quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Temas em debate. IV. As políticas educacionais do neoliberalismo.

Estes temas em debate são o desmembramento de um trabalho acadêmico que apresentei na PUC/SP, no mestrado em Educação  - História e Filosofia da Educação, em 1998. Depois o artigo foi publicado no Caderno Pedagógico da APP-Sindicato, nº 2, em março de 1999. São cinco temas, a saber: I. O liberalismo: uma contextualização e afirmação de princípios; II. A social democracia; III. O neoliberalismo; IV. As políticas educacionais do neoliberalismo; V. O neoliberalismo e o futuro da democracia , junto com as considerações finais. O tema de hoje é: As políticas educacionais do neoliberalismo.   Mantenho as frases em epígrafe.

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO NEOLIBERALISMO

O mercado produz desigualdade tão naturalmente como os combustíveis fósseis produzem a poluição do ar. Eric Hobsbawn.

Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e passagens de grande importância na história do mundo, ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. Marx (18 Brumário).



Estamos trabalhando com a ideia de que, fundamentalmente, o neoliberalismo é uma retomada dos princípios do liberalismo clássico, tendo em Adam Smith e nos utilitaristas, a sua principal fonte. Isto se faz verdade se tomarmos a questão da educação. Algumas das ideias hoje em voga, foram detalhadas no já referido I, do volume II, de A Riqueza das Nações. Vejamos estas ideias. Adam Smith é um pensador coerente e, neste sentido, subordina todas as suas concepções, na centralidade da ideia da excelência do mercado e da liberdade. Assim, também a educação ficaria subordinada a este princípio, começando com um ensino que se regeria pelo princípio da utilidade.
Esta sua obra já contém receitas para a educação, sob a ótica do mercado.

Adam Smith parecia antever a criação dos sistemas nacionais de educação, que se fundariam nos princípios da educação como direito do cidadão e um dever do Estado, cabendo a este, instituir redes de ensino e assumindo o salário dos professores. Isto geraria, na sua visão, a ineficiência do sistema, por uma tendência à acomodação e a inúmeros vícios corporativos dos professores - que não movidos pela competição e pela premiação do mérito - não se dedicariam à causa. Porém, como a educação é útil para toda a sociedade, o Estado pode conceder ajudas, especialmente através das comunidades locais ou através de bolsas de estudo.

O tema é retomado em Friedman  quando ele fala do "papel do governo na educação"(Liberdade de escolher). Friedman retoma a questão, quando bem ou mal, os sistemas nacionais de educaçãoo já estavam instituídos, há quase cem anos, nos países desenvolvidos e contabilizando resultados (já familiarizando com a linguagem), como por exemplo o fato de eliminar o analfabetismo, de ter dado uma enorme contribuição para a formação técnico profissional e de conseguir alcançar significativos avanços na oferta progressiva de mais educação, para mais pessoas. A educação - pela via dos sistemas nacionais - havia se transformado num bem social eminentemente público.


As ideias de Friedman não são nada originais, uma vez que se constituem numa retomada das ideias de Adam Smith. Suas críticas aos sistemas educacionais ocorrem exatamente em virtude de haver sistemas educacionais e, principalmente, pelo fato de que estes sejam públicos, fugindo da ótica do mercado e do privado. Critica os professores, especialmente a sua estabilidade, que considerava como o gerador do corporativismo, da acomodação e do descompromisso. As soluções apontadas estão voltadas para o mercado, na aplicação dos princípios da competição; na liberdade de os alunos escolherem as escolas - as melhores obviamente - e por isso elas precisariam ser classificadas, através de um ranking; no ensino pago por todos, podendo ser subsidiado para os pobres através de vales (os vauchers) e, na remuneração dos professores, determinada pelas demandas do mercado e por seus méritos.

Ancorados nestas ideias e no princípio da redução dos gastos com o bem-estar é que se iniciou a aplicação de políticas educacionais neoliberais para a educação. Aí entra em cena um outro importante dado para o qual ainda não havíamos chamado atenção: o enfraquecimento do poder nacional e a sua concentração em agências internacionais. Outro detalhe também importante é que sob o neoliberalismo agências internacionais que antes se dedicavam à educação, como a UNICEF e a UNESCO, também tiveram o seu poder reduzido e transferido para as agências de financiamento, sendo hoje o Banco Mundial, o que melhor expressa este fenômeno. Hoje, ele se constitui, simultaneamente, no maior financiador e no maior órgão de assessoria de projetos educacionais do mundo inteiro. Constitui-se no grande "intelectual coletivo" - se é que podemos usar a expressão - a pensar e orientar as políticas educacionais.

O Banco atua em projetos sociais e, mais especificamente educacionais, a partir da década de 1970. Inicialmente, atuou na qualificação de recursos humanos, ancorado na pedagogia do capital humano, investindo prioritariamente no ensino técnico-profissional do ensino médio. Já na década de 1990, as suas políticas integram as de alívio e contenção da pobreza, optando como prioritário, o investimento na educação básica.

O Banco trata a educação por um reducionismo economicista, querendo aplicar às escolas uma linguagem transportada do econômico para o educacional.  Suas políticas também são marcadas pelo afastamento dos pedagogos da concepção da educação, passando este espaço a ser ocupado pelos economistas. A escola passa a ser vista como uma empresa, o diretor como um gerente, os alunos como clientes, os resultados escolares como produtos, os agentes educativos como insumos (inclusive os professores) e o principal parâmetro para todas as ações educativas passa a ser a relação custo - benefício e as taxas de retorno. Isso permite políticas como a superlotação das salas de aula, correção das distorções idade/série, eliminação da reprovação, tendo sempre - para tais ações - parâmetros econômicos e não pedagógicos. O Banco é também o grande responsável pela visão eminentemente quantitativa e não qualitativa da educação. O mercado também determina os fins da educação e por isso já se fala em cidadãos competitivos. Já houve tempos em que os fins da educação eram determinados pela filosofia. Esta dimensão só é compreensível com a fixação de toda a centralidade da vida humana no mercado.

O Banco parte do pressuposto liberal clássico, neoclássico ou neoliberal, da existência e da superioridade do mercado, de seus mecanismos de competição e das pseudo-liberdades a ele inerentes. A falácia da liberdade de escolher a escola através dos bônus, parte da premissa de que o dinheiro é o único agente a determinar o ingresso dos alunos em alguma escola. Esta suposta liberdade de escolha tem gerado situações, preconceitos e exclusões, que já se imaginavam, de há muito superadas. Afinal de contas, o ranking , ou o número de estrelas da escola, precisa ser mantido.

Mas a mais perniciosa de todas as práticas educacionais é uma política geral do neoliberalismo, que é a redução dos espaços públicos, pela inibição e desmantelamento da participação organizada da sociedade civil, procurando restringir tudo aos espaços limitados do privado. Usando a linguagem de Gramsci e aplicando-a ao presente momento, poderíamos dizer que o grande esforço neoliberal, em reduzir o tamanho do Estado, até o Estado mínimo, é essencialmente a redução do estado, ampliado pelos espaços públicos conquistados pela sociedade civil, reduzindo tudo aos limites do âmbito privado, onde os clamores do público não fazem eco. Neste sentido, o neoliberalismo é - acima de tudo - um atentado à democracia e é o tema que nos provoca para o último questionamento deste trabalho: é possível a convivência entre o neoliberalismo e os princípios da democracia? 

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