quinta-feira, 13 de outubro de 2016

A Fita branca. Michael Haneke.

Nestes tempos sombrios resolvi ver novamente este filme que também não deixa de ser sombrio, embora a sua finalidade seja exatamente o oposto. É o filme mais em preto e branco que possa se imaginar. A realidade mostrada é uma amostra da capacidade que o ser humano tem para o mal. E esta capacidade, obviamente tem causas. E a pergunta seria pelo grande por quê em torno destas causas. Que valores são propagados para gerar tanto ódio e mal, inclusive nas crianças.


A fita branca é um símbolo. Um símbolo de pureza, um símbolo do imaculado, daquilo que não tem manchas. Um símbolo daquilo que é representado pela fita alva, branca. A fita branca da inocência e da pureza das crianças. O filme tem um narrador, que com muita seriedade e sobriedade conduz a narrativa. Fatos estranhos estão ocorrendo num pequeno vilarejo ao norte da Alemanha. De uma Alemanha fria e racional e, acima de tudo, religiosa, conservadora e moralista. E na qualidade de moralista, sujeita a todas as suas perversas consequências.

Fatos estranhos ocorrem. Uma cilada para o médico, um acidente de trabalho, a destruição de uma plantação de repolhos, o sequestro e brutalidades cometidas contra uma criança e, um mundo adulto e de crianças muito estranho. Os adultos nem sequer nome tem, o que pode levar à conclusão de que poderia ser qualquer um. É um barão proprietário de terras, um médico que atende a população da cidade e é um pastor que dá assistência espiritual para a população da cidade. Coitada da população!

O mundo das crianças não é muito diferente. Crianças tímidas, crianças dissimuladas, crianças apavoradas diante do problema da morte, mas sobretudo crianças machucadas pela falta de afeto dos pais e que sofrem pela desconfiança que neles provocam. Por isso são dissimuladas e, aparentemente, extremamente infelizes. Os adultos, então, encerram dentro de si, todo um mundo de potencialidades para o mal.

Na busca pelas razões de tanta infelicidade e de tantas perspectivas sombrias que podem ser antevistas, se buscam as razões para tal. As descobertas são difíceis. Ninguém entrega ninguém, embora todos saibam que os criminosos estão entre eles. Nenhuma suspeita recai sobre pessoas que estejam para além da comunidade. Mas o mais triste da conclusão é que, embora o mundo dos adultos seja um mundo de desencontros e de perversidades, os crimes são cometidos pelas crianças. Pelas crianças que integram a comunidade da inocência e do imaculado, representada pela Weisse band.

Como é triste ver crianças tristes, sombrias e dissimuladas. Isto não é o seu comportamento normal. É fruto do processo de socialização. Nesse processo o que mais infelicita é o excesso de autoritarismo, que normalmente é associado ao moralismo. No filme um dos meninos dorme com as mão amarradas, outra vive apavorada com o fenômeno da morte, um tema tão distante. O natural da criança é a alegria e a brincadeira, quando convivem em ambiente sadios.

O filme é de 2009 e tem a direção de Michael Haneke. Nele o tema do nazismo está sempre presente. Como sabemos, o nazismo é um subproduto do fascismo. E o fascismo já foi muito estudado e a pior das conclusões a que se chegou é a de que as suas causas estão embutidas na sociedade, como o demonstraram os estudos de Hannah Arendt e de Theodor Adorno. E o que é pior, não existe nenhum pavor neste mesma sociedade de que Auschwitz possa se repetir. Isso terminará em holocausto.
Em paralelo ao filme, eu lia Demian, um romance de formação escrito em 1919.


O filme, muito mais do que explicitar situações, ele provoca a reflexão. Embora ele termine com o estouro da primeira guerra mundial, ele sempre está associado ao nazifascismo e à segunda guerra. A cultura dominante, os valores do puritanismo religioso e de uma moralidade perversa, junto com o autoritarismo de uma sociedade controlada por homens adultos com consentimentos, complacências e cumplicidades mútuas, já produziram e produzirão ainda mais e maiores descompassos no futuro da humanidade. Um filme que precisa ser visto, debatido e estudado nos sombrios momentos pelos quais está passando a sociedade brasileira, quando a sua democracia e a sua cidadania está sendo direta e diariamente golpeada. Também, no cenário internacional, a simples candidatura de Donald Trump é uma preocupação para o mundo que diz ser minimamente civilizado.

Enquanto eu via A Fita branca eu lia Demian, de Hermann Hesse. Este maravilhoso romance de formação foi escrito em 1919. É muito fácil estabelecer correlações. Vale conferir.

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