Speers, mãe de Rosemary. Estão aí os personagens para a envolvente trama que se passa nas clínicas, nos bares e nas calorosas recepções oferecidas na Riviera Francesa. Muito luxo, paixões ardentes e o penetrar nos mais recônditos refúgios de seres humanos envolvidos em seus mistérios mais profundos. O livro é dividido em três partes, que ocupam 445 páginas 

Vejamos a contracapa: "Ambientado na Riviera Francesa em fins da década de 1920, este livro narra a história de Dick Diver, brilhante psiquiatra que se casa com a paciente Nicole Warren. A vida do casal não é mais do que uma farsa: dominados pelo tédio, incapazes de dialogar, entre interessantes coquetéis, recepções e dinheiro, vivem numa atmosfera de falsa euforia. Fitzgerald foi o autor que melhor captou a aura da riqueza e seu efeito sobre a alma humana, mostrando a rotina dos privilegiados numa época em que a América decolava num binômio de prosperidade e hipocrisia. Obra marcante da Geração Perdida, Suave é a noite, em tom marcadamente autobiográfico, revela personagens com uma excepcional carga de realismo".

Vamos ainda ao último parágrafo do prefácio de Roberto Muggiati, sobre a permanência da obra. "Suave é a noite permanece como testemunho da arte de um escritor que teve a coragem de enfrentar a selva das relações afetivas e de estudar a fundo o amor numa época em que a sensação imperou sobre o sentimento. Melhor do que qualquer outro romancista do século XX, Scott Fitzgerald soube navegar  por águas turvas no seu empenho de traçar a cartografia do desejo humano".

Deixo também a resenha de O grande Gatsby. 

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2025/07/o-grande-gatsby-f-scott-fitzgerald.html