sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Esaú e Jacó. Machado de Assis.

Com Esaú e Jacó entramos na última fase da literatura de Machado de Assis, a sua fase de memorialista, ainda dentro do movimento do realismo. Esta fase é feita por dois livros seus. Esaú e Jacó, de 1904 e O Memorial de Aires, de 1908, o ano de sua morte. O conselheiro Aires já aparece em Esaú e Jacó e tudo indica que os dois livros foram concluídos, mais ou menos, concomitantemente. Nestes livros diminui a sátira e a ironia para aparecer mais fortemente a crítica social. Possivelmente Esaú e Jacó seja o mais explícito dos livros de Machado, pois, fala abertamente do fim da monarquia e da proclamação da república, permanecendo no entanto, a ambiguidade.
Esaú e Jacó. Edição da LPM Pocket.

O título do livro Esaú e Jacó foi retirado da Bíblia e mais precisamente do livro do Gênesis, em seu capítulo 25, nos versículos 19 a 34. Nele se lê sobre o nascimento dos Gêmeos, ou melhor, já desde a sua concepção no ventre materno, quando Rebeca teve dúvidas e  foi consultar ao Senhor sobre o que acontecia em seu ventre, pois lhe parecia que as crianças estavam brigando o que não lhe parecia normal.. E o Senhor assim se manifestou: "Tens duas nações no teu ventre; dois povos se dividirão ao sair de tuas entranhas. Um povo vencerá o outro, e o mais velho servirá ao mais novo". Só pelo título já está mais ou menos anunciado um final meio trágico para o livro.
A origem bíblica dos gêmeos briguentos. Esaú e Jacó eram filhos de Rebeca e de Isaac.

Nos gêmeos de Machado, a mãe não é Rebeca, nem Isaac será o pai. A mãe será Natividade e o pai será o rico banqueiro e industrial Agostinho Santos. Os gêmeos, por sua vez se chamarão Pedro e Paulo. Natividade não foi consultar ao Senhor sobre o futuro dos filhos, mas à cabocla vidente do morro do Castelo. A cabocla fica sabendo da briga dos meninos no ventre materno mas, mesmo assim, prevê para ambos um belo futuro. Anuncia que serão grandes no futuro. Natividade, que subira ao morro com a sua irmã Piedade, desce extremamente feliz e até dá uma esmola, que pelo seu tamanho, foi considerada a esmola da felicidade.
 Natividade preocupada foi consultar a cabocla vidente do morro do Castelo.

A cabocla nada falara se os meninos se dariam bem. Como já brigavam no ventre, a harmonia entre os meninos passou a ser a grande preocupação da mãe. Natividade expõe as suas preocupações para o Conselheiro Aires, um diplomata aposentado e extremamente erudito. Além de Aires, as amizades do casal Dias, Natividade e Agostinho, se estendem para a família de um ex presidente de província, o conservador Batista e a sua mulher Cláudia. Este casal tem uma filha chamada Flora. A bela Flora passa a ser a principal personagem da narrativa. Segundo o conselheiro Aires, Flora é inexplicável.
Flora divide a centralidade da narrativa com os gêmeos Pedro e Paulo, que são absolutamente idênticos no aspecto físico mas não em gênio. As brigas são constantes, com a mãe sempre os apartando. A primeira confusão ocorre entre eles na compra de quadros. Paulo escolhe um quadro de Robespierre, enquanto que Pedro compra um de Luís XVI. Pedro defenderá a monarquia e Paulo será um fervoroso republicano. Após a proclamação Pedro se adapta aos ideais republicanos mas com moderação, enquanto que em Paulo fervilha um espírito revolucionário. Enquanto os gêmeos tem um perfil e ideologias bem definidas, Batista deixa o partido conservador e entra no liberal, numa extraordinária adaptação em busca de cargos. Também não tardará em ser republicano.
Capa de Esaú e Jacó, com destaque para Flora, a inexplicável.

A zelosa Natividade, não querendo ver os filhos envolvidos em brigas e, na luta para fazer deles grandes homens, deixa Pedro no Rio de Janeiro com os estudos de medicina e manda Paulo para São Paulo, estudar Direito. "Não tardaria muito que saíssem formados e prontos, um para defender o direito e o torto da gente, outro para ajudá-la a viver e morrer. Todos os contrastes estão no homem", nos conta o narrador. Mas onde está Flora, se é ela a personagem central da história. As divergências entre os gêmeos acabam todas, quando a questão se refere ao amor. Os dois são apaixonados pela bela moça. Mas o conselheiro Aires já a havia definido. Flora é inexplicável.

Os gêmeos lhe fazem a corte, mas ela não se define. Quando está com um, pensa no outro e não consegue se imaginar sem os dois. Os gêmeos fazem pactos de resignação e de conformidade, caso ela se decidisse ou por um, ou pelo outro. Entram em cena dois outros pretendentes de Flora, mas ela os recusa. Em sua eterna indefinição é acometida por uma febre e, em um breve espaço de tempo, adoece e morre, para o profundo lamento dos dois.  Mesmo depois da morte os dois ainda a cortejam em visitas ao cemitério, um chegando mais cedo e o outro, para a compensar, se demora mais junto à sepultura.
Destaques da capa para Pedro, Paulo e Flora.

Já quase ao final da história, os meninos cumpriram o destino grandioso, previsto pela cabocla do morro do Castelo. Os dois se elegem deputado, por partidos opostos. A mãe mais uma vez intervém e os faz até votar nas mesmas causas, até que a mãe, também acometida de doença, vem a falecer. Depois disso os talentosos jovens se distanciam e não vivem bem e, pouco depois passam a se odiar. O conselheiro Aires dá uma pista que o narrador não desmente. Questões de herança.

As contradições e indefinições, segundo os críticos, representariam as próprias contradições e incoerências do Brasil, dividido entre a Monarquia e a República, dominado por uma burguesia vulgar e superficial, onde os interesses particulares sempre se sobrepuseram aos interesses públicos. O próprio Machado, como um típico self made man levou tempo para se integrar e ser reconhecido nessa sociedade, sendo que isso aconteceu já bem tardiamente.
Com Esaú e Jacó Machado inicia a sua fase de memorialista.


Particularmente me chamou atenção o fato de Machado fazer referências explícitas aos fatos históricos do período. Destacaria a abolição, a queda da Monarquia e a proclamação da República. Ah sim! Também o famoso baile da Ilha Fiscal. Também apreciei as idas e vindas pelas ruas do Rio de Janeiro. Consegui me localizar em quase todas as ruas e bairros citados. O morro do castelo já não existe mais.

Li uma edição da LPM Pocket, com nota sobre a edição, uma pequena biografia do autor, uma cronologia do autor e de sua obra, um panorama do Rio de Janeiro da época e um mapa dos acontecimentos. A edição ainda conta com uma espécie de posfácio. Um belo trabalho.


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