sábado, 19 de janeiro de 2019

Elogio da loucura. Erasmo de Roterdam.

Enfastiado com uma série de leituras sobre os Estados Unidos, a saída apontou para a leitura de um clássico. Recentemente um amigo meu, em conversa de bar, me falou em reler Elogio da loucura. Eu o estimulei bastante e também caí na mesma tentação. Nas veleidades da juventude, eu havia me proposto a sua reescrita, adaptando-a aos tempos de hoje. Depois esta loucura passou. A razão, a sabedoria e o juízo me ditaram que esta é uma obra ímpar.
Para Thomas Morus, em 1509.

É absolutamente impossível ler esta obra sem uma contextualização. Então vamos a ela. Elogio da loucura irá aparecer em 1509, em Paris. Erasmo de Roterdam nascera em 1466 e morreu em 1536. tempos muito agitados, portanto. Eram os tempos modernos. Tempos de descobrimentos marítimos. tempos de ambição sem limites. Tempos de afirmação da igreja católica, que, quanto mais se afirmava, mais era contestada. Veio a reforma protestante, o anglicanismo e a contra-reforma. Apesar de tudo e por inacreditável que pareça, Erasmo permaneceu católico e, mais incrível ainda, tornou-se padre. Teve uma morte natural na cidade de Basileia. Seu amigo Thomas Morus, para quem escreveu o Elogio da loucura, não teve a mesma sorte. Morreu com um julgamento de Henrique VIII. Em compensação tornou-se um santo católico.

Um dado biográfico. Erasmo era filho ilegítimo, se é que isto existe. Ilegítimo diante da lei da igreja, pois seu pai e sua mãe não eram casados. Era, portanto, um filho bastardo. Me desculpem se estou usando estes termos, mas creio que servem como introdução à obra. É tudo o que o Príncipe do Humanismo irá criticar. Os seus pais morreram cedo mas o infortúnio não tomou conta de sua vida. Teve protetores poderosos e oportunidades para estudar. O tema de seus estudos estão retratados no Elogio. A cultura greco romana, o Novo Testamento, São Paulo, as cartas e os primeiros pensadores cristãos, os formuladores da doutrina.

A sua obra é de uma ousadia sem tamanho. Eram tempos de intolerância total. A ironia e a sátira são as suas armas. Critica as instituições e os poderes. Poupa os criticados. Citações só os clássicos, já distantes na história e impossibilitados de atos de vingança. Os seus ataques preferidos são dirigidos indistintamente aos homens que exerciam o poder: reis e príncipes, bispos, cardeais e papas, monges e sacerdotes, bem como as instituições por eles presididas. Anotei um termo, quando fala dos teólogos, um gordo teologastro. Casamento, família e a "cornice" também recebem amplos elogios. Também sobra para os gramáticos e para os estoicos.

Também merece atenção especial a forma da escrita. Depois de uma carta para Thomas Morus, ao qual apresenta o seu escrito, este vem, de um sopro só, num único capítulo. Antônio Olinto, na introdução à obra, na edição da Ediouro, a apresenta como irônica, humorística e séria. Na carta a Morus, ele comenta que poucos não a entenderão e faz ainda um trocadilho com o sobrenome Morus, uma referência aos costumes. Aliás, o nome de versões do título da obra também remetem aos costume. Moria Encomium, Stulticiae Laus, ou simplesmente Elogio da loucura. Sabedoria, razão e estultícia seriam os antônimos. Antônio Olinto também apresenta Erasmo como o primeiro escritor profissional, já nos tempos da invenção da prensa. E como escritor ele tem os seus subterfúgios. O narrador é a própria loucura, em palestra num grande auditório. Que bela estratégia.

O ponto alto do livro, ao menos para mim, são as primeiras páginas, quando a loucura se apresenta. Apresenta seu pai, sua mãe e o seu nascimento, que ocorre na ilegitimidade (a seu próprio exemplo), como filha do prazer e do amor livre, num transporte de ternura amorosa. Plutão é o seu pai e Neotetes, a juventude, é a sua mãe. Uma loucura, não como foi a de Júpiter e Minerva e muito menos como o do Caos. Também apresenta as suas companhias e o seu império e faz para si um auto elogio. - se não tens quem te elogia, elogia-te a ti mesmo. E segue um longo Elogio da loucura, loucura, sem a qual, a vida não seria possível, uma vez que está presente em tudo e é responsável pelos melhores momentos da vida.

Mas vamos ainda à apresentação do livro, em sua contra capa: "Tendo perdido os pais muito jovem, Erasmo foi enviado ao convento de Stein, onde dedicou-se aos estudos de forma apaixonada. Aos vinte escreveu sua primeira obra - O Desprezo do Mundo - que alcançou enorme sucesso, celebrizando seu autor. Sua fama levou-o à França, Itália, Suíça e Inglaterra, onde conheceu e tornou-se amigo de Thomas Morus. Seu Elogio da loucura é uma sátira mordaz, na qual os potentados da época e sobretudo os homens da Igreja, que ele conhecia tão bem, são retratados com impiedade pela ironia incomparável deste grande escritor".

Como gostei demais de conhecer o pai, a mãe, o nascimento, a turma e a corte da Loucura, irei apresentá-los em um post especial. E uma questão: Por que Erasmo não foi um Lutero?

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