quarta-feira, 23 de abril de 2014

Almanaque 1964. Ana Maria Bahiana.

O que é, afinal de contas um almanaque? O Aurélio nos dá a resposta precisa. Almanaque "publicação que, além de um calendário completo, contém matéria científica, literária, informativa e, às vezes, recreativa e humorística". O livro de Ana Maria Bahiana  Almanaque 1964 - Fatos, histórias e curiosidades de um ano que mudou tudo (e nem sempre para melhor) se encaixa perfeitamente na definição do grande dicionário do Aurélio. É um calendário que esmiúça o ano de 1964, mês a mês e dia a dia, contém muita informação sobre os acontecimentos e fatos históricos daquele ano e tudo narrado com um leveza que leva você a deslizar por suas páginas, sempre com um ah! para soltar e com um risinho meio irônico nos lábios.
Lançamento do mês de março, da Companhia das Letras - Almanaque 1964 - da jornalista cultural e escritora Ana Maria Bahiana.

O caráter científico do Almanaque está garantido pelo uso de fontes primárias, numa pesquisa de fôlego pelos jornais e revistas do ano e com o complemento do uso de bons livros de história que se ocupam deste ano em que o Brasil conheceu um golpe que, infelizmente, o levou a sua mais longa e mais horrorosa ditadura. O livro é fartamente ilustrado, como o eram as revistas daquele ano. Os anos 1960 foram realmente anos extraordinários, cravados com o signo da mudança, e nem sempre para melhor, como nos adverte a autora, já no título do livro. As mudanças tiveram um caráter essencialmente conservador. Se tivéssemos que escolher o ano mais representativo dentro dos anos 1960, certamente escolheríamos o ano de 1968, mas as mudanças ocorridas já em 1964 também foram extremamente significativas.
 1964, o recrudescimento da mais terrível guerra dos Estados Unidos, a guerra do Vietnã.

Ana Maria Bahiana é jornalista cultural. É muito conhecida dos brasileiros pelos seus trabalhos no Jornal do Brasil, na Folha de S.Paulo e na Rede Globo de Televisão. Mora em Los Angeles. Sobre o Almanaque, ela mesma revela a intenção de escrevê-lo: "O que quero, aqui, é dar uma visão o mais completa possível de como se vivia, como se pensava, como se falava em 1964, no Brasil e no mundo" e já nos dá, na apresentação do livro, uma valiosa dica do contexto do cenário internacional: "A Guerra Fria, os direitos civis, a nova geopolítica, as novas estéticas, os Beatles e os Rolling Stones". 

A autora nos conta que, ao refazer a viagem ao tempo passado, de cinquenta anos atrás, que "as descobertas foram muitas" e que deseja que o mesmo se repita com os leitores, ao lerem este Almanaque. Confesso que, ao menos comigo, o objetivo foi alcançado. Fiz inúmeras descobertas e as maiores estão realmente no campo cultural. Pela minha reclusão ao seminário, neste ano de 1964, concluindo o meu ensino médio em Gravataí -RS, percebo o quanto os padres nos mantinham à distância dos fatos do mundo real.
1964, O ano notável do surgimento dos Beatles.
Como se trata efetivamente de um almanaque, o livro é, em primeiro lugar, um calendário e este calendário lhe confere a sua estrutura básica. Depois de uma introdução sobre os anos 1960, os doze meses do ano formam os doze capítulos do livro. Cada mês ganha, digamos uma manchete, com destaques do noticiário e com fotografias de página inteira. Segue a observação pessoal da autora na captação e interpretação de cada mês, para na sequência, apresentar a linha do tempo, onde são apresentados os fatos mais importantes ocorridos no mês. Praticamente não escapa nenhum dia, em que não tenha ocorrido um fato relevante. Tudo é fartamente ilustrado com memoráveis fotografias e com recortes de jornais e revistas.

A própria autora, numa espécie de introdução Os 60 até aqui, seleciona os grandes temas que ocuparam as manchetes. Assim o cenário das guerras e conflitos está dominado pelo Vietnã, pela Argélia, pela África portuguesa em suas lutas pela descolonização, pelo Congo, pelo Chipre e por Cuba. Sob o tópico Sociedade e Cultura os grandes fatos serão o Muro de Berlim e a divisão da Alemanha, a afirmação dos direitos civis e o assassinato de John Kennedy (1963) nos Estados Unidos, a continuidade da realização do Concílio Vaticano II, e a juventude que surge no contexto do pós-guerra.
Martin Luther King, o mais jovem ganhador de um Nobel da Paz, no ano de 1964.

Enquanto isso o cenário brasileiro passa pela eleição e renúncia de Jânio Quadros e a ascensão de João Goulart ao poder e o seu conturbado governo que termina com o golpe que o depõe. As interferências do governo no contexto golpista ganham um merecido destaque. Já ao longo do ano de 1964 dá para perceber, acompanhando a narrativa dos fatos, os descaminhos do golpe e a consequente ditadura, cada vez mais aterradora.

Alguns fatos para aguçar a curiosidade. É o anos dos Beatles e dos Rolling Stones, o ano do Nobel de Literatura para Sartre e do Nobel da paz para Martin Luther King, o ano do discurso de Che Guevara na ONU, da realização dos jogos olímpicos em Tóquio e do lançamento do primeiro trem bala, ligando Tóquio a Osaka, ano de lançamento do filme, Zorba o grego. No Brasil, a vila de pescadores de Búzios entra no mapa brasileiro com a vinda de Brigitte Bardot, foi o ano da morte de Ary Barroso, em pleno domingo de carnaval, e o ano do lançamento da Enciclopédia Barsa, que foi a enciclopédia básica para a realização de tarefas escolares de toda uma geração, que tinha um mínimo poder aquisitivo. E numa coincidência, quando Lyndon Johnson abole a segregação racial nos Estados Unidos, aqui no Brasil é eleita a primeira mulata num concurso de beleza. Vera Lúcia Couto Santos é eleita Miss Guanabara.
1964 também foi o ano do memorável discurso de Che Guevara na Assembleia das Nações Unidas.

O livro tem um complemento intitulado Trivial Variado, com as principais músicas, discos, filmes e livros que foram destaque neste ano de 1964. Ana Maria Bahiana já publicou um outro livro, entre muitos, Almanaque anos 70. Poderia muito bem lançar um almanaque do ano de 1968, o mais emblemático de todos e assim formar a sua trilogia.

Almanaque 1964 - Fatos, histórias e curiosidades de um ano que mudou tudo (e nem sempre para melhor) de Ana Maria Bahiana é lançamento da Companhia das Letras, do mês de março. Quando recebi o livro e dei uma primeira olhada, a ideia que imediatamente me veio à cabeça é a de que o livro é especial para ser dado de presente. É um livro da leveza de uma almanaque mas que em momento algum deixa de ser um livro de elevado valor e qualidade, sem o caráter massivo de muitos livros da academia.  






















Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.