terça-feira, 1 de abril de 2014

Gracias a la Vida. Memórias de um militante. Cid Benjamin.

Por ocasião da passagem dos cinquenta anos do golpe militar que quebrou a ordem democrática e instaurou a ditadura civil-militar no Brasil, uma nova e variada bibliografia está surgindo. Muitos destes livros são memórias de militantes, outros são frutos de pesquisa, com a disponibilização pública de alguns documentos do período, outros são de novas reflexões e interpretações do período. Em suma já existe uma farta literatura a respeito do mais tenebroso período de nossa história. Outros ainda deverão vir, com os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade e com a abertura de arquivos que ainda permanecem secretos. Comprei um série destes novos livros e também alguns que estão por aí, há um bom tempo.
Gracias a la vida, memórias de um militante, de Cid Benjamin, da José Olympio.

O primeiro que li foi Gracias a la vida - Memórias de um militante,de autoria de Cid Benjamin. Por que este? É muito simples. Tive um período de proximidade com outro Benjamin, o César, que vim a saber, ser o seu irmão mais novo. César foi meu professor num projeto de formação de quadros, na escola do Cajamar, uma escola de formação de quadros para o Partido dos Trabalhadores. Isto foi ao final da década de 1980. Nos anos 1990 fui para a direção estadual da APP-Sindicato e volta e meia convidávamos o César para os nossos congressos e trabalhos de formação. Depois ainda o acompanhei no movimento chamado Consulta Popular. Chegou a ser candidato a vice-presidente, pelo PSOL, na chapa com Heloísa Helena. O perdi, após a publicação de um certo artigo na Folha de S.Paulo. César foi uma das inteligências mais brilhantes que eu conheci.

O livro de memórias de Cid faz muito sentido. Ele é dividido em capítulos e cada capítulo tem uma frase em epígrafe, sempre com um extraordinário significado. A sua abrangência vai dos anos 1970, após os anos de chumbo e a opção de muitos grupos de militantes da esquerda, pela luta armada. Fala ainda da fundação e da ascensão do PT ao poder e a sua desilusão com ele e, à sua nova opção de militância política através do PSOL. Cid iniciou a sua militância numa dissidência estudantil do PCB, o partidão, da qual resultou o MR-8. Gosto dos livros que tem uma certa distância dos fatos. O tempo amadurece a análise e a interpretação. O livro foi escrito ao longo do ano de 2013.
Avivamento da memória. Visitando os locais terríveis.


Os horrores na vida de Cid começaram no 21 de abril, dia de Tiradentes, do ano de 1970. O dia de sua queda. Descreve todo o cenário que levou à ditadura e a opção da esquerda pela luta armada, vista à época, como a única opção de enfrentamento. Narra os horrores das torturas no DOI-CODI do Rio de Janeiro, a sua passagem pelo Dops para os inquéritos militares, um paraíso perto do inferno que fora o DOI-CODI. Passa pela narrativa do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, do qual participou, pelas ações da guerrilha urbana, pela sua libertação após o sequestro do embaixador alemão Von Holleben e pela sua longa vida de exilado político, na Argélia, no Chile, no México, em Cuba e finalmente na Suécia. De cada período sobram observações muito interessantes e perspicazes.

Um dos mais belos capítulos é A opção pela militância. Nele narra a sua convivência familiar e estudantil e dá um belo perfil de seu pai, Ney, que construiu toda a sua vida através da carreira militar. Valorizava os atributos como "honestidade, lealdade, coerência e coragem" e nunca passou aos filhos "a ideia de que 'vencer na vida' era ganhar dinheiro". De sua mãe, Iramaya, destaca o espírito irrequieto e o seu gosto pela militância, especialmente adquirida na luta pela liberdade de seus filhos. Teve destaque especial nas lutas pela anistia. Seus estudos básicos foram feitos na Escola de Aplicação da UFRJ, universidade na qual ingressou, no curso de engenharia, num período em que já se dedicava mais à militância do que aos estudos.

Junto a um amigo. Hoje Cid Benjamin milita no PSOL.

As descrições sobre o exílio são interessantes e fornecem dados sobre a vida do Chile de Allende, de Cuba e as suas experiências socialistas, especialmente no campo da economia e nos dá também uma bela ideia do que foi a social democracia sueca. Foi na Suécia que viveu por mais tempo. Adaptações e readaptações em todos os setores da vida, sem nunca atingir estabilidade. A sua volta ao Brasil se deu em 1979, pela Lei da Anistia, de 28 de agosto daquele ano. Novas adaptações e novas lutas.

A sua trajetória pós exílio pode ser vista em três capítulos em que um jogo com a palavra estrela nos dá as pistas de sua nova caminhada. A hora e a vez da estrela, A estrela perde o brilho e A estrela se apaga. A hora e a vez da estrela ganha a seguinte frase em epígrafe: "Estrela de luz - Que me conduz - Estrela que me faz sonhar", do samba de Paulinho Mocidade, Dico da Viola e Moleque Silveira. Já A estrela perde o brilho ganha epígrafe com esta frase de Oscar Wilde: "Chamamos de ética as coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando. Chamamos de caráter as coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando" e, finalmente, um outro samba é escalado para A estrela se apaga. "O que soube a seu respeito - Me entristeceu, ouvi dizer - Que pra subir, você desceu - Você desceu". Mauro Duarte, no samba "Lama". Creio que comentários não são necessários.

Estes capítulos mostram a importância histórica do PT e o seu desvio de rumos. São excelentes para o PT fazer uma autocrítica, se isso é possível. Mostra os avanços sociais representados pelo PT, enquanto governo, o que faz com que, quando em segundo turno, ainda vote neste partido. Mas não vê mais no PT o caminho para as transformações republicanas e socialistas de que o país necessita. Fala das denúncias feitas por Paulo de Tarso Venceslau, ainda no governo de Jacob Bittar em Campinas e a atuação de Roberto Teixeira, o super amigo de Lula. As acusações de Paulo de Tarso não encontraram eco no partido. Pelo contrário, este o expulsou de seus quadros.

Memórias dos tempos da repressão.

Cid Benjamin praticamente ganhou a vida como jornalista. Fez coberturas que tiveram repercussão, mas que também o incompatibilizaram com dirigentes do PT. Uma importante cobertura que fez, para o Jornal do Brasil, foi a morte de Celso Daniel. Fala que se o PT tivesse ouvido e tivesse tirado as lições do caso de Santo André e antes, da CPEM, a empresa do amigo de Lula, o Roberto Teixeira, certamente não teria chegado até o caso do mensalão. Também faz ásperas críticas aos chamados consultores dentro do PT, nome de fachada para o exercício de tráfego de influências. Os nominados são todos conhecidos da imprensa brasileira. Também aponta para onde o PT não conseguiu chegar e que seriam os pontos essenciais para uma verdadeira transformação socialista e republicana no Brasil.

Sim, o título do livro. Iramaya, sua mãe fora visitá-lo no Chile. Mais tarde ela escreveu um livro, Ofício de mãe. Nele se lê o seguinte, sobre esta visita: "Todos os móveis - mesa, cadeira e cama - eram rústicos, feitos pelo próprio Cid. O que ele tinha mesmo era um violão. Cheguei lá e encontrei o Cid, feliz, sentado na cama feita por caixotes, recostado na parede, tocando violão e cantando "Gracias a la vida, que me ha dado tanto...' E aquela pobreza franciscana". No Chile, Cid frequentava um bar - Peña de los Parra - de Isabel e Angel, filhos de Violeta Parra.

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