sábado, 2 de setembro de 2023

REALISMO CAPITALISTA. Mark Fisher. A eternização do presente e o tolher do imaginário.

Cheguei ao Realismo capitalista - é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo?, do britânico Mark Fisher (1968 - 2017), por indicação de amigos. Confesso que, embora o ponto de interrogação contido no subtítulo, não fiquei tão entusiasmado com o livro. Achei o título um tanto imobilizante, mas se o é, é exatamente para sair do imobilismo. O livro é formado por uma série de textos, originariamente publicados no blog k-punk, que o autor mantinha. Assim os textos tem um formato, que não é o de um longo e tedioso ensaio. Uso o tedioso propositadamente. Ele é um dos elementos de análise contidos no livro.

Realismo capitalista. Mark Fisher. Autonomia literária. 2023. Primeira edição - 2009.

Os textos são uma reflexão sobre as novas formas adquiridas pelo capitalismo, na sua passagem do fordismo para o pós-fordismo, ou das mudanças de ordem política, com a ascensão da doutrina neoliberal e o rechaçar das doutrinas da social democracia ou do estado de bem-estar. Fisher aponta para a greve dos mineradores da Inglaterra, nos anos de 1984 e 1985 como o grande marco simbólico da afirmação do conceito de "realismo capitalista", além dos fatos históricos como a queda do Muro de Berlim (9 para 10 de novembro de 1989) e da dissolução da URSS (dezembro de 1991), e ainda o surgimento do artigo de Francis Fukuyama O fim da história e o último homem (1989).

Dois conceitos de Thatcher são fundamentais para se cravar o termo "realismo capitalista". O primeiro é o de que não há alternativas (TINA) ao sistema capitalista e o segundo, uma frase que transcrevo literalmente: "Eles estão endereçando seus problemas à sociedade. E, você sabe, essa coisa de sociedade não existe. O que existe são homens e mulheres individuais, e famílias. E nenhum governo pode fazer nada, exceto através das pessoas, e as pessoas devem cuidar primeiro de si mesmas". Está aí o conceito da responsabilização individual para o sucesso ou para o fracasso. É uma escolha sua.

Ele usa um referencial teórico daqueles que estudaram os fenômenos correlatos, como a mudança sofrida do mundo das relações do trabalho, do fordismo para o pós-fordismo, marcada pelo fim das estabilidades, substituídas pela flexibilização, terceirização e precarização. É a pós-modernidade. As análises acontecem a partir de Frederic Jameson (Pós-modernismo - a lógica cultural do capitalismo tardio - 1999) e de Deleuze e Guattari, e seus estudos sobre capitalismo e esquizofrenia. Também Richard Sennett (A corrosão do caráter - consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo - 1999) tem forte presença. Ah, a saúde! A saúde mental. A depressão é o problema mais tratado pelos sistemas de saúde. Uma consequência do "viver sempre na corda bamba". O sistema passa por uma postergação indefinida, por uma ansiedade perpétua, por uma culpa que sempre paira no ar, uma auto depreciação e um autoflagelo sem fim. A burocratização kafkiana da vida. As metas fixadas pela burocracia!

Fisher foi professor universitário. Isso lhe proporcionou muitas reflexões sobre a educação. Entre elas, a burocratização pelas plataformas. Um caminho seguro para a redução do imaginário. Elas prescindem da voz e da escrita. Eu sublinhei uma frase a esse respeito: "A escrita nunca foi o forte do capitalismo. O capitalismo é profundamente iletrado", afirmaram Deleuze e Guattari no Anti-Édipo. "A linguagem eletrônica não passa pela voz ou pela escrita: o processamento de dados se dá perfeitamente sem ambas". Pelo uso massivo das plataformas, os professores passam por um difícil processo de equilibrar-se ao lidarem com alunos e a sua subjetividade numa sociedade do pós letramento.

A edição brasileira do livro de Mark Fisher é de 2020. Ela mantém o conteúdo original do livro, que é de 2009. Além disso ele contém vários apêndices, com textos posteriores e um ilustrativo posfácio, de autoria de Victor Marques e Rodrigo Gonsalves, que traçam a trajetória intelectual de Fisher. Como os capítulos são posts de seu blog, são curtos e por isso vários. Passo a dar os títulos e quando eles não são auto explicativos eu faço uma breve ilustração: Vejamos:

1. É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Aqui é apresentado o conceito de realismo capitalista e os fatos históricos que marcaram o seu surgimento. Ele se confunde com o pós-fordismo, com o pós-moderno e com o neoliberalismo. Ele é uma construção ideológica.

2. E se você convocasse um protesto e todo mundo comparecesse. O título contém ironia. É sobre os protestos contra o capitalismo - mas que o procuram legitimar. O capitalismo é um tipo de pai avarento, hiper abstrato, que se mantém, apesar de protestos e de ações protelatórias de filantropia.

