segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O Encouraçado Potemkin e o Golpe Militar de 1964.

Lendo o livro Brasil: uma biografia, das historiadoras Lília M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, me deparei novamente com os acontecimentos que precipitaram para o golpe militar de 31 de março, ou primeiro de abril de 1964. Me lembrei especificamente do dia 25 de março, quando os marinheiros receberam voz de prisão do Ministro da Marinha, Sílvio Mota. Esta voz de prisão confrontava com a vontade do presidente Jango, que em viagem de descanso para São Borja na semana santa, ordenou ao seu ministro da justiça, Abelardo Jurema, para contornar qualquer problema que surgisse.
Um livro maravilhoso. Do descobrimento ou invasão, até o governo Collor.

Esse episódio me lembrou do filme de Eisenstein, O Encouraçado Potenkim. Aproveitei o momento para revê-lo. Daí lembrei da bela biografia de Jango, - João Goulart, uma biografia, de Jorge Ferreira, para rever os acontecimentos em maior profundidade. Me lembrava que os marinheiros amotinados assistiam ao filme e que ele era constantemente interrompido para ouvirem explicações e estabelecer paralelos entre a vida dos marinheiros, no porto de Odessa de 1905, com as dificuldades que eles viviam no presente. A revolta no Encouraçado teve origem na má qualidade da comida, onde a carne estava infestada de vermes.
O filme de Eisestein. O Encouraçado Potemkin.

O encontro do dia 25 de março era para marcar o aniversário de dois anos da criação da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (ANFEB). A entidade, contam as historiadoras, "tinha viés sindical e fora criada com o objetivo de conseguir melhores condições de trabalho para o pessoal da Marinha de Guerra que sobrevivia com salários baixos, péssima alimentação nos navios e regulamentos absurdos". Entre os absurdos estava a proibição de casamento e a de não saírem para a rua em trajes civis. E para complicar ainda mais, convidaram João Cândido, o líder remanescente da Revolta da Chibata, de 1910, que ocorrera em consequência da aplicação de castigos físicos aos marinheiros que não se enquadravam à disciplina naqueles idos tempos. João Cândido era o convidado de honra.

Evidentemente que a presença de João Cândido tinha um caráter profundamente simbólico. O Ministro da Marinha já havia conseguido remover o encontro, que aconteceria na sede da Petrobras, em contatos como o seu presidente General Osvino Ferreira Alves, para a sede do Sindicato dos Metalúrgicos. Jorge Ferreira assim narra o desenrolar dos acontecimentos: "O ministro da marinha, então, enviou uma tropa de 500 fuzileiros navais, apoiados por 13 tanques, para invadir o prédio do sindicato e de lá retirar os marinheiros, vivos ou mortos". Ferreira continua relatando os fatos, nos contando que houve sublevação e que parte da tropa de choque se recusou em atacar, indo ao encontro dos marinheiros rebelados. Em protesto o ministro renunciou ao seu cargo.
Uma bela biografia de um presidente muito querido pelo povo.

Muitas negociações foram entabuladas e os marinheiros foram libertados. Se dirigiram então ao Ministério da Guerra para provocações. Ao final foram anistiados e o Ministro da Marinha demitido. As principais reivindicações foram atendidas. O fato foi visto como quebra da hierarquia militar e o presidente Jango foi perdendo o seu prestígio junto às Forças Armadas, mesmo entre aquelas que continuavam legalistas.

Logo a seguir, outro fato, que também apontava para a quebra da hierarquia entre as Forças Armadas apressou a deflagração do golpe. Para a noite do dia 30 de março estava marcado o jantar de posse da nova diretoria da Associação dos Sargentos. Jango compareceu à festa e discursou. Jango comparecera a uma festa organizada por subalternos das Forças Armadas. Mais uma vez a hierarquia militar fora quebrada. E os acontecimentos se precipitaram. Logo amanheceu o dia primeiro de abril. Mas os golpistas, certamente por não terem visto o dia amanhecer, envolvidos em conspirações e traições, confundiram o raiar do novo dia com o final da noite anterior, a noite do dia 31 de março. Apenas para lembrar, o dia primeiro de abril é o dia consagrado à mentira.

Certamente que Eisenstein cumpriu com a função pedagógica que julgava que o cinema tivesse. Ele provocou a revolta entre os subalternos da marinheiros brasileiros e lhes provocou os ímpetos revolucionários. Só que neste caso, as forças reacionárias falaram mais alto e contiveram os ânimos com um terrível golpe, de triste memória.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.