terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Lavoura Arcaica. O filme.

Raduan  Nassar é um escritor ímpar. Escreveu pouco. Três livros apenas, Lavoura Arcaica, Um copo de cólera e Menina a caminho, que reúne os contos escritos entre 1960 e 1970. Parou de escrever ainda na década de 1980. Lavoura Arcaica foi escrito em 1975 e se tornou bastante conhecido a partir de 1989, quando foi reeditado pela Companhia das Letras e começou a receber indicações como um livro cobrado em vestibulares. O livro é um retrato de sua infância e adolescência e as desventuras com o pai, com a severidade de sua pequena moralidade que sufocava o seu desejo de liberdade.
Lavoura Arcaica foi levado ao cinema pelo diretor Luiz Fernando Carvalho.

Raduan Nassar nasceu em 1935, filho de uma família de libaneses, de tradição católica, mas muito católica. Lavoura Arcaica retrata cenas de sua vida familiar, com fortes traços autobiográficos na figura de André, o filho rebelde, que, ao fugir de casa, teria destroçado a unidade da família. Mas esta não se refaz quando volta para casa, pelo contrário, aí é que ela implode completamente. Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Ataíde, qualificou a obra como um "drama tenebroso, em estilo incisivo, nunca palavroso ou decorativo, da eterna luta entre a liberdade (André) e a tradição (o pai), sob a égide do tempo".

Lavoura Arcaica chamou a atenção do cineasta Luiz Fernando Carvalho, um nome respeitado. Levou a obra para o cinema em 2001. Provavelmente Luiz Fernando Carvalho é tão exigente consigo mesmo e com a produção de sua arte, quanto o foi Raduan Nassar, na escrita do livro. O filme é longo, tem quase três horas de duração. A fidelidade ao texto é absoluta. Isso até se transformou numa acusação, de ele ter sido textual demais. Reproduz na íntegra muitos diálogos, que na verdade são mais monólogos de André, quando este expõe ao irmão Pedro, os seus desencontros com o pai e com a vida. Da mesma forma são reproduzidos os sermões do pai para os filhos, militarmente ocupando os seus lugares à mesa.
O grande livro foi levado ao cinema em 2001. Grande sucesso de crítica. Muitos prêmios.

O filme é introspectivo, dá forma, ou transforma a imaginação de Raduan em imagens reais e concretas. O seu andar é lento, contrastando com as agitações que o tempo provoca, nos confrontos com o pai. Ternura e revolta se somam no bom filho, mas que, qual semente, também contém o "germe do mal". A briga de André, mais do que com o pai, é com ele mesmo, com o desejo de afirmação de sua individualidade e liberdade, que o leva ao desespero. O filme também retrata os costume libaneses que se preservaram junto aos seus imigrantes.
Selton Mello interpreta André, o personagem em torno do qual tudo gira. É um retrato de seus conflitos, na sua busca por liberdade e identidade. Não reprodução.

As atuações são soberanas. Selton Mello interpreta André e Raul Cortez faz o papel do pai. Já Simone Spoladore interpreta Ana, a irmã, por quem André alimenta uma paixão incestuosa. Juliana Carneiro da Cunha interpreta a ternura e a sobriedade da mãe, ficando para Leonardo Medeiros o papel de Pedro, o irmão mais velho e olhos e extensão da autoridade do pai. As cenas de rebeldia, de Lula o irmão mais novo e de Ana, em seu impulso de luxúria e de vida, um "demônio versátil", são particularmente maravilhosas.
Cena maravilhosa. Ana, a irmã. Da capela, para uma explosão de vida e de sensualidade.

O filme foi um sucesso de crítica e recebeu prêmios pelo mundo afora, onde participou. Mas não foi um sucesso de público. Assim como o livro, que se destina somente a leitores, o filme também se destina apenas a cinéfilos e não para o público. Não é um filme de mero entretenimento. É um filme que provoca a reflexão, e como tal, produz os seus incômodos e os seus desassossegos. A claridade que havia na fazenda, mais tarde veio a perturbar o menino André, que procurava cumprir uma cobrança que Saramago sempre se fazia; "Nunca te permitas ser menos do que és". Magnífico.


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