quarta-feira, 9 de abril de 2014

A Ditadura que mudou o Brasil. 50 anos do golpe de 1964.

Não se assuste com o título do livro. Normalmente associamos a palavra mudança com melhoras, mas não é este o sentido do título deste livro. Ele faz análise das mudanças, das transformações, das consequências de um regime que demorou um tão longo tempo. Afinal, governar durante 21 anos e, da forma como eles bem entendiam, não poderia deixar de provocar mudanças. O regime militar interferiu em todos os setores da vida brasileira e provocou mudanças no que poderíamos chamar de  modernização conservadora autoritária, com profundas implicações sobre todos os setores da vida brasileira. O livro foi escrito no sentido de se entenderem estas mudanças.

Desta nova bibliografia que está surgindo e que até agora eu li, este é o livro mais significativo e objetivo. Cada um dos seus treze capítulos daria, perfeitamente, um livro inteiro. Então ele é marcado pela síntese dos temas que aborda, numa estrutura de conjunto. Ótimo material didático. São treze capítulos de umas 15 páginas, mais ou menos. Como são sínteses também fica difícil fazer o trabalho de resenha, pelos limites do texto. Mas vamos ver se conseguimos dar, ao menos, uma pequena ideia de cada capítulo. Alguns dos capítulos ganharão um post especial.
A Ditadura que Mudou o Brasil
Capa do livro organizado por Daniel Aarão Reis, Marcelo Ridenti e Rodrigo Patto Sá Motta, A Ditadura que mudou o Brasil - 50 anos do golpe de 1964, da Zahar.

Capítulo 1. A ditadura faz cinquenta anos: história e cultura política nacional estatista. Este capítulo leva a assinatura de Daniel Aarão Reis. Ele explana o conceito da cultura política nacional-estatista, mostra a sua gênese na ditadura do Estado Novo, sua continuidade com o governo JK, a sua retomada na ditadura civil-militar (Médici-Geisel) e ainda pela política econômica do governo Lula. Um texto interessantíssimo. O contraponto ao nacional-estatismo só poderia ser o internacionalismo liberal.

Capítulo 2. As oposições à ditadura: resistência e integração. A assinatura é de Marcelo Ridenti. Mostra as diferentes oposições que se formaram contra o golpe, como as pessoas identificadas e comprometidas com o regime anterior, demorando-se em descrever a oposição clandestina que se formou e que optou pela luta armada. Na sequência vem a abertura e toda a história da relação com a oposição institucional e os caminhos para a redemocratização.

Capítulo 3. A modernização autoritário-conservadora nas universidades e a influência da cultura política. A autoria é de Rodrigo Patto Sá Motta. Um capítulo extraordinário em que a palavra fundamental é modernização. Esta modernização necessitaria de suportes que foram buscados nas instituições universitárias e de pesquisa. Aparentemente uma grande contradição. Mas a pesquisa recebeu estímulos.

Capítulo 4. Mudanças sociais no período militar (1964-1985). Este capítulo leva duas assinaturas; Francisco Vidal Luna e Herbert S. Klein. A análise é bem abrangente e vai além das análises dos simples arrochos salariais. Mortalidade infantil, expectativa de vida, deslocamentos populacionais também entram na análise.

Capítulo 5. Transformações econômicas no período militar (1964-1985). Este capítulo leva as mesmas assinaturas do capítulo anterior. A análise mostra os diferentes modelos econômicos que foram adotados, bem como as divergências dentro do próprio sistema. O "milagre econômico" e o seu esgotamento também recebe a sua análise e de quebra, estes modelos dentro da conjuntura internacional também são destacados.

Capítulo 6. Revisitando o tempo dos militares. O texto de Renato Ortiz. No meu livro eu fiz uma anotação junto ao texto: Indústria cultural. Aqui vale de novo uma observação fundamental. A ditadura teve um caráter modernizador. O modernizador deste período foi a televisão como instrumento de comunicação de massa. Também a propaganda ganha destaque.

Capítulo 7. Para onde foi o "novo sindicalismo"? Caminhos e descaminhos de uma prática sindical. Duas assinaturas: Ricardo Antunes e Marco Aurélio Santana. Um capítulo para todos os sindicalistas lerem. Relata desde as origens do sindicalismo no Brasil, na era Vargas e o seu controle nos tempos da ditadura. Desta ditadura emanou o chamado "novo sindicalismo", fundamental na redemocratização do país e que forneceu ao país o seu líder mais popular e o seu ator político maior. Já no poder, os descaminhos. A verticalização.

Capítulo 8. A grande rebelião: os marinheiros de 1964 por outros farois. O capítulo é assinado por Anderson da Silva Almeida e ganhou no meu livro a seguinte anotação: memorável. A descrição é dos antecedentes do golpe. Uma história da elitizada marinha e a sua relação com os marinheiros, que eram os serviçais dos navios. Talvez a mais justificada de todas as revoltas e a que mais problemas causou para Jango.

Capítulo 9. O aparato repressivo: da arquitetura ao desmantelamento. A assinatura é de Mariana Joffily. Vejam a clareza de um título. Nele são mostrados os meios de repressão já existes e os novos que foram criados, bem como os meios de tortura que foram mais utilizados e de como ela virou política e prática de Estado. Os novos organismos estavam diretamente vinculados à presidência. Com a redemocratização desaparece a sua nomenclatura.

Capítulo 10. A Anistia de 1979 e seus significados, ontem e hoje. Outro título muito bem colocado por Carla Simone Rodeghero, a autora do texto. Ela trata de conceitos e de história de anistia no Brasil, a de 1945 e a de 1979 e faz belas análises sobre a anistia, que poupou os torturadores do regime militar, de seus crimes. Isto está sendo novamente discutido. Tenho a lembrar que o Brasil é o país que está mais atrasado na investigação dos crimes de Estado cometidos ao longo do regime.

Caricatura do General Médici, o homem de Bagé. Os anos de chumbo soterraram os anos de ouro. A memória negativa prevaleceu sobre os efeitos da propaganda e do milagre econômico.

Capítulo 11. Por que lembrar? A memória coletiva sobre o governo Médici e a ditadura em Bagé. Adorei este capítulo assinado por Janaína Martins Cordeiro. Ela analisa o comportamento dos cidadãos de Bagé em relação ao seu conterrâneo presidente. O presidente dos anos de ouro do regime, do milagre econômico, mas que foram sobrepostos e soterrados pelos anos de chumbo da repressão.

Capítulo 12. O engajamento, entre a intenção e o gesto: o campo teatral brasileiro durante a ditadura militar. O texto é de autoria de Miriam  Hermeto. A análise do teatro brasileiro é feita tendo como base a peça Gota D'Água, de Chico Buarque de Holanda.

Capítulo 13. Política externa do Brasil: continuidade em meio à descontinuidade, de 1961 a 2011. Um texto muito rico de análise das diferentes teses da diplomacia brasileira, entre tentativas de autonomia e de atrelamento à política americana. Como o título dá a entender, houve idas e voltas nestas políticas. O texto tem a autoria de Miriam Gomes Saraiva e Tullo Vegevani.

É muito difícil, num livro desta amplitude, você não ter algo mais específico, que te chame a atenção mais diretamente. Ele contém ótimos elementos para serem debatidos em sala de aula e em outros grupos de estudos e de debates. 

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