quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Sobre o ato de ler e a força do jornalismo investigativo. Roberto Saviano.

"O sonho de qualquer jovem jornalista de garra deve parecer bastante com o perfil de Roberto Saviano", afirma o jornal El País, num comentário sobre o livro ZeroZeroZero, do jornalista italiano. Saviano vive sob escolta da polícia italiana, após a repercussão de seu livro Gomorra - a história real de um jornalista infiltrado na violenta máfia napolitana. O último capítulo de ZeroZeroZero, o jornalista faz uma crítica ao seu próprio trabalho. É como o vício. Você quer sempre mais e mais histórias e faz uma afirmação que considero entre as mais belas e que segue.
Em respeito ao leitor. Conhecer é começar a mudar.

Se considera como um monstro, se ser monstro é lutar por algo superior, mas guarda ainda um certo respeito. Vejamos: "Sou um monstro, tal como é monstro qualquer um que se tenha sacrificado por algo que lhe pareceu superior. Mas ainda conservo respeito. Respeito por quem lê". E ao dizer porquê conserva esse respeito, vem uma das mais belas declarações que eu já vi, sobre o ato de ler. Prometo que vou usar até a exaustão, o que é praticamente impossível, pelo tamanho da beleza. "Respeito por quem lê. Por quem subtrai um tempo importante de sua vida para construir nova vida". E continua:
Segundo Umberto Eco, Saviano é um heroi nacional.

"Nada é mais poderoso do que a leitura, ninguém é mais mentiroso do que quem afirma que ler um livro é um gesto passivo. Ler, escutar, estudar, compreender é o único modo de construir vida além da vida, vida ao lado da vida. Ler é um ato perigoso porque dá forma e dimensão às palavras, encarna-as e as espalha em todas as direções". Um pouco mais adiante continua, agora já falando da importância de conhecer o mundo do tráfico internacional da droga. "Conhecer é começar a mudar. Para quem não joga fora estas histórias, não as ignora, sente-as como próprias, para essas pessoas vai o meu respeito". E ainda  no mesmo tom, continua:

"Quem se sente arcar com as palavras, quem as grava sobre a própria pele, quem constroi para si um novo vocabulário está mudando o curso do mundo porque compreendeu como se situar nele. É como romper grilhões. As palavras são ações, são tecido conectivo. Somente quem conhece estas histórias pode se defender destas histórias. Somente quem as conta ao filho, ao amigo, ao marido, somente quem as leva aos lugares públicos, aos salões, às salas de aula, está articulando uma possibilidade de resistência. Para quem está sozinho sobre o abismo, é como estar numa jaula, mas se forem muitos a decidir enfrentar o abismo, então as grades daquela cela se dissolvem. E uma cela sem grades já não é uma cela".
De um vídeo de incentivo à leitura.

Depois cita uma frase bíblica do Apocalipse. "Tomei o livrinho da mão do Anjo e o devorei - na boca era doce como mel; quando o engoli, porém meu estômago se tornou amargo". Saviano aconselha. "Creio que os leitores deviam fazer isso com as palavras. Metê-las na boca, mastigá-las, triturá-las e por fim engoli-las, para que a química da qual são compostas faça efeito dentro de nós e ilumine as turbulências insuportáveis da noite, traçando a linha que distingue a felicidade da dor". Localizei o versículo. É João 10:10 e se quiser contextualizar é João 10: 1 a 11.

Como falei no primeiro parágrafo, estas frases estão no último capítulo do livro e, antes de chegar ao seu final, ele também emite a sua opinião sobre este mundo do narcotráfico, ou do narcocapitalismo, expressão com a qual me defrontei pela primeira vez. Devo dizer, que após ver algo sobre este mundo, eu lhe dou integral concordância, lembrando ainda, uma frase do presidente Mojica. "Não se muda uma realidade, fazendo sempre a mesma coisa. Mas vejamos Saviano abordando a questão:
Não se muda uma realidade fazendo sempre a mesma coisa.

"A verdade é que não existe alternativa. A cocaína é um combustível. A cocaína é energia devastadora, terrível, mortal. As prisões  parecem não bastar nunca. As políticas de combate parecem sempre errar o alvo. Por mais que possa parecer terrível, a legalização total das drogas poderia ser a única resposta. Talvez uma resposta horrenda, horrível, angustiante. Mas a única possível para bloquear tudo. Para deter os faturamentos que se inflam. Para deter a guerra. Ou, pelo menos, é a única resposta que nos ocorre dar quando, no final de tudo, nos perguntamos: e agora, o que fazer?"
Ler é um ato perigoso. O revolucionário método de aprender a ler.

Mais bonito do que isso sobre a leitura só o Fahrenheit 451, de Ray Bradbury e as palavras do inquisidor mor,  Beatty o chefe dos bombeiros, que tinha plena consciência da sua missão incendiária. "Um livro é uma arma carregada na casa vizinha". Ou então Paulo Freire, no seu magnífico Educação como prática da liberdade.

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