segunda-feira, 7 de abril de 2014

1964 - O golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil.

Um dos livros mais completos que apareceu sobre o entorno do golpe civil militar de 31 de março, 1º de abril de 1964 é o livro de Jorge Ferreira e Angela de Castro Gomes, 1964 - O golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instaurou a ditadura no Brasil. O autor e a autora são historiadores. A edição é da Civilização Brasileira. É um, entre tantos livros, que apareceram por ocasião da passagem dos cinquenta anos deste triste evento do golpe, que se transformou na mais brutal e na mais longa ditadura no Brasil.
Um relato minucioso do que foi o Brasil de 1961 a 1964, ou seja, do governo de Jango.

O livro, de 419 páginas, faz um retrato amplo e detalhado do que foi o governo de João Goulart, em seus quase três anos a frente do governo brasileiro, primeiro sob o regime parlamentarista e depois com os poderes amplos do regime presidencialista, poderes que lhe foram restituídos por plebiscito. Este foi um dos períodos mais conturbados de nossa história, em que nenhum único fato, foi obra do acaso. Havia forças políticas em disputa, tão díspares, que um equilíbrio para a sustentação no poder, era uma tarefa quase impossível. A narrativa abrange, desde o mês de agosto de 1961, com a renúncia de Jânio Quadros, até os idos de abril de 1964, quando já se vislumbrava que o golpe desembocara numa ditadura, de desfechos imprevisíveis. A história é contada ao longo de 23 capítulos.

As fontes usadas pelos historiadores são os editoriais da imprensa deste período, pronunciamentos oficiais dos governantes e parlamentares, das lideranças sindicais e dos líderes dos movimentos sociais, como as Ligas Camponesas. O olhar dos historiadores observa a dinâmica histórica do período, com a movimentação das forças que disputavam o poder, em busca da construção de hegemonia. Assim, eles se detém no governo de Jânio Quadros, especialmente na sua renúncia e no quadro de sua sucessão. Para o ministro da guerra de Jânio, o marechal Odílio Denys, Jango não era um homem confiável e, portanto, não deveria assumir. Coisas da guerra fria e da ideologia da segurança nacional.

A historiadora Angela de Castro Gomes, uma das autoras do livro, no seu lançamento no RJ.

Jango, nestes dias de turbulência, se encontrava em missão diplomática na China. Poderosas forças articulam no sentido de que Jango não tomasse posse. Jango tinha todo um passado vinculado a Vargas e ao trabalhismo e o seu nome causava fortes reações. O marechal Odílio Denys, ministro da guerra de Jânio, tudo fez para que Jango não assumisse o poder, o que implicava numa quebra da constitucionalidade. Leonel Brizola garante a legalidade, num movimento heroico e épico. Em negociações posteriores Jango concorda em assumir o poder de forma limitada, sob o regime parlamentarista, para a irritação de Brizola. Um plebiscito popular devolve a Jango o poder sob o sistema presidencialista. A marca registrada que Jango queria deixar de seu governo, seriam as reformas de base, em especial, a reforma agrária. As forças em disputa se tornaram então beligerantes.
 
Os historiadores, autores de 1964, Jorge Ferreira e Angela de Castro Gomes, no lançamento do livro no RJ.

Jango procurava conciliar, o que convenhamos, não é nada fácil, quando as diversas forças já se encontravam em estado de guerra. Este clima ocupa muitas e muitas das páginas do livro. De um lado estão os grupos há muito tempo conhecidos na história brasileira, que são as forças do liberalismo internacional e os seus asseclas brasileiros, capitaneados pela UDN, de Carlos Lacerda e dos governadores Magalhães Pinto e Ademar de Barros, que tinha um partido próprio. A estas forças somavam-se as instituições do IBAD e do IPES, amplamente financiadas pela CIA e que se encarregavam da propaganda e da agitação política. Eram as forças civis que se articulavam com setores do exército e que estariam, mais tarde, à frente do golpe.

 Jango buscava a governabilidade e a maioria parlamentar para viabilizar as reformas de base, com o seu PTB, aliado ao PSD.  Mesmo dentro destes blocos não havia unidade. Interesses particulares, egos inflados e a sucessão fazia com que cada um guiasse os seus próprios passos. As esquerdas, numa expressão de San Tiago Dantas, eram divididas em esquerda positiva (Jango, Arraes e o próprio Dantas) e a esquerda negativa (Brizola, Prestes e Francisco Julião e, ainda, a poderosa CGT)). Os dias começam a ficar mais difíceis para Jango, quando ele se aproxima da esquerda negativa, usando a expressão de Dantas. Antes Jango já abandonara o Plano Trienal, o seu plano de governo, elaborado por San Tiago Dantas e Celso Furtado. A inflação começa a pesar contra Jango. No cenário externo, Jango terá em John Kennedy, um "mui amigo".
Jorge Ferreira também é autor de uma bela biografia de João Goulart, lançada em 2011.

Jango começa a perder o aparelho militar com a questão dos sargentos em Brasília, ainda em 1963, e com a questão dos marinheiros, já em março, quase às vésperas, no Rio de Janeiro. Estes dois episódios são preponderantes para a compreensão da sequência da crise. O Comício da Central do Brasil, o levante dos marinheiros e as últimas tentativas de se manter no poder ocupam as páginas finais do livro, quando também envereda pelos primeiros e desastrados movimentos do golpe, do qual derivou a mais longa e a mais violenta ditadura da história brasileira.  Volto ao livro, em novos posts, com alguns temas mais específicos.
É um livro imprescindível para quem efetivamente quiser fazer um julgamento criterioso deste período, sem se deixar levar pelo senso comum, normalmente eivado de paixões, tanto pelo lado dos defensores de Jango, bem como por parte de seus detratores. Se me permitirem, apresento a sugestão de verem o documentário deste período, intitulado Jango,dirigido por Sílvio Tendler. Este documentário é narrado pelo José Wilker. Desta forma também homenageamos este grande nome do cinema e da televisão brasileira, que acabamos de perder.

2 comentários:

  1. Teu texto instiga á leitura da obra e mais que isto, trabalha contra tentativa de esquecimento e simplificação do que foi de fato aquele período. Elói, não tenho duvida, vc é um aguerrido combatente na trincheira da guerra de posição, na guerra do convencimento. Pena que o Pt esteja perdendo esta guerra por menosprezo ou desconhecimento de que a luta no campo das idéias, da disputa de posição, é a rainha das lutas. Que tal um pouco de Karel Kosic, aquele da Dialética do Concreto? Abraços guerreiro. Me ligue

    ResponderExcluir
  2. Oi Romeu. Nos anos 1980, eu ia para o Cajamar, na escola de formação de quadros do PT. Tive como professores o Frei Betto, o Emir Sader e o César Benjamin. A partir desta época o tema Brasil me acompanha. Acho que eles (o PT) não mais consideram isso importante, depois da conquista do poder. O Partido não passa hoje de uma instituição burocrática. Pensar e questionar o poder não faz parte dos planos. O que é uma pena. Romeu, depois da aposentadoria encontrei no blog um instrumento de ainda ser útil e fazer do aprender algo permanente. Em um ano e meio de blog, tenho hoje mais de 96.000 acessos. Quanto ao Kosic, faz muito tempo que o li, sob uma indicação do Frigotto. Estes dias vi você tomando um vinho. Gostaria de ter o prazer de tomarmos um, juntos e analisar o que se passou em nossas vidas depois da nossa passagem pela APP-Sindicato. Um grande abraço.

    ResponderExcluir

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.