quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Um trem para Leontina. Romeu Gomes de Miranda.

Gostaria de ter a leveza e a poesia da escrita do professor Romeu Gomes de Miranda para lhe fazer justiça na resenha deste seu belo romance de estreia. Fui ao lançamento do seu livro, no dia 23 de novembro de 2018, na sede da APP-Sindicato, um lugar que lhe é bem familiar, uma vez que já presidiu esta entidade e, diga-se de passagem, com raro brilhantismo. O romance de estreia do Romeu tem por título Um trem para Leontina. Um título bem significativo, uma vez que o tema do romance se passa na guerra do Contestado, guerra esta, causada pela estrada de ferro, ou mais precisamente, as terras às suas margens.
O exemplar de Um trem para Leontina.

A guerra do Contestado ocorreu entre os anos de 1912 e 1916, por uma disputa de fronteiras entre os estados de Santa Catarina e do Paraná e pela abertura de uma estrada de ferro, ligando a região ao Rio Grande do Sul. As terras às suas margens eram tomadas por pinheiros, o que atraiu a cobiça das madeireiras estrangeiras, associadas aos interesses dos proprietários da ferrovia, na exploração das ricas e valiosas florestas, com o sacrifício das populações ali estabelecidas e que teimavam simplesmente em sobreviver, fato que a modernização lhes impedia.

É sabido que a história do Brasil sempre foi acompanhada de muita violência. Dizimamos as nossas populações indígenas e não soubemos lidar com a abolição da escravidão, ao não integrar os negros libertos à nossa economia. Terra e escola sempre lhes foram negados. A monarquia foi trocado pela República, mas, por uma República nada republicana, ou caracterizando melhor, por uma República oligárquica e positivista. A República recém instaurada não titubeou em matar os seus filhos em favor dos interesses do capital estrangeiro, que aqui se estabelecia para nos fazer sonhar com o progresso. A região já conhecia a violência pela Revolução Federalista, ocorrida alguns anos antes e que instaurara na região o sistema da degola.

O desespero dos pelados, designação pela qual era chamada a população cabocla, passou a ser canalizada pela presença de monges, única voz que lhes dava alento, esperança e organização para a resistência. É o fenômeno do misticismo religioso. Nas cidades atuavam os padres, ou freis, alinhados ao poder oficial dos estados e da União. O termo pelados veio em oposição aos peludos, os detentores do prestígio, das armas e dos poderes. A defesa pela vida traçara assim o cenário para o romance. Romeu passou grande parte de sua infância e juventude em sua cidade natal, Mafra SC. e na vizinha Rio Negro PR. O seu primeiro emprego foi na Rede Ferroviária. Estava, portanto, devidamente ambientado e dotado da grande virtude da indignação.
Um autógrafo, com enorme afeto.

Rio Negro, Joaçaba e outra cidades sublevadas formam o cenário de seu romance. Leontina é uma pobre menina, como inúmeras outras, filha de um pai sem os polimentos da humanização e de uma mãe extremamente zelosa. Por esforços inauditos consegue o seu ingresso na escola, onde se destaca, positivamente, pelos seus resultados e, negativamente, como vítima de preconceito e arrogância. A menina, em sua transformação para mulher desperta a atenção dos poderosos e Teodomiro se apodera dela em cenas de estupro. Leontina posteriormente irá trabalhar em Joaçaba, na estação de trem. Ela é sensível demais com as injustiças para não se envolver na guerra. Ali ocorre uma cena extraordinária de solidariedade e humanidade.

O enredo passa pelos amores de Leontina, pelo seu enorme senso prático e de organização da luta e pela sua coragem e destemor. Estas qualidades lhe dão liderança e a amizade e o amor de Alemãozinho, e depois, de Adeodato, o último dos chefes caboclos. Mas não existe muito espaço para romantismo em meio a este cenário de horrores. Os sussurros de amor são abafados pelos tiros. Mas sobram também espaços, embora reduzidos, para a cantoria e louvores. Ah sim, a trama não seria completa se não existisse a vingança, pelo estupro consumado no início da história. Cena para filme. Romeu concedeu a Leontina a imagem  de uma heroína do Contestado. As liberdades da ficção e da poética a fizeram grande. É fácil se encantar por Leontina.

Transcrevo ainda três parágrafos da orelha do livro, em que o mesmo é apresentado: "Este Um trem para Leontina irá levar o leitor ao passado, e também ao futuro.. A partir de uma costura literária, o autor Romeu Gomes de Miranda nos leva até a estação do Contestado, no início do século passado. Lá conhecemos personagens que tiveram suas vidas mudadas por um dos episódios mais violentos da história do Brasil.

Entre 1912 e 1916, um conflito armado entre a população cabocla e os representantes dos poderes estadual e federal causou a morte de mais de 8 mil pessoas, além de outros mil soldados do exército. Os motivos: a fissura entre a posse e o uso da terra; a intolerância de um estado autoritário; a fé messiânica de um povo na criação de uma nova sociedade: e, principalmente, as contradições de um regime republicano que almejava um futuro moderno para o Brasil, mas mantinha convicções representantes do mais puro atraso.

O Contestado, dizem, é o Canudos do Sul. Mas teria lhe faltado um Euclides da Cunha para narrar todo o horror que sangrou aquela terra limítrofe entre Paraná e Santa Catarina. Através dos personagens deste romance, poderemos viajar pelos trilhos da história e tentar criar laços com aquele povo condenado por tentar viver conforme um sonho".
Romeu Gomes de Miranda, um valoroso herdeiro do Contestado.


E, finalmente, o último parágrafo da contracapa: "Escrito por um filho tardio daquela terra, Um trem para Leontina espera ser também um alerta para o futuro. Pois uma nação que não sutura as feridas de sua história jamais será capaz de se desenvolver, garantindo que o futuro não seja apenas uma repetição do passado". Romeu é um filho tardio desta região, que cedo se integrou nas lutas para combater as injustiças que provocaram e provocam a enorme desigualdade social brasileira. Esta sua indignação, que o levou para a luta por esperança, faz com ele seja um dos mais dignos herdeiros do Contestado. Romeu sempre encontrou as suas trincheiras de luta.

O promissor romance do Romeu, Um trem para Leontina, é uma publicação da editora curitibana Com Pactos. O livro poderá ser adquirido junto ao livreiro Maurício, pelo fone 41 99931 8944.

2 comentários:

  1. Parabéns pela resenha, Prof. Eloi!
    Não conhecia o livro do Prof. Romeu, com quem trabalhei um tempo na Divisão Educacional do Colégio Estadual do Paraná. As lutas do nosso povo sempre foram objeto de estudo e discussão em minhas aulas de História com alunos do fundamental e Segundo Grau. Conhecer profundamente Os Sertões, num projeto desenvolvido pelos meus professores quando fazia o ginásio nas Classes Experimentais de Socorro/SP, no início dos anos sessenta, não me deixa esquecer que "O sertanejo (o nosso povo dos rincões deste país) é, sobretudo, um forte".

    ResponderExcluir
  2. Você deve ter tido um privilégio raro de ter trabalhado com o professor Romeu. Que bom que você tomou conhecimento do livro dele. Muito obrigado pelo elogioso comentário.

    ResponderExcluir

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.