terça-feira, 18 de outubro de 2016

SIDARTA. Hermann Hesse.

Antes de iniciarmos propriamente a resenha de Sidarta, vamos ver alguma coisa sobre o seu autor. Vamos recorrer a Ivo Barroso que traduziu para o português Demian e O Lobo da Estepe. No posfácio a Demian, ele nos dá as seguintes referências sobre Hesse (1887- 1962): "Descendente de família suábia (Schwaben - sudoeste da Alemanha), criado no mais rígido rigorismo religioso - o pai, erudito famoso de história religiosa; a mãe, filha de missionário, nascida e educada na Índia; o avô, Hermann Gundert, indianista de renome".  São referências preciosas para a compreensão da obra. Estas referências familiares já nos inseriram no tema.

Mas tem mais. O próprio Hesse empreendeu uma viagem para a Índia em 1911. Sidarta foi publicado em 1922. Em 1919 o autor já havia publicado Demian. Creio que a seguinte frase traduz muito bem o espírito desta obra: "Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo!". Hesse está em busca de si mesmo. E isso está profundamente impregnado também em Sidarta. Em Sidarta ele vislumbra caminhos em busca de si mesmo.
A edição da BestBolso de Sidarta.

Observem as datas: Demian em 1919 e Sidarta em 1922. É o período do entre guerras. Tempos de um passado tenebroso e de um futuro angustiante e sufocante. É evidente que este contexto histórico tem as suas causas. Ele é um produto da cultura ocidental, profundamente capitalista e cristã e também extremamente racionalista, cientificista e moralista. Neste tempo também Nietzsche e Freud já eram bastante conhecidos. Hesse criticava os valores burgueses e, embora pacifista, alimentava um pensamento rebelde e revolucionário. Buscou abrigo e compreensão numa espécie de auto exílio na Suíça, em 1923.

Sidarta é um livro bem simples. Não tem nada da complexidade de Demian, ou de sua continuação em O Lobo da Estepe, este de 1927, quando o lobo já tem cinquenta anos. Creio que não erramos ao afirmar que, contra a corrompida e infelicitadora cultura ocidental, o autor buscava um bálsamo para a sua vida, na busca de si próprio, através da cultura oriental e mais precisamente no hinduísmo. Consigo imaginar a recepção deste pequeno livrinho nos tempos de sua publicação, na ultra conservadora Europa no rumo dos regimes fascistas.

O pequeno livrinho (140 páginas na edição da BestBolso) é uma espécie de uma entusiasmada aula de filosofia sobre a cultura do hinduísmo, em meio a mundo em que ainda predominavam os valores cristãos. Ele está dividido em duas partes. Na primeira, o narrador nos apresenta Sidarta como o filho do brâmane, que em busca de se encontrar na vida, se torna um samana, junto com Govinda, um amigo da infância. Ambos vão em busca do Nirvana. Ouvem falar de Gotama e o seguem. Depois de o encontrarem Sidarta explica amigo e ao próprio Gotama (Buda) que não o seguiria, uma vez que fora tocado por um (o) despertar. As palavras em negrito são os títulos dos quatro pequenos capítulos, assim como dos nove da segunda parte.

Na segunda parte o narrador segue a trajetória de Sidarta, agora só, em busca de si mesmo e desvendando mundos. Encontra-se com Kamala, uma rica e famosa cortesã e, mutuamente, trocam aprendizados e prazeres. É neste momento que Sidarta apresenta os seus grandes princípios do pensar, esperar e jejuar. Se encontra com o comerciante Kamasvami, com quem passa a trabalhar e enriquecer. Neste capítulo ele se encontrará entre os homens tolos. Aí ocorre a vida fútil e de infelicidades, ou seja o mundo de Sansara. Gula, luxúria e jogos de azar, com ganhos e perdas volumosas marcam este encontro de Sidarta com Sansara.
A unidade e nunca a separação constituem o humano.


A sua infelicidade se encontra num nível tão intenso e elevado que abandona tudo e vai à beira do rio, onde por muito pouco não comete o suicídio. Aí reencontra o balseiro, com quem aprende os próprios segredos e, especialmente, os do rio. Neste momento correm boatos de que o velho Gotama está por morrer e, em consequência, ocorrem grandes peregrinações. Entre estes se encontra Kamala, que virou seguidora e traz para Sidarta o filho. Ela engravidara num dos últimos encontros. Com o filho porém, só desencontros, junto com novas e sábias lições do balseiro. Aí o livro começa a se encaminhar para o seu final, marcado por um grande encontro com OM, a unidade de tudo no passado, presente e futuro. Me veio a ideia de panteísmo. Por fim um reencontro com Govinda, o colega de infância, em busca do balseiro, já famoso. Só que agora o balseiro é Sidarta. Novas grandes lições vão sendo reveladas. Sabedoria não se transmite. isso é apenas possível com o conhecimento. Sidarta recusa terminantemente doutrinas e palavras. Govinda considera Sidarta um santo.

Eis as lições de Hermann Hesse para uma Europa dilacerada pela Primeira Guerra e célere na busca de uma guerra ainda muito pior, inclusive, com os seus antecedentes e a terrível experiência posterior, a da bomba atômica. A sabedoria realmente não se ensina. Não seria por não ser aprendida? Ainda em tempo. A edição da BestBolso de O Jogo das Contas de Vidro traz um belo prefácio, assinado por Waldemar Falcão, que ajuda a compreender as influências da cultura oriental na obra deste Nobel de Literatura do ano de 1946, o primeiro ano posterior à Segunda Guerra.





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