quinta-feira, 5 de março de 2015

Histórias Íntimas. Mary del Priore.

Eu gosto muito dos trabalhos desta historiadora, Mary del Priore. Ela encontrou uma forma muito atraente para apresentar as suas histórias. Ela tem uma grande preferência em apresentar os personagens da nossa realeza. Isso não é diferente com esse livro Histórias Íntimas - sexualidade e erotismo na história do Brasil. Um dos capítulos, quase por inteiro, é dedicado a nossa família imperial. Afinal de contas, Dona Carlota Joaquina e D. Pedro I não poderiam ficar de fora desta história. O livro é 2011.
O tema da sexualidade sempre esteve ligado a preconceitos. Este livro é um libelo contra os mesmos.

O livro tem prefácio escrito por Moacir Scliar, que apresenta as qualidades do livro e na introdução a autora descreve a primeira década do século XXI com relação ao erotismo e a sexualidade e como se chegou até aí. Aí seguem cinco capítulos, em linearidade histórica, assim intitulados: 1. Da colônia ao império; 2. Um século hipócrita; 3. Primeiras rachaduras no muro da repressão; 4. Olhares indiscretos; 5. As transformações da intimidade. Segue uma extensa relação bibliográfica e o livro também é entremeado por um bloco de belas fotografias sobre o tema.
Padres moralistas e médicos higienistas - sempre aliados na repressão sexual.

Sintomaticamente o primeiro subtítulo do primeiro capítulo é "o corpo, a igreja e o pecado". Uma visão que predomina ao longo de todo o livro. O corpo, no início absolutamente descuidado, até se chegar ao seu verdadeiro culto, em nossos dias, e a igreja e o pecado mostram o componente repressor em torno da matéria. Afinal a igreja e a sua sanha moral repressora perpassa toda a história e que, inclusive, chegou a atingir a nossa geração em profundidade. Logo no início é apresentado o fato de Isabel de Castela ter morrido, sem a apresentação ao confessor de certa ferida que ela carregava no corpo. O capítulo é bem interessante, ao mostrar um continente nu e a chegada de uma bateria de moralistas e o confronto que isso provocou. Aos padres, geralmente, se somavam os médicos na fúria repressiva. Outra revelação interessante está no fato de que, na ressurreição após o juízo final, todos renasceriam no "santo estado masculino" e ninguém seria tentado pela "carne funesta", proclamava santo Agostinho.

O século hipócrita é o século XIX e, os maus exemplos vem do andar de cima, da nobreza brasileira. Dona Carlota Joaquina e D. Pedro I são personagens nada exemplares. D. Pedro I já usava do poder do império para prestar favores aos parentes da Condessa de Santos. A lista de suas amantes ocupa mais de página inteira no livro. As suas orgias só encontravam paralelo nos tempos do Império Romano. São impressionantes as narrativas dos viajantes que aqui aportavam sobre a promiscuidade nos tempos do império. Tudo isso em meio a moral repressiva dos padres e do higienismo dos médicos.
Por mais reprimida que fosse, a sexualidade e a sua erotização nunca deixaram de se manifestar.

As primeiras rachaduras ocorrem já no começo do século XX. Ele é apresentado como o século do corpo, que começa a ser modelado e exposto. É também o século da psicanálise, dos estudos de Freud e, sobretudo, de Reich. Quanto ao Brasil são examinadas as primeiras revistas "masculinas", o Rio Nu, que circulou entre 1900 e 1916. Também é o tempo em que começaram a circular os famosos catecismos, apesar de todas as vigilâncias e proibições. O capítulo se volta mais para a primeira metade deste século.

Já os olhares indiscretos são os olhares que recebem as mulheres despidas no teatro de revista e no cinema de chanchada e as influências deste, no comportamento moral que começa a ser um pouco menos repressivo. Neste capítulo a autora fala muito sobre o casamento, sobre as separações e também sobre a homossexualidade, sempre vista como uma deformação da natureza, uma doença a ser curada. Também não escapa o olhar feminino sobre o papel de subordinação da mulher nas relações do casamento.
O tema do marido traído também sempre esteve presente ao longo da história da sexualidade.

Já o último capítulo, as transformações da intimidade, chega aos nossos dias, com a abordagem dos temas com os quais convivemos no nosso dia a dia. A revolução sexual, os famosos anos 1960, o direito ao prazer, da pílula contraceptiva, do domínio da medicina sobre a sífilis e de toda uma onda de insubordinação. Mas também é o tempo da AIDS e de um novo moralismo em torno do tema. São mostrados ainda, a emancipação feminina pelo trabalho e as suas influências sobre a instituição do casamento. E... só poderia terminar com o advento do Viagra. Em suma, um livro que chama para a curiosidade do leitor, sobre estes temas, que apesar de tudo, ainda não se livraram inteiramente da visão de tabu sobre eles.Um de seus maiores méritos é o seu combate a todo tipo de preconceitos. Afinal o tema sempre foi muito propenso a isso.

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