segunda-feira, 12 de junho de 2023

O livro dos insultos. Henry Louis Mencken. "O espetáculo da estupidez humana".

Sábado por volta do meio dia recebo uma ligação do meu amigo Valdemar. "Venha aqui para o restaurante São Francisco", disse-me ele. O motivo era para conversar com Cristovam Buarque, que ali viera para almoçar. Lembrando que Cristovam foi, entre outras funções e atividades, reitor da Universidade de Brasília (UNB). governador do Distrito Federal, ministro da educação, senador e candidato a presidente da República. A conversa foi pouca e se reportou mais à escravidão, tema de um livro seu. Sobrou uma fotografia como lembrança.

O livro dos insultos. H.L. Mencken. Companhia das Letras.2009.

No almoço também se encontrava Firmino Ribeiro, o venerável Pai Firmino, um venerável do humor, da ironia e da sátira. Ele passara antes por um sebo, do qual ele trazia alguns livros. Entre eles, O livro dos insultos, de H. L. Mencken (1880-1956). Perguntando se eu o tinha lido e se eu o tinha e, diante de minha resposta negativa, me presenteou com o livro. Registro aqui os meus agradecimentos. O livro, além de seu chamativo título, traz duas informações de capa: Seleção, tradução e posfácio de Ruy Castro e - A língua mais afiada do jornalismo americano em uma reunião de seus melhores (e piores) momentos.

Fui à leitura. Eu estava à frente de 18 temas da civilização mundial em geral e da estadosunidense, em particular. Eu estava diante de um dos mestres do humor e da fina ironia e diante dos mais sagrados temas da civilização ocidental e cristã, profundamente cristã, para a qual a sua flecha, com muito veneno, estava apontada na maioria das vezes. Junto com a civilização cristã (os protestantes com larga preferência) e a sua irmão gêmea, a moral, sua hipocrisia e farsa, são os seus temas preferidos. Vejamos os 18 temas presentes nas agudas percepções do iconoclasta Mencken:

1. Homo sapiens. 2. Tipos de homens (o romântico, o cético, o crédulo, o operário, o médico, o cientista, o empresário, o rei, o metafísco, o homem médio, o dono da verdade, o parente, o contraparente, o amigo, o filósofo, o altruísta, o iconoclasta, o chefe de família, o solteiro, o homem perfeito, o eterno macho, o escravo). 3. Mulheres (a mente feminina, mulheres fora da lei, a mulher fria, intermezzo sobre a monogamia, a libertina, a isca da beleza). 4. Religião (funcionários da fé, o secretariado cósmico, a natureza da fé, a restauração da beleza, o colapso do protestantismo, imune, um novo uso para as igrejas, livre-arbítrio, meditação de sábado, a imortalidade da alma, quod est veritas?, Sagrada escritura, cerimônia memorial). Daqui para frente não darei mais os subtítulos.

5. Moral -, onde além de sua gênese, volta ao tema do livre-arbítrio. 6. Morte. 7. Governo. 8. Democracia. 9. Homens em combate. 10. Economia. 11. Psicologia. 12. Tempos modernos. 13. A literatura dolorosa. 14. Litterati. 15. Música. 16. Artes menores. 18. Bufonarias. 18. Sententiae. Dessas sentenças eu escolhi uma: "Mostre-me um puritano e eu lhe mostrarei um filho da puta". Assim, na lata. Também escolhi um aforisma sobre o livre arbítrio, tema que super recomendo: "Se Ele sabe que vou trabalhar esta noite escrevendo este livro tão ímpio, para escândalo da fé e terrível ameaça às almas, por que não me induz a um trabalho mais decente? Impossível imaginar, à luz daquela fé, que Ele não saiba o que estou fazendo, assim como é impossível imaginar que não possa me deter. Ergo, deve assumir pelo menos parte da culpa por meu pecado e fará um papelão se tentar me punir por ele no inferno". Ah! a onipotência e a onisciência. Deus tudo vê e tudo pode! Imperdível mesmo é o capítulo - Tempos modernos. Nele ele aborda a Lei Seca, que durou entre os anos de 1920 e 1933. Inacreditável.

Mas vamos a juízos mais abalizados: Para a publicação brasileira do livro de 1988 houve um anexo de autoria de Paulo Francis. Ele assim encerra o seu breve comentário: "Nada de solene em Mencken. Ele era um jornalista literário e um satírico, por excelência. O espetáculo da estupidez humana 'fazia o dia dele, como Rambo faz o de Ronald Reagan (babamos de antecipação frustrada em imaginar o que Mencken diria de Reagan). Chamava o sul dos Estados Unidos de 'Sara do Bozart' (trocadilho de bobo com Mozart). Ridicularizava, em particular, os fundamentalistas cristãos. Fez o estado do Tennessee mundialmente célebre e infame, quando, em 1925, descreveu o julgamento do professor secundário John Scopes, que ensinava Darwin em biologia, e não a Bíblia (O episódio está presente no livro).

E Mencken também não gostava dos ricos exibicionistas daqui. Chamava-os de boobosie. Os ensaios reunidos neste livro dão uma dimensão variada do estilo e incisividade de Mencken. Em pessoa, ele era mais conservador do que por escrito. Sua ideia de uma noite feliz era ouvir e tocar Brahms e Schubert, se bem que ele e Nathan (autor da frase 'bebo para tornar os outros interessantes') tomaram pileques homéricos, enquanto riam dos outros. Mencken é atualíssimo. O mundo regrediu para a jequice de que ele tirou os Estados Unidos. Que ao menos ressuscite sua prosa neste livro".

Do posfácio de Ruy Castro também tomo a sua última frase, após ele descrever seus anos finais de vida, consagrados a Beethoven e Johnny Walker: "Quando morreu de enfarte, em 1956, a grande dificuldade dos redatores de seus obituários foi escolher uma classificação que melhor o definisse. Repórter, crítico, colunista, editor, polemista, escritor, filólogo, humorista? Eu escolheria todas".

Ainda, breves dados biográficos, contidos na contracapa do livro: "Henry Louis Mencken nasceu em Baltimore, Maryland, em 1880. Fez boa parte da sua carreira nos jornais da cidade, o Sun e o Evening Sun, enquanto editava as revistas Smart Set e American Mercuy, com Jorge Jean Nathan. Depois de um derrame, em 1948, ele não conseguiu mais escrever. Morreu dormindo na noite de 28 para 29 de janeiro de 1956. Quando foi se deitar, ouvia uma sinfonia transmitida pelo rádio". Também deve ser dito que era autodidata.

Memória do encontro. Com Cristovam e Pai Firmino.

E na contracapa: "Embora o próprio Mencken fizesse questão de difundir a sua imagem de iconoclasta e irreverente, Edmond Wilson afirmava que havia por trás desta máscara  'um crítico, um evangelista e um artista; ele é uma mente de extraordinário interesse.  Gore Vidal diz que H.L. Mencken foi o jornalista mais influente de sua época e 'também o mais sagaz'".


2 comentários:

  1. Já quero ler. Buscarei nos Sebos da vida. Obrigada professor 😊

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    1. Efetivamente o livro é um insulto. Fico feliz em ter despertado o desejo da leitura. Muito obrigado pela sua manifestação.

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