sexta-feira, 8 de março de 2013

Certezas - Dúvidas e Reflexões. Hugo Chaves.

Não gosto muito da abordagem deste tema. Não é porque eu não tenha posições ou convicções a respeito, porque vivemos em tempos de pós ideologia, de pensamento único, de tentativas de sobrevivência de velhos dinossauros ou de coisas parecidas. É que eu não boto muita fé nos resultados desse tipo de debates. a nossa formação catequética nos ensinou que existe apenas o bem e o mal e que o mal deve ser execrado e o bem, ardorosamente buscado. Não existem caminhos alternativos. Ou é bom ou é mau.

Já se vão os tempos da tragédia grega em que Apolo e Dionísio conviviam bem ou, já que estamos num campo nietzschiano, num tempo em que a águia (a que mais alto se eleva) e a serpente (a que rasteja e ausculta a terra) voavam abraçadas, como amigas e não a águia devorando a serpente.  Os tempos hoje são  definitivos, como o são, os julgamentos emitidos pelas pessoas.
Hugo Chaves, o polêmico revolucionário do socialismo bolivariano, falecido esta semana.

É certo que Hugo Chaves não foi uma pessoa muito polida, de acordo com o imaginário do mundo diplomático. Falava demais, era muito irrequieto, sempre estava em movimento. Se tornou famoso o episódio em que o rei espanhol Juan Carlos, este sim, um diplomata, no sentido bem comportado da palavra, o mandou calar a boca, - Por qué no te callas? - no encontro da cúpula Ibero-americana, em Santiago, em 2007. Incidente contornado, Chaves teria dito que a América, já teria se calado demais. Obviamente, a América Latina. A irritação do rei se deveu a sucessivos ataques de Chaves ao, já então, ex primeiro ministro espanhol, o conservador José María Aznar.

Porque já nos calamos demais. Certamente está aí a tese fundamental do pensamento de Chaves, o seu chamado socialismo bolivariano. Entram aí milhares de componentes históricos, que vão desde a colonização (?), dos movimentos de independência, da exploração imperialista até os golpes militares na América Latina, dos tempos da Guerra Fria, inspirados e ajudados concretamente, de maneira mais ou menos explícita, pelos agentes americanos.O que não se pode negar é que Chaves queria a "América para os Americanos", não aquele movimento, da doutrina Monroe, mas de que a riqueza da América ficasse com o povo dos países da América do Sul. Estes embates são históricos: A guerra do Paraguai, os movimentos de nacionalização das riquezas como o cobre do Chile, do petróleo e das demais riquezas dos diferentes países. Quem quiser recordar, Eduardo Galeano e Pablo Neruda contam esta exploração, em prosa e verso, assim como tanto outros.

Chaves surge no cenário pós-neoliberal, dos ajustes estruturais que empobreceram, tanto o povo, quanto o conceito de Nação, em favor do que se falava então, dos emergentes mercados. Neste contexto, estão junto com Chaves, a quase totalidade dos presidentes da América do Sul. O que une a todos é o combate, em maior ou menor grau, às políticas neoliberais e uma preocupação com as políticas de distribuição de renda, fazendo-a chegar às populações mais desamparadas.

É o velho choque entre as doutrinas do Estado-Nação como indutor de políticas distributivas e ações em favor da cidadania, com as doutrinas da eficiência dos mercados e da ausência neles, das ações do Estado. Nisto não há entendimento. Jamais deixarão de existir mentalidades que responsabilizarão os indivíduos pelos seus êxitos ou fracassos e que adotarão a competição como valor supremo e, os que defendem as ações positivas do Estado em favor da justiça social e, encontrando na cooperação e na solidariedade os seus valores fundamentais. Uns fazem isso com mais veemência que os outros, em ambos os lados. Veemência, com certeza, é uma palavra que se aplicava bem a Chaves.

Estou lendo Jardim de Inverno, as memórias de Zélia Gattai com Jorge Amado no exílio. Este exílio originou-se em função das ideias comunistas que professavam. O mandato de Jorge como deputado constituinte foi cassado pelo governo Dutra e Jorge, junto com Zélia terão que enfrentar os sabores e dissabores do mundo, em outras plagas. O clima da guerra fria não permite a sua permanência, nem na cidade sede e símbolo da "liberdade, igualdade e fraternidade". Praga os receberá. Como pensadores argutos, evidentemente perceberam as contradições no mundo soviético e nos demais regimes socialistas. Como já conheciam o "mundo livre", que os cerceava na liberdade, passaram a conhecer também os cerceamentos no mundo socialista. Encantos e frustrações se mesclam em suas vidas.
O livro de Zélia está repleto de reflexões sobre os regimes socialistas. Os descaminhos dos governantes, no entanto, não abalaram a crença socialista. Na capa, Zélia com Paloma, a filha tcheca de Zélia e Jorge.

Zélia tem neste seu Jardim de Inverno, um capítulo simplesmente extraordinário: Resguardo com reflexões.O resguardo se deve ao nascimento, em Praga, de sua filha Paloma e, as reflexões se devem, especialmente, a dois fatos que ocorrem paralelamente; A missão que Jorge recebe do Partido Comunista Brasileiro, de ir a um festival em Berlim, viagem esta, que o afastaria do convívio com Zélia, no momento do nascimento da filha e, do caso Slansky, os primeiros expurgos do PC tchecoeslovaco, do qual muitos amigos do casal foram vítimas, mesmo que, absolutamente, sem culpa.

Zélia reflete entre os bens sociais que o regime trouxera e que ela sentiu com o nascimento de Paloma e das ajudas do Estado, no casamento de uma empregada e as desconfianças e intrigas dentro do governo, intrigas de disputa de poder. Zélia conclui dessa maneira as suas reflexões:

"Não havia dúvida, não era o socialismo que não prestava, eram, isso sim, os governantes enlouquecidos pela ambição...esses é que deviam ser combatidos, desmascarados... Ao raciocinar assim, eu me sentia, senão de todo satisfeita, pelo menos mais tranquila, capaz de reafirmar meus ideias socialistas e ir em frente, sem, no entanto, abrir mão do direito de liberdade, de lutar por ela, pois começava a entender que qualquer regime, seja ele qual for, sem liberdade não passa de uma ditadura".

Mas afinal, e Chaves? Sem dúvida que, embora polêmico, a Venezuela em particular e a América do Sul, em geral, acabam de perder um de seus revolucionários. Certamente, por isso mesmo, por ser revolucionário,é que se tornou tão polêmico.Particularmente me sensibilizou muito o golpe de Estado contra ele praticado, no início do século e a sua recondução ao poder, por uma operação do povo venezuelano. Uma das acusações mais comuns aos governos populares é a de serem chamados de governos populistas, atribuindo conotações pejorativas a este termo. Conciliar liberdade com igualdade sempre será uma dificuldade, já a partir das definições atribuídas a essas palavras.




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