terça-feira, 23 de setembro de 2025

SATIRCON. PETRÔNIO.

Recentemente reli o belo romance de Scott Fitzgerald, O grande Gatsby. No livro que li, da coleção Clássicos, da Penguin & Companhia, há uma introdução, de Tony Tanner, que começa assim: "De início, não era para se chamar O grande Gatsby. Numa carta [...] Fitzgerald escreveu: 'Decidi que vou insistir com o título que dei ao livro - Trimalchio em West Egg'". Logo depois especifica quem foi este tal de Trimálchio. "Trimálquio é o novo-rico vulgar e de imensa fortuna do Satyricon, de Petrônio; um mestre das alegrias gastronômicas e sexuais que oferece um banquete de luxo inimaginável, do qual indiscutivelmente participa - ao contrário de Gatsby, que é um espectador sóbrio e isolado das próprias festas".

Satiricon. Petrônio. Abril Cultural. 1981. Tradução: Marcos Satarrita.

Isso me bastou para ir a um sebo e procurar pelo livro, o que se tornou uma tarefa muito fácil. O que tenho em mãos? Um livro escrito por um romano, do século I, por volta do ano 60, já depois de Cristo. Seu título é Satiricon, numa referência absolutamente precisa à sátira, o principal componente do livro. Uma sátira aos hábitos, costumes e crenças da época. Como a sátira é vizinha da comédia, podemos dizer que se trata de uma comédia satírica, com um particular a acrescentar. Roma vivia sob as barbas do imperador Nero. Muita Gula e muita volúpia, ou luxúria, se preferirem essa palavra. É tido como um dos primeiros romances da história. Ele mistura a narrativa à poesia.

Não há uma sequência lógica. Vejamos a apresentação do autor e do livro em suas orelhas: "Romano do século I, d. C., Petrônio viveu na corte do imperador Nero, distinguindo-se como governador da Bitínia e cônsul. Famoso pelo comportamento hedonista e pelo gosto requintado, recebeu o título não oficial de árbitro da elegância. Satiricon, a primeira novela da Europa Ocidental, é hoje identificada com esse Petrônio - poeta de talento e homem voluptuoso, segundo a descrição do historiador Tácito. O clima da obra, além de outras evidências, sugere claramente o período neroniano e nos faz duvidar de que dois homens com o mesmo nome e o mesmo caráter bizarro possam ter vivido exatamente na mesma época. Em Satiricon - talvez um décimo da obra completa - o autor relata, de maneira burlesca e amoral, a vida errante e as façanhas de um trio de aventureiros: o narrador Encólpio, seu amigo (ou nem tanto) Ascilto e o garoto Gitão. Uma enorme quantidade de contos e de variados estilos formam a estrutura livre e desconexa da narrativa. Há passagens, por exemplo, em que se misturam a prosa e o verso, além das digressões onde o autor expõe suas próprias opiniões, sem muita ligação com o enredo de uma maneira geral. Petrônio morreu no ano 66 d. C., quando, acusado de conspiração contra o imperador, foi obrigado a cometer suicídio, cortando os pulsos. A obra de Petrônio serviu de inspiração ao filme Satiricon, levado às telas, em 1969, pelo diretor italiano Federico Fellini".

Eu consegui ver na obra, quatro partes mais ou menos aglutinadas: A primeira é a festa, ou o banquete oferecido aos três jovens e demais convidados pelo abastado Trimálquio. Comida, bebida e luxúria se complementam. Bem ao estilo dos romanos. Uma segunda, em que os três encontram Eumolpo e se refugiam num navio, comandado por antigos desafetos. Intrigas, traquinagens e algumas safadezas se misturam. A terceira, toda escrita em versos, tem por título - Guerra Civil. São poemas em louvor a heróis do passado e de exaltação ao patriotismo, além de lamentos pela situação em que se encontra a humanidade. Finalmente, mais uma vez os três, mais Eumolpo, se encontram em Crotona. De novo, riqueza fácil, mulheres licenciosas, luxúria e ciúmes formam o enredo. Também, ao longo de todo o livro, Encólpio e Ascilto disputam os favores sexuais do garoto Giton. O livro tem 141 capítulos, sempre em torno de uma página, ou um pouco mais. Ao todo são 208 páginas.

Eu grifei algumas passagens: A primeira é sensacional. Lembra demais a safadeza e a sacanagem dos dias atuais. As artimanhas para se aproximar, especialmente, de pessoas inocentes. Encólpio explica a razão pela qual se hospedaria numa casa: "Escolhi-a para alojar-me não tanto pelo conforto das acomodações, como pela maravilhosa beleza do filho do dono. Recorri a esse expediente para que o bom pai não suspeitasse da viva paixão que o garoto me inspirava. Assim, todas as vezes em que se abordava, à mesa, a questão do amor delicado por certos homens a rapazes bonitos, eu me expandia em invectivas tão violentas contra esse infame costume, pedia de modo tão severo que poupassem meus ouvidos de tais conversas obscenas, que todos, sobretudo a mãe de meu amiguinho, me encaravam como um dos sete sábios" (Página 113). Olha, eu sei em quem vocês estão pensando!

A segunda é em verso e fala da decadência dos Estados Unidos, opa, desculpe, de Roma:  

"Ademais, o povo afunda no duplo lodaçal
Da horrenda usura e dos débitos devoradores.
Não há um lar a salvo, nenhuma alma livre
Da hipoteca; a lenta decadência medra
Em silêncio no coração, e logo se alastra impiedosa
Pelos membros em grande alarido. Os romanos
Recorrem às armas, como desesperados,
E procuram agora, nas feridas abertas,
Os bens que dissiparam na luxúria. Imersa nessa torpeza,
Nesse sono doente, que remédio poderia despertar Roma,
Senão o terror, a guerra e o aço lascivo?" (Página 167).

E, se por acaso, alguém tiver necessidade de uma oração para Priapo, o filho de Afrodite e Dionísio, aqui vai a súplica de Encólpio, diante de um estado de impotência: "- Amigo das ninfas e de Baco, eleito por Diana, a bela, para deus das florestas abundantes, adorado em Lesbos e na verde Tasos, pela Lídia dos sete rios, que construiu para ti um templo em Hipepa: vem, ó mestre de Baco, guardião dos prazeres das dríades, e ouve minha modesta prece. Não me aproximo de ti coberto de amargo sangue, nem ergui mãos profanas contra um templo, mas necessitado e desvalido eu pequei, porém não com todo o meu corpo. O homem que peca por deficiência é menos culposo. Ouve minha prece, eleva meu coração, perdoa minha leve ofensa, e quando a fortuna, em sua hora, me servir de novo, tua mercê não ficará sem recompensa. A teu altar virá uma cabra de chifres, a melhor de seu rebanho, a teu altar virá uma ninhada de pequenos porcos, à mãe roubados. O vinho deste ano espumará nas taças, e a juventude ébria circundará por três vezes, alegre, o teu templo" (Página 191).

Na contracapa temos uma informação interessante: "No primeiro romance realista da literatura universal, um quadro detalhado da vida cotidiana de Roma no século I d. C. As orgias e os pantagruélicos banquetes de uma nova classe em ascensão: a dos escravos libertos". Enfim, um agradável mergulho no primeiro século (d. C.) da Roma depravada e devassa.



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