3. O capitalismo e o real. Depois de duras críticas, ele apresenta três aporias do sistema. A questão ecológica, a saúde mental como epidemia e a burocratização kafkiana da vida. E a educação é apresentada como o seu grande laboratório.

4. Impotência reflexiva, imobilização e comunismo liberal. É uma referência à impotência reflexiva, à redução do imaginário e ao empobrecimento da linguagem. Já os comunistas liberais seriam os capitalistas filantropos como Bill Gates e George Soros. Isso cria o conformismo que permite o realismo capitalista por falta de alternativas. Ah, as esquerdas!

5. 6 de outubro de 1979. Não se apegue a nada. Essa data marcaria o passagem do fordismo para o pós-fordismo. Da passagem da vida tediosa da mesmice para o da desproteção, da instabilidade e da insegurança que acompanha as terceirizações. Os tratamentos de saúde mental inerentes engordam os lucros da indústria farmacêutica.

6. Tudo que é sólido se desmancha em relações públicas: stalinismo de mercado e antiprodução burocrática. Nesse capítulo Kafka é apresentado como o profeta da burocracia, que no "realismo capitalista", já atingiu a sua fase de metástase (os professores que o digam). A burocracia stalinista foi copiada pelo "realismo capitalista".

7. "Se pudéssemos observar a sobreposição de realidades distintas": o realismo capitalista como trabalho onírico e distúrbio de memória. Aqui é apresentada a corrupção das subjetividades. As pessoas se dão à adaptabilidade. Flutuam de acordo com os interesses e não de acordo com princípios. Passam por flexibilizações. O capítulo é dedicado a Tony Blair e Gordon Brown, os reformadores do trabalhismo inglês ao neoliberalismo e, dessa forma, ao "realismo capitalista". Muito triste.

8. "Não há operadora central". Não há mais o Estado a socorrer ninguém. Tudo deve ser buscado no mercado. Todas as responsabilidades são atribuídas ao indivíduo, não à sociedade. O Estado se resumiria a militares e a policiais.

9. Supernanny marxista. A compensação da ausência dos pais pela permissão total aos filhos. Um paternalismo sem os pais. Também há aqui, a apresentação de saídas, para a superação do realismo capitalista.

Os apêndices, em número de quatro, tem os seguintes títulos; Não prestar para nada; como matar um zumbi: elaborando estratégias para o fim do neoliberalismo; Não falhar melhor: lutar para ganhar e ninguém está entediado, tudo é entediante. Chamo o atenção para o primeiro desses posts. É uma autobiografia do autor, de uma vida inteira de luta contra a depressão. Em meu caderno de notas eu escrevi: A depressão como um projeto de classe. Você é capaz de tudo, basta querer. No entanto, na vida, só tropeços e fracassos. A morte de Mark Fisher foi por uma escolha sua. 

O posfácio é simplesmente imperdível. Apresenta as quatro fases de sua vida, os conceitos fundamentais que desenvolveu e os autores que mais o influenciaram. Também apresentam as suas angústias permanentes para que o futuro não fosse abolido. Para que nossos sonhos continuassem grandiosos e para que vislumbrássemos alternativas, frutos de uma construção humana coletiva. O grande antídoto para o realismo capitalista, a sempre - consciência de classe.

Deixo os dois últimos parágrafos do posfácio: "Essa não é uma tarefa para um indivíduo (a superação do realismo capitalista): 'nenhum indivíduo pode mudar nada, nem mesmo a si mesmo'. A ideologia individualista da autoajuda é puro 'voluntarismo mágico', invocado para nublar as causas estruturais da miséria real. O desejo pelo futuro, que poderia exercer mais atração libidinal do que a 'revolta na ordem' niiliberal', precisa ainda se encarnar em um 'novo tipo de agente coletivo'. Fisher, fiel que era de um 'destino secular', via sinais de que essa recomposição já estaria em curso; uma onda ascendente de política experimental, com as pessoas comuns redescobrindo a consciência de grupo e a potência do coletivo.

De todo modo, gostemos ou não, a política está de volta. A história começou a se mover novamente. A desintegração é uma abertura perigosa, e nada está garantido - mas, como diz Fisher, 'a vitória da direita só é inevitável se nós pensarmos que é".

E, para terminar. Seria essa uma definição de realismo capitalista?: "...para mostrá-lo como realmente ele é' (o realismo capitalista): uma guerra hobbesiana de todos contra todos, um sistema de perpétua exploração e de criminalidade generalizada. No hip-hop, Reynolds escreve, 'cair na real' é confrontar o estado de natureza, onde cão come cão, onde você é vencedor ou perdedor, e onde a maioria vai perder". Página 21. Um livro imperdível.

